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  Homilia  

Jesus traz os oprimidos ao banquete do Reino

22/11/2020

Este evangelho[Mt 25, 31-46] traz um ponto de reflexão constante para nossa vida cristã. Foi baseado neste evangelho que Frederico Ozanan fundou os Vicentinos. São Vicente de Paulo, duzentos anos antes, vivia dessa espiritualidade: do serviço ao pobre, ao que sofre. Hoje em dia, continuamos, infelizmente, tendo tantas situações de sofrimento e de injustiça no mundo. Nós vimos, dois dias atrás, um homem espancado em um mercado, depois de agredir um vigia. Ele cometeu um erro, mas isso não justifica que a pessoa seja espancada até a morte. E este homem que foi morto era negro. Então nos vem a pergunta: “se fosse um homem branco, teriam feito aquilo?”. Temos que nos fazer estas perguntas.

Um dia, uma pessoa me perguntou: “por que que fala tanto de negro? Para de falar tanto, fala de branco também”. Mas o que não se percebe é que de branco se fala o tempo inteiro. Quando você assiste novela, a maioria é branco. Agora que começaram a mudar, mas antes você podia contar dois ou três artistas negros. Tudo é baseado na cultura branca. Nós não temos o racismo segregacionista da África do Sul, no qual os negros ficavam em lugares separados dos brancos durante o período do Apartheid. Isso não existe no Brasil. Nós também não temos o mesmo segregacionismo americano, mas não podemos dizer que não temos racismo no Brasil.

Vocês já ouviram falar das conversas que os pais negros têm com os filhos quando tem 10, 11 ou 12 anos? A conversa do pai é – prestem atenção nas palavras –: “filho, quando você for parado pela polícia (não é “se”, é “quando”; ele sabe que vai ser parado porque ele é negro), olhe para o chão, entregue os documentos, seja educado, responda às perguntas, se estiver com tênis novo, leve a nota fiscal na carteira”. Se isso não se chama racismo, eu não sei o que vai chamar. Qual pai branco teve essa conversa com o filho quando tinha 11 ou 12 anos? Nenhum. Isso nem passa na nossa cabeça. E os negros são pouco mais da metade da população brasileira.

Não adianta alguns senhores que se sentam em certas cadeiras dizerem que, no Brasil, não há racismo. Não tem como aparece nos EUA e na África do Sul, mas tem. Pergunte a um negro. Tem a história da moça que foi com a amiga negra fazer comprar no shopping. Ela queria comprar sutiã. Chegaram no shopping e a vendedora se dirigiu somente à branca, nem considerou a negra que estava com ela. Só quando foi informada que a moça negra era a cliente é que se dirigiu a ela. A moça negra disse que queria um sutiã cor da pele. A vendedora pegou todas as variações de bege. Por quê? Porque pensamos que cor de pele é só branca. Isso se chama racismo introjetado e nós fazemos isso todos os dias. A vendedora, que não é mais culpada do que nós, deveria ter perguntado: “é para você? Qual a cor de pele da pessoa?”. Racismo introjetado é isso: se você vai comprar uma tinta e quer tinta cor de pele, ela vai ser bege.

Isso está na nossa cabeça e se chama racismo estrutural. E nós somos culpados? Não! Mas temos que ligar o sinal vermelho e saber que não está certo. Que cor você quer pintar a pessoa? Se for São Benedito, a pele é escura; se for Santa Clara de Assis, então a pele é clara. Do mesmo modo, se é uma mulher negra, as cores de sutiã cor de pele serão dentro do cinza, do negro, do marrom. Nós temos que ligar o sinalzinho vermelho.

Padre, e o que isso tem a ver com o evangelho? Tudo! Porque se o Evangelho não nos incomoda, não nos cutuca, é porque estamos lendo errado. Hoje, no Brasil, amar o próximo é respeitá-lo na sua diferença, é considerar o outro, um cidadão como eu. A lei leiga, ou seja, que não é confessional, reconhece isso: “todos os cidadãos são iguais diante da lei”. Mas, algumas semanas atrás, uma juíza escreveu em uma sentença: “pela raça desta pessoa, a gente já vê que tende ao crime”. Isto é falso e absurdo. Ser cristão, hoje, no Brasil, é ter uma mentalidade antirracista. “Eu era negro e você me respeitou” é o que o evangelho nos fala hoje. Eu era negro e você não fez piada. Eu era gay e você não ficou fazendo chacota da minha cara. Eu era loira e você não me chamou de burra. Inclusive, atualmente, estas coisas dão até cadeia. O Evangelho se atualiza nas várias realidades, por isso é Palavra de Deus. E hoje, no Brasil, ele pede respeito, justiça e honestidade. Olha que coisa horrorosa! A que nível nós caímos! Alguns anos atrás, isso eram coisas quase descontadas pois assumia-se que as pessoas eram honestas. Hoje em dia, ser justo e respeitar o outro virou valor cristão. O evangelho incomoda e nos obriga a tomar atitudes. O que podemos fazer? Parar de fazer piadas sobre negros, sobre gays, loiras. E você vai ver como é difícil parar. Você vai ver como isso entrou dentro da sua cabeça. E para mudar, precisa de esforço.

Vamos aprender: quando estou chegando perto do farol e eu vejo um rapaz negro, eu fecho o vidro? Eu faria a mesma coisa se fosse um branco? Ou a gente faz com os dois ou não faz com nenhum! São coisas para pensar. É o evangelho do julgamento. E isso não é política. Esse é o evangelho que incomoda em uma situação que nós vemos todos os dias. Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a nos limpar destas ideias e conceitos podres que colocaram dentro da gente. E que nós não temos culpa. Cuidado. Foi colocado dentro da gente. Anos e anos pensando assim. Mas temos que ter consciência e começar a limpar, olhando para Jesus que, na cruz, que foi o Seu trono, perdoou e levou para junto de si nada menos que um assassino.

 

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Cristo Rei (Ano A) – 22/11/2020 (Domingo, missa às 10h).

Fazei o bem com os dons que Deus nos dá

15/11/2020

Tanto o Evangelho da semana passada das virgens, como este de hoje, nos fala da vinda do Senhor e fala aos discípulos de Jesus. Jesus monta esta parábola em volta de um fato histórico: o rei Herodes, o grande, que matou os inocentes, ele foi para Roma e comprou o título de rei. E um grupo de inimigos dele foi logo atrás, só que chegaram atrasados e o rei já tinha comprado o título. Quando eles voltaram para trás, o rei mandou cortar a cabeça de tudo mundo. Jesus usa este fato e conta essa parábola. O rei foi para um país estrangeiro e confiou os seus bens aos seus servos. Ele chamou os servos – este “chamou” é a mesma palavra que se usa quando Jesus escolhe os apóstolos, Jesus passou a noite rezando e, ao amanheceu, chamou os seus discípulos e escolheu 12 entre eles. Esse “chamou” então é uma escolha do Senhor.

 

Deus nos chama e Deus nos dá talentos: a vida, as nossas aptidões, os nossos sentimentos, nos dá a vida e isso tudo é graça. Se nós nos convencermos de que nós não somos donos nem de nós mesmos, tudo o que temos e somos é graça de Deus, nós vamos começar a cuidar muito melhor disso. E o que somos não é para nós é para a vida do mundo, para que o mundo seja melhor, mas o que é o mundo? Minha família, minha vizinhança, minha comunidade, minha cidade, meu estado, meu país, este é o mundo. Dar frutos: paz, justiça, solidariedade, honestidade, estes são os frutos que Deus quer para nós, além do fato de também testemunhar o Evangelho, testemunhar o nome de Jesus e as opções de Jesus – isso é ser cristão, isso é ser discípulo de Jesus.

 

Este Evangelho não está falando de problemas bancários de inflação, a preocupação desse Evangelho é outra. Um talento, naquela época era muito dinheiro, eram 6 mil diárias de dinheiro, imagine mil dias são três anos, seis mil é o trabalho com o salário de 18 anos. Um talento é muito dinheiro, então ele entregou esse dinheiro na mão desses servos, para cada um segundo a sua capacidade, pois nós não somos iguais: tem gente que sabe falar bem, tem gente que sabe consertar as coisas, tem gente que sabe ajudar os outros, tem gente que sabe curar feridas, tem gente que sabe fazer comida e tem gente que sabe construir paredes. Cada um segundo a sua capacidade e foi embora e o rei confiou neles, veja só confiança! Quem é este rei? Nesta parábola, é Jesus que confiou aos seus discípulos a Palavra do Evangelho, confiou a nós os mandamentos do Evangelho amai o próximo a ponto de dar a vida por ele e amai a Deus sobre todas as coisas, Deus que é pai de todas as coisas, Deus que é pai de todos, Deus quer que todos tenham vida. E Jesus volta, Ele vai voltar, essa é a nossa fé: Ele prometeu que volta. “Na casa do Pai tem muitas moradas, eu vou e vou preparar para vós uma morada para que onde eu esteja vocês também estejam”, essa é promessa de Jesus e Jesus é fiel. Aqui tem fidelidade: Ele volta! E, quando Ele voltar, Ele vai pedir o que é Dele. “Eu confiei a vocês essa missão, eu dei para vocês os dons necessários para cumpri-la, como que vocês fizeram isso?”, essa é a pergunta. Qual que é o coração dessa parábola? Fidelidade! Ser fiel ao Senhor e ser fiel significa produzir, colocar em prática aquilo que o Senhor nos ensinou, lutar para que os valores de Jesus sejam implantados no mundo, que nós aprendamos que a pessoa que está do meu lado, que todas as pessoas do mundo, começando sempre pelas periferias, pelos últimos, todas são meus irmãos e irmãs! Este é o caminho.

 

E hoje é dia de eleição e a gente tem que se perguntar: este candidato realmente se preocupa com o povo? Esse candidato realmente se preocupa com as periferias da cidade? Esse candidato está cuidando das coisas básicas para o nosso povo, especialmente, para o povo pobre: escola, educação, saúde? E durante os próximos quatro anos, você tem a obrigação de ir procurando para ver o que está fazendo, se está fazendo esse mundo melhor. É isso que a gente tem que fazer: procurar que este mundo seja melhor, em todos os campos. Tem gente que tem a vocação da vida pública, da vida política, isso é graça de Deus também. Nem todos nós podemos ser políticos, mas todos nós podemos nos preocupar com a vida do povo, isso é política também.

 

Precisamos ser fiéis. E o que aquele terceiro homem fez? Gente, tem uma situação muito estranha se prestar a atenção no que o rei falou: “você deveria ter pego o dinheiro e colocado no banco”, é o mínimo de interesse por aquilo que era do rei. Você pega o negócio e entrega para o banco, você não faz nada, o banco pensa por você. Se você aplica o dinheiro na poupança, você não precisa ir lá todo mês colocar mais dinheiro, a poupança vai sozinha. Você nem precisa se preocupar, a única preocupação é você dizer: vamos guardar esse dinheiro num lugar seguro, o banco é um lugar seguro. Mas o que este homem fez? Abriu um buraco no chão e enterrou ali aquele talento. Existia um costume hebraico, naquele tempo, que se você caminhasse e por um acaso de repente batesse lá num saco de dinheiro, você podia pegar aquele dinheiro para você, ou seja, isso demonstra que o servo não teve cuidado nenhum com o dinheiro. Ele enterrou lá e se qualquer outra pessoa descobre, leva embora. Ele não mostrou nenhuma preocupação, chega ao desprezo. Ele podia ter chego no fim e falado para o patrão: “eu enterrei, mas acho que alguém levou embora, eu não achei mais”, isso é total desprezo.

 

Não podemos desprezar o Evangelho de Jesus. Ou nós somos discípulos e discípulas fiéis ou nós estamos na infidelidade. Isso não significa as nossas fraquezas, debilidades, porque Deus sabe tudo isso. Quando Ele nos chama, ele dá segundo a capacidade de cada um. Tem quem tem o ombro fraco, Ele não vai dar peso muito grande. Tem quem tem a mão torta, Ele não vai mandar essa pessoa fazer um bordado. Ele dá segundo a capacidade de cada um.

 

Vamos fazer o bem, querer bem as pessoas, nos importar com elas, nos preocupar com os pobres, nos preocupar com a nossa esposa, com o nosso esposo, com os nossos filhos. Nos preocupar, nos ocupar deles, conversar com as pessoas, ser honestos. Que coisa horrorosa, gente, temos que chamar as pessoas a honestidade. Que coisa triste. Honestidade tem que ser de todo dia. Temos que aprender a ser pessoas honestas: esse é caminho de Jesus e aprender que o outro e a outra é meu irmão e minha irmã, eu não sou melhor do que eles, estamos todos no mesmo barco e vamos chegar todos na casa do Pai. E o Pai vai perguntar para nós: “que bem que você fez com os dons que Eu te dei?”. É isso que Ele vai perguntar. Ele não vai perguntar dos seus pecados: “que bem você fez?”

 

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 33° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 15/11/2020 (Domingo, missa às 10h).

Vigiai e preparai vossas lâmpadas

08/11/2020

Nós estamos no chamado "quinto sermão de Jesus", que também é conhecido por "discurso escatológico", ou seja, discurso sobre as últimas coisas, os últimos dias. E o que acontece? Na primeira parte, Jesus lamenta-se sobre Jerusalém. Esta cidade onde havia o templo. Esta cidade que não acolheu a Palavra e nem os convites de Deus. Esta cidade que matou os profetas e que vai matar o próprio Filho de Deus, que o Pai enviou para anunciar – primeiro aos Hebreus e depois para todo o mundo – a Salvação.

Nesta primeira parte, Jesus vai falar do fim do mundo, do juízo final. Já na segunda parte, que nós vamos ouvir hoje e domingo que vem, qual é a mensagem? Nos primeiros anos do cristianismo, esperava-se que Jesus voltasse em pouquíssimo tempo, antes mesmo que aqueles que conheciam Jesus morressem. O próprio Jesus, na cruz, esperava o fim do mundo. Quando a gente fala que "a esperança é a última que morre", podemos fazer uma analogia com o momento em que Jesus jogou fora essa esperança e falou: "Pai, está em Tuas mãos; é Você quem sabe". Então Jesus morre. Ele entrega tudo para o Pai.

 

Os primeiros cristãos acreditavam que, realmente, o mundo iria acabar logo. Porém, passam-se algumas dezenas de anos – este Evangelho de Mateus [Mt 25,1-13] foi finalizado por volta do Ano 80, ou seja, cerca de 50 anos após a morte e ressurreição de Jesus. E já aí, a comunidade tinha percebido que o mundo não ia acabar tão logo não.

 

Então eles encontram nos vários escritos que havia sobre Jesus, esta parábola que fala sobre vigilância, não sobre divisão. Para entendê-la, primeiro nós temos que pensar como era o casamento daquele tempo. O texto não fala de 10 jovens, como traduzimos aqui neste Evangelho. O texto fala sobre 10 virgens. Quando a pessoa lê "dez virgens acompanhando o noivo", logo vem a pergunta na cabeça: "Dez? Vai casar com as dez?". Não. A esposa está esperando ele e as demais jovens são as amigas da noiva que vão acompanhar o noivo em procissão para a casa da noiva. Olha só que interessante: elas irão acompanhar o noivo.

 

E isso aconteceu de fato. Foi a história de um príncipe daquela época. Ele veio de muito longe, de outro país, e teve um grande problema no caminho. Em vez de chegar às 6 horas da tarde, ele chegou no meio da madrugada. Jesus pegou este fato e contou esta parábola. As amigas da noiva tinham que esperar o noivo a uma certa distância da casa para acompanhá-lo até a casa da noiva. Elas iam com lâmpadas a óleo. E o que acontece? Algumas falaram: "vai que o homem chega tarde... está marcado para as 6 da tarde, mas e se acontece alguma coisa? vamos cuidar". E, de fato, algumas pensaram e se prepararam. Reparem nesta ideia: pensaram e se prepararam. Mas outras pensaram: "Não... ele é um príncipe! Ele vai chegar na hora marcada." E o fato é que ele não chegou. E elas tinham razão: "se a gente colocar óleo na lâmpada de vocês, daqui até a casa da noiva, as nossas lâmpadas vão apagar também. Não tem jeito, vocês terão que ir comprar".

 

E qual é a mensagem deste Evangelho? Jesus está falando para os discípulos que a vida cristã é vida de perseverança, todos os dias. Nós não sabemos quando o Senhor vai chegar. Enquanto eu estou neste mundo, seja muito ou seja pouco, eu vou fazer de tudo para ser fiel à Palavra de Jesus. O amor ao próximo não é alguma coisa "de vez em quando". O amor ao próximo tem que ser uma disposição do nosso coração sempre. Isso é a vigilância: estar sempre seguindo os passos de Jesus. Porque você não vira discípulo de um momento para o outro. É um caminho, que não se faz instantaneamente. Caminho se faz com um passo após o outro, enfrentando, a cada dia, suas dificuldades, sendo fiel ao Senhor e amando os outros, todos os dias da nossa vida. Isso sim é colocar "óleo na lâmpada".

Jesus diz: "Vós sois a luz do mundo". Como é que nós somos luz do mundo? Perseverando todos os dias, no amor a Deus e no amor ao próximo. Assim, nós somos a luz do mundo. "Ah! Deixa tudo para última hora". E se você não perceber que chegou a última hora, o que você faz? Se você se distrai, se você não tem tempo? Essas moças não tiveram tempo de comprar óleo. Elas tinham que ter pensado nisso antes. Aí vem a pergunta: Nós vivemos realmente esperando a volta de Jesus? Nós acreditamos nisso?

 

Antes de tudo, nós temos que perguntar se nós acreditamos na ressurreição dos mortos. São Paulo, na primeira carta aos Tessalonicenses [1Ts 4,13-14] – o texto mais antigo do novo testamento –, fala sobre a expectativa das pessoas. "Vai vir? Mas quando vai vir? As pessoas estão morrendo. A primeira geração está morrendo". E São Paulo tenta dar uma resposta. Mais para frente, São Paulo também vai se dar conta que não iria ser naquele momento. A mesma coisa para nós: Jesus pode voltar e a história pode terminar, de um momento para outro. E ela termina na morte de cada um de nós. Este é o modo mais comum de nós nos encontrarmos face a face com o Senhor. E, na hora da morte, nós aparecemos exatamente como somos diante de Deus.

E o olhar de Deus é transparente. Ele vê nas profundidades. E ali nós somos trigo ou joio. Ali nós temos ou a lâmpada acesa ou a lâmpada sem óleo, ou seja, apagada. E não tem desculpa. O tempo que nos é dado é graça para amar e servir. É tempo para nós trabalharmos o nosso coração a fim de melhorarmos como pessoas. Para isso que serve o tempo.

 

E Deus quer nos encontrar em meio a este trabalho. "Ah, ele morreu com 14 anos". Mas estava neste trabalho, da lâmpada acesa. Morreu com 100 anos e passou a vida inteira buscando Deus e amar ao próximo. Está com a luz acesa, estava caminhando. É isso que Jesus pede a nós e é isto que Ele nos fala no Evangelho.

 

Vamos pedir a Deus que nos ajude, e puxe a nossa orelha de vez em quando, para que acertemos o passo, e possamos nos preparar para ir colocando óleo na lâmpada.

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 32° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 08/11/2020 (Domingo, missa às 10h).

Em Cristo, ressuscitaremos

02/11/2020

Quando a nossa fé é colocada à prova? Na hora em que somos perseguidos por causa do Evangelho, na hora do sofrimento e na hora da morte. Não da nossa morte, mas na do outro – perder pai, mãe, filho, parentes, amigos... Aí é colocada à prova a nossa fé. E a coisa que mais entristece é ouvir da boca de um cristão: "Padre, mas será que tem mesmo?". A nossa fé nasce da ressureição de Jesus; se nós não cremos na ressureição de Jesus, a nossa fé não vale nada! Rezar, vir à missa, todas as práticas religiosas são vãs, não valem nada, se você não acredita na ressureição de Jesus. É a ressureição de Jesus que dá sentido à nossa fé. Sem ela, nós somos pobres idiotas, nada mais do que isso. Como diz São Paulo, se não tem a ressurreição dos mortos, nós somos as pessoas mais lastimáveis do mundo, pois gastamos a nossa vida esperando pela ressurreição ou por algo em que, na verdade, não acreditamos [ref. 1 Cor 15, 12-19]. É só a ressurreição que dá sentido a todos os nossos gestos, a todos as nossas opções como cristãos, e nos dá forças para superar o sofrimento na hora da dor, da doença e da morte daqueles que amamos. E da nossa morte? É a ressurreição de Jesus que vai nos dar confiança na hora da nossa morte. Porque morrer, todos nós vamos. Os velhos morrem, os mais novos podem morrer; mas, da morte, nenhum de nós escapa.

 

O que é se preparar para a morte? É, conscientemente, agora – porque nós não sabemos quando vamos morrer – nos colocarmos diante de Deus e, de coração sincero, professar a nossa fé e nos entregarmos à Sua misericórdia, como se este fosse o último momento da nossa vida. Nós não sabemos se vamos estar conscientes no momento da morte, a maioria das pessoas não está. É agora: "Jesus, eu me entrego nas Tuas mãos como se este fosse o último momento da minha vida. Chamo, diante de Ti, aquele último momento, que eu não sei quando será e não sei como virá. Professo a minha fé na ressurreição e me entrego, confiante, à Sua misericórdia. Tem piedade da humanidade, porque somos todos pecadores". Essa é a nossa fé.

 

"Padre, como é que vai ser depois?". Ah, se inventa muita coisa! E, infelizmente, a nossa cultura ocidental é condicionada por dois textos: um é da cultura greco-romana, do autor Virgílio, e o outro de Dante Alighieri, nos anos 1300, que se calca sobre o texto de Virgílio e mostra e fala e delira sobre como vai ser o inferno, o purgatório, o céu... Puro delírio! Nós temos que olhar para o que Jesus nos diz, o que a Escritura nos diz. Ali está a revelação de Deus, e não em poesia, não em mitologia. O que Jesus nos fala? De um juízo em que seremos julgados pelas nossas ações, em que cada um será julgado pelas suas ações. E seremos julgados sobre o que? Sobre o amor. Você fez o bem para alguém durante a sua vida? Essa é a pergunta. E Jesus mostra isso no Evangelho: "Eu tive fome, você me deu de comer? Você deu de beber para quem estava com sede? Era Eu quem estava sofrendo. Você visitou os doentes? Visitou as pessoas que estavam sofrendo com um parente preso? Ou você excluiu as pessoas? Você deixou de amar, deixou de fazer o bem? O que você fez?" [ref. Mt 25, 31-46]. Essa é a pergunta, não tem outra, é essa.

 

Depois, o profeta Ezequiel nos fala uma visão maravilhosa. Ele está falando do povo de Israel, que está destruído como se fossem ossos secos. Mas nós, cristãos, à luz da ressurreição, reinterpretamos esse texto. O profeta vê essa planície enorme, infinita, cheia de ossos secos, e o Espírito diz a ele: "Profetiza para que estes ossos se unam e, depois, se forme carne". Mas os corpos ainda estavam "sem vida". Não mortos, olha que engraçado, "sem vida". E aí o Espírito de Deus diz a ele: "Filho do homem, ordena ao espírito que venha dos quatro cantos da terra e sopre sobre estes corpos", e todos aqueles corpos retomaram vida [ref. Ez 37, 1-11]. E a continuação dessa passagem: "Meu povo, naquele dia [que é o dia do juízo] Eu vos chamarei dos vossos túmulos [nós podemos dizer "das vossas cinzas", "do vosso nada"] e vocês sairão dos vossos túmulos. E vocês verão [se vê é porque está vivo] que Eu sou o Deus Fiel, digo e faço" [ref. Ez 37, 12ss]. Aqui está a grandíssima fé do povo de Israel, que é a nossa fé. A fidelidade de Deus: Deus não mente. Deus foi fiel no Antigo Testamento; Jesus é Deus que se fez um de nós. O Pai é fiel; o Filho Eterno do Pai, que se fez um de nós, é fiel até a morte. E Jesus nos promete: "Aquele que o Pai me deu, ninguém pode roubar da minha mão. E eu darei a vida eterna àqueles que o Pai me deu" [ref. Jo 6, 37-40]. E quem são os que o Pai deu? Aqueles que fazem a vontade de Deus: que amam os outros, que fazem o bem. Esse é o caminho, não tem outro.

 

Qual a diferença entre ressurreição e reencarnação? Por isso que quem acredita em reencarnação não é cristão, seja quem for – acreditou na reencarnação, não é cristão. A reencarnação é uma doutrina muito antiga, estranha ao hebraísmo, estranha ao cristianismo, estranha ao mundo islâmico – nós somos as três religiões abraâmicas. Nenhuma dessas três religiões acredita na reencarnação, porque ela prega a chamada "autorredenção": eu me salvo, por meio das várias reencarnações. Que não existe reencarnação, nos diz a carta aos Hebreus: "A vida é uma só, depois da qual vem a morte e o juízo" [ref. Hb 9, 27s). Não tem reencarnação. E o que é a ressurreição? É a revelação de Deus para nós de que, terminada esta vida, por graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, nós entraremos na vida eterna. Por graça. Não é por nossa força, é por misericórdia Dele. Por isso nós dizemos que Jesus é nosso Salvador, nosso Redentor. É Ele que nos salva, é Ele que nos dá vida eterna. Não nós, por meio de reencarnações purificatórias. Graça de Deus. São Paulo vai dizer: "Por graça fostes salvos" [ref. Ef 2, 8a]. Por graça, por misericórdia, por bondade. Caso contrário, morreríamos e acabou. "Por graça fostes salvos". Por graça. Essa é a nossa fé.

 

"E o que vai ser, padre?". Jesus fala de um banquete, e o livro do Apocalipse nos fala de uma cidade maravilhosa, onde não é necessário nem luz do sol nem luz da lua nem luz artificial: a luz de Deus vai ser a nossa luz! Essa é a imagem que Jesus nos dá, que a Escritura nos dá. Porque o mundo de Deus é de Deus, e o que quer que nós falemos termina no delírio, porque nós não vimos, nós temos que crer na Palavra de Jesus. Maria Madalena, os apóstolos, mais de 500 discípulos viram Jesus ressuscitar; é a partir do testemunho dessas pessoas que nós cremos na ressurreição. Eles viram, experimentaram e nos dão testemunho: o Senhor ressuscitou e, Nele, nós ressuscitaremos também!

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Comemoração dos Fiéis Defuntos (Ano A) – 02/11/2020 (Segunda-Feira, missa às 10h).

Amar a Deus amando o irmão

25/10/2020

É muito interessante nós prestarmos atenção, antes do último grande discurso de Jesus – no Evangelho de Mateus, vai ser o discurso escatológico, o discurso das últimas coisas, do juízo. Antes desse discurso, tem esta briga: Jesus debate com o povo, o pessoal fica brigando com Ele o tempo inteiro. E o Evangelho de hoje [Mt 22, 34-40] narra um desses confrontos. Jesus havia calado a boca de um grupo muito feroz, que eram os saduceus, o pessoal dos sumos sacerdotes; agora, são os fariseus que querem encostá-Lo na parede. E perguntam sobre a lei.

 

A lei tinha mais de 360 preceitos; os fariseus multiplicavam ao infinito cada uma dessas leis – era uma coisa absurda – e davam o mesmo peso para todos os preceitos. Chegou um momento em que certos grupos diziam: "Espere aí, a gente tem que tentar resumir esse negócio". Então encostam Jesus na parede exatamente com essa mentalidade. E Jesus vai dizer: "Pois bem, o primeiro mandamento e maior de todos: 'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento!'". Esse mandamento é tão importante que os hebreus o rezam três vezes por dia, ao amanhecer, ao meio-dia e ao cair da noite. Eles chamam essa oração de Shemá, que significa "escuta" – Shema Yisrael Adonai Elohenu Adonai echad: "Escuta, Israel: o Senhor é o teu Deus, o Senhor é único".

 

Mas qual pode ser o grande problema desse mandamento? Que nós criemos um Deus à nossa imagem e semelhança. Quantos dos grandes assassinos do mundo não acreditavam em Deus? Quase todos acreditavam, e seriam capazes de repetir esse mandamento de cor. Por quê? Porque nós podemos nos enganar sobre a imagem de Deus, podemos fazer com que as nossas ideias sejam apresentadas como vontade de Deus. Por isso Jesus vai, imediatamente, ligar esse texto que está no Êxodo com outro texto, que está no Levítico: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Por quê? São João vai nos ajudar: "Ninguém jamais viu a Deus" [ref. 1 Jo 4, 12a]. Quem viu Deus? Ninguém! Você já viu Deus passeando por aí? Eu nunca vi. Ninguém vê Deus. Como você pode dizer, então, que ama a Deus, que você não vê, se você não ama o teu próximo, que você vê? [ref. 1 Jo 4, 20]. No Evangelho, Jesus liga as duas imagens: você só ama a Deus se você se compadece do teu irmão que sofre, porque senão o teu Deus é um Deus falso. E o Deus do Evangelho, Pai de Jesus – e o próprio Jesus, que também é Deus –, Ele constantemente "quebra nossa cara" e nossas seguranças.

 

Papa Francisco, no dia 04 de outubro, assinou uma encíclica chamada "Fratelli tutti", que significa "todos irmãos". Nela, ele faz uma análise muito interessante da realidade atual e mostra qual é o mal do nosso tempo e dos seres humanos. Medo, que é o veneno do maligno; a desconfiança do outro e o individualismo; e a vingança: essas são as três desgraças do nosso tempo, e nós vivemos dentro dessa mentalidade. Nós somos chamados, constantemente, a olhar para essas raízes, que estão dentro dos nossos corações, e limpá-las com o jeito de agir de Jesus. E o Papa vai dizer: "O único caminho possível para a humanidade é considerar o outro, na sua diferença, irmão e amigo". É o único caminho possível para a humanidade, único.

 

Na missa, nós falamos muitas vezes: "irmãos e irmãs", e nós achamos que isso já é suficiente, que já consideramos todo mundo como irmãos. Mas eu, muito chato, pergunto: você é irmão mesmo? Você perguntou o nome da pessoa que está ao seu lado na missa? Fica sentado quase 1 hora – ou mais de 1 hora – rezando para Deus, e não sabe nem o nome da pessoa que está ao seu lado... Que irmandade é essa? Passa na rua, vê um sofredor de rua e isso, simplesmente, não te diz nada; pior, ainda é capaz de chamá-lo de vagabundo, bêbado. Vai viver naquela situação para ver se você consegue sem "encher a cara"... Temos que aprender a ver os outros como irmãos. Às vezes, nós nem nos preocupamos com o outro, nem pensamos, e fazemos enormes diferenças entre as pessoas. E quando alguém nos chama a atenção, dizendo que isso é um modo de marginalizar as pessoas, a gente se revolta.

 

Esses dias, o Papa falou sobre a necessidade de respeitar os homoafetivos. Isso virou uma polêmica! Grupos católicos se revoltaram contra o Papa: "Como? Nós temos que excluir pessoas". Estes grupos não entenderam nada do que é o Evangelho, nada! O mundo hoje está simplesmente com os olhos fechados. A comunidade internacional está com os olhos fechados sobre o que estão fazendo na Armênia, que já foi massacrada no começo do século passado. Estão para fazer outro massacre, porque aquilo ali é uma pequena faixa de cristãos no meio de um mundo mulçumano. Os grandes do mundo estão fazendo de conta que não vai acontecer nada, mas está acontecendo horrores por lá. Qual é a ideia? Armênios podem ser exterminados. Mas a gente não precisa nem ir para a Armênia, basta olhar para o Brasil: nas florestas que estão pegando fogo, quantos índios não estão sendo mortos? Não são poucos. Mas índio vale alguma coisa? Nós falamos com desprezo sobre os índios, nós mesmos.

 

Papa Francisco nos alerta para isto: nós não vemos as pessoas como irmãos. Porque se nós víssemos as pessoas como irmãos e amigos, nós cuidaríamos delas. O mundo, a economia não se sentaria em cima do lucro, desprezando e massacrando as pessoas, empobrecendo as pessoas; a economia funcionaria de um modo mais humano. A política não seria essa guerra idiota, medíocre, mentirosa, que está levando nosso povo a um verdadeiro genocídio. Ninguém está preocupado com o povo. Por quê? Não se olha as pessoas como irmãos e irmãs, como amigos. Só quando você o olha como irmão, como amigo, é que você vai se preocupar com o outro. A vida do outro, conta; a vida do outro é importante. Não os meus interesses pessoais, não o interesse do meu grupinho, não o interesse dos "ricões" que me garantem uma vida boa, fumando charuto – como certos ministros que agora dizem que não têm nem dinheiro para apagar o fogo. Deixa queimar... Depois, as terras queimadas, nós damos aos latifundiários. É uma coisa terrível, gente!

 

"O mundo olhado pelo sonho da fraternidade". O Papa Francisco fala: "Eu ouso sonhar com isso, porque eu vejo uma realidade onde as pessoas não aprendem a ser irmãos". Eis aí o mandamento de Jesus: ame a Deus amando o irmão. Nós temos que aprender a agir e pensar como Jesus, senão seremos aliados dos fariseus, saduceus, herodianos, sumo sacerdotes – que mataram Jesus porque não aceitaram ser irmãos.

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 30º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 25/10/2020 (Missa das 10h).

Como Deus, promover a vida para todos

18/10/2020

Nesses domingos, até os próximos, nós vamos ver Jesus num confronto terrível com os vários grupos que estão no comando de Jerusalém. Hoje são os fariseus – que eram gente muito religiosa, muito observantes e que apontavam o dedo para os outros, dizendo “nós fazemos certo, vocês não fazem” e iam mais longe, diziam “aqueles lá estão excluídos da salvação, aqueles lá não vão entrar no Reino de Deus”. Uma arrogância total religiosa e em pensar que hoje tem gente que faz igual na Igreja Católica, viu gente? É um perigo isso. Jesus fala: “cuidado com o fermento dos fariseus”, porque isso é um mal que pode entrar na nossa vida e na vida da comunidade cristã. É um problema, é um perigo!

 

Bom, os fariseus são muito religiosos, já os herodianos são a favor da dominação romana sobre a Palestina. Os fariseus não querem os romanos e os herodianos querem. Olha que absurdo, esses dois grupos que são inimigos entre si se juntam para armar uma cilada contra Jesus – isso é perversidade, é maldade, não tem busca pela verdade de nenhum jeito! Eles querem encontrar um modo de condenar Jesus a morte. A Lei de Israel, a Torá, proibia o culto das imagens, porque o povo hebreu era cercado por povos pagãos que adoravam imagens e estátuas – não é a nossa veneração por imagens não, viu gente? A coisa era diferente. E os hebreus então proibiam de fazer qualquer tipo de imagem que reproduzisse as feições de pessoas e de animais. O único animal que às vezes eles colocavam na moeda era uma pombinha, mas na maioria das vezes era um simples ramo de oliveira. Se você vai numa sinagoga, suas paredes são decoradas com ramos, pássaros, flores... você não vê nem animais, como leão, touro, esses animais grandes que outros povos adoravam como deuses; você vê apenas essas decorações mimosas, mas não que lembrem alguém.

 

Então essas pessoas chegam para Jesus e perguntam – e essa pergunta é terrível – nós temos que prestar atenção: “é lícito ou não pagar imposto?”. Olha a pergunta, pagar imposto à César, César é o imperador, ele ocupou a Palestina e cobrava pesados impostos dos vários povos, Israel não era excluído disso. Então, fizeram a pergunta de tal modo que se Jesus responde deve pagar, ele é a favor de César e vai ser desacreditado pelo povo, principalmente pelos fariseus que querem a expulsão dos romanos. Se ele falar que não deve, ele cai na inimizade de Herodes. Vão dizer a Herodes: “esse sujeito aqui está levando o povo para não obedecer ao imperador”. Qualquer resposta que ele desse sim para um lado, não para o outro, ele estava danado! Jesus percebe o jogo e os chama de hipócritas, a pessoa hipócrita não é preocupada com a verdade, é preocupada consigo mesmo e em se autojustificar. Ela não está nem um pouco se importando com o outro. Aí Jesus fala – tem que prestar atenção, porque é sutil essa coisa: “tragam uma moeda do imposto”. Algum deles enfia a mão no bolso e tira uma moeda romana, que tem o rosto do imperador que era adorado como Deus. Então, Jesus vai desmascarar a falsidade daqueles homens: “de que é essa imagem, que é proibida pela Lei, e que vocês religiosos estão usando?”. Pela Lei, eles não podiam nem tocar numa moeda dessa. “É de César”. Então devolve para ele, mas para Deus, deem o que é de Deus. Aqueles homens estão ali para tentar matar Jesus, Deus quer a vida e vida para todos. Então dê para o imperador o que toca ao imperador e para Deus, deem a autenticidade da vossa vida. Isso é a promoção da vida humana, mesmo que estejamos sobre regime de opressão, cuide da vida humana e não tente destrui-la. Porque o que eles estavam fazendo era tentar encontrar um jeito de condenar e matar Jesus. Olha a contradição que tem nessa passagem. Esse texto serviu para muita coisa ao longo da história: para justificar que a Igreja e o Estado são unidos, que a Igreja e o Estado são separados, foi rolo que não acabou mais. Porém o texto quer dizer isso.

 

Nós comemoramos o Dia dos Professores, no dia 15, e nós sabemos como está degringolada a educação no Brasil, especialmente nas chamadas escolas públicas. E agora, com a pandemia, teme-se a evasão, ou seja, que muitos estudantes da periferia não voltem para as escolas. Os professores e professoras estão se desdobrando como podem, nos trabalhos on-line, para tentar manter de algum modo a educação possível dos nossos alunos. Possível, porque não é todo mundo que tem internet, não é todo mundo que tem celular, então o negócio é bem complicado. Os nossos professores são verdadeiros heróis! Mas hoje existe um mal, um mal que vem da família, nós facilmente delegamos aos nossos professores e à escola a missão de educar os nossos filhos, ou à catequista a obrigação de introduzir os nossos filhos na fé e na religião. Isso é um erro! A escola, na educação, faz um serviço complementar, fundamental e importante, mas complementar, porque a educação tem que ser dada em casa. O que nós encontramos hoje é a total falta dessa educação de casa nos nossos alunos. Os catequistas e as catequistas fazem um trabalho complementar àquilo que é o trabalho dos pais, que é levar os filhos e filhas ao conhecimento de Deus, a rezar, a participar das celebrações da missa sobretudo. Então nós estamos com um grave problema nas escolas, na catequese, mas por quê? Porque na família, nós estamos faltando com aquilo que é o nosso primeiro dever. Os pais são os primeiros professores e os primeiros catequistas. Por isso, nós vemos os nossos professores hoje cada vez mais estressados, porque tem que enfrentar problemas que não competem a eles, isso deve vir de casa! Mas se em casa não fazem, a gente chega a ver até delinquência dentro de algumas escolas – e não é só escola de periferia não, viu gente? Qualquer escola.

 

Muito bem, vou fazer só mais um comentário porque fiquei louco da vida com esse comentário essa semana. Pessoal, quando um governo ou um grupo é fraco ou começa a dar sinais de fraqueza, o que ele faz? Isso é estratégia, ele começa a achar um inimigo comum para tentar reunir em volta disso a opinião pública. Atacar esse inimigo comum para criar consenso em volta do líder. Na Argentina, isso ficou bem claro na época na Ditadura, quando fizeram aquela estupida guerra pelas Ilhas Malvinas, que hoje se chamam definitivamente Ilhas Falckland. Em 1989, aquelas ilhas iam passar para a Argentina, era um acordo internacional. Mas a popularidade do governo ditatorial argentino estava indo para o lixo, o que que fizeram? Fizeram uma guerra contra a Inglaterra e perderam. E, naqueles pequenos combates, quatro soldados ingleses morreram. Por lei de guerra, sangue derramado numa terra é teu. A Inglaterra tomou as ilhas e o acordo foi jogado no lixo. Então a Ditadura na Argentina quebrou a cara duas vezes, mas o que eles queriam com tudo aquilo que era uma coisa insana era conseguir a opinião do povo junto deles de novo. Esses dias nós vimos a tentativa da Procuradoria Geral da República, acho que é Procuradoria, não sei como chama... Eles estão tentando descriminalizar a chamada LGTB+ fobia e estão alegando um motivo religioso, para que? Toda vez que um governo (ou até a Igreja, viu?) começa a perder ibope, a gente começa a entrar no campo moral. Se você não tem mais bala no cartucho, não tem mais nada, então você começa com esse tipo de coisa, discurso moral. E os gays são a população mais fácil de perseguir, que dá um ibope danado, porque existe um preconceito terrível dentro da população. Junta vários discursos religiosos, que não são evangélicos, ou seja, não são do Evangelho e ataca um inimigo que praticamente não se vê. O que se vê do pessoal chamado homoafetivo? Travesti? Pouquíssimas pessoas que trocam de sexo? De 5 a 10% da população são homossexuais e isso não é sem-vergonhice. As pessoas nascem assim e se nascem assim é porque Deus quis. E não é da conta de ninguém, nem do padre, nem do Presidente da República, nem do pastor evangélico com quem as pessoas vão para a cama, isso é problema das pessoas. O que conta é que as pessoas sejam honestas, trabalhadoras e, para o Estado, que paguem os impostos. Por que a população não se levanta? Porque nós somos extremamente preconceituosos. Se tirassem, por exemplo, a lei que condena o racismo contra os negros, seguramente o Brasil pegava fogo. Toda vez que você ataca esse grupo é porque você está fraco. Isso é racismo, isso é nojento, isso não é de Deus. Uma religião, seja ela qual for, até católica, não pode excluir pessoas. Todos somos filhos e filhas de Deus. Deus nos salva começando pelas bordas, começando pelos marginalizados, por aqueles que nós jogamos fora. Deus salva a todos, sobre isso nós não temos o que temer, mas começando de lá, de quem tá fora, de quem sofre, de quem morre. O Brasil é o país com maior número do mundo de assassinatos desse pessoal trans, LGBT. São primeiros lugares que a gente não tem que ter orgulho.

 

Vamos pedir para Deus que nós, cristãos, promovamos a vida. “Dai a Deus o que é de Deus”. Deus quer a vida. E a César, o que é de César. O Estado deve ser amado e defendido naquilo que é bem do povo, a vida do povo, mas não nessas ideologias baratas de um Estado que começa a se mostrar muito degringolado. Alguém pode não concordar, mas ao menos com a primeira parte do sermão concordem porque é a explicação do Evangelho.

 

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 29º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 18/10/2020 (missa às 10h).

Nossa Senhora está ao lado dos que sofrem

12/10/2020

Nestes três textos da liturgia de hoje, temos a "mulher". No Evangelho [Jo 2, 1-11], Jesus não chama Maria de mãe nem a chama pelo nome, mas "mulher". Nas bodas de Caná, acontece o primeiro sinal do Evangelho de João. Jesus diz para sua mãe: "Mulher, o que isso tem a ver comigo? Ainda não chegou a minha hora". Nós temos um outro capítulo do Evangelho de João que vai usar estas mesmas expressões – "mulher" e "hora". Jesus está na cruz e vê, perto Dele, Maria, Sua mãe, e o discípulo amado; e Ele diz: "Mulher, eis aí o teu filho". A cruz é "a hora" de Jesus. No início dos sinais, a mulher está presente – nesse caso, Maria – e ele se refere à Sua hora. Lá, era o início; na cruz é o cumprimento.

 

Na segunda leitura [Ap 12, 1. 5. 13a. 15-16a] temos, também, a "mulher" do Apocalipse, "vestida de Sol, com 12 estrelas sobre a cabeça e a Lua sob os pés". Essas três figuras de mulher na liturgia representam o povo hebreu fiel. Povo hebreu que continuou esperando na promessa de Deus. Deste povo, Maria é a pedra preciosa. E olhando o Evangelho, vemos Maria – que representa o povo de Israel – chegar para Jesus e dizer: "Não tem mais vinho". O que quer dizer isso? Será que Maria está se intrometendo na festa dos outros? São João, um grande teólogo, está falando muito mais do que isso. Maria, que é a representante do povo fiel que espera nas promessas de Deus, vai dizer: "Não tem mais vinho" – acabou a festa, não tem mais alegria, as nossas esperanças acabaram.

 

"Estavam ali seis talhas de pedra". A lei de Moisés era chamada "as pedras". Nas bodas, as talhas de pedra estavam vazias – ou seja, a lei antiga não dava mais vida, não tinha mais sentido, tornou-se estéril, vazia. Porém, o povo fiel continua esperando e vai à única pessoa que pode dar vida nova, "vinho novo". Por isso Maria diz: "Acabou" – nós não temos mais vida, não tem mais alegria; a lei antiga não nos dá mais nada nem deu o que deveria dar: paz, justiça, solidariedade entre as pessoas, respeito... Nós não nos tornamos um povo livre por dentro, nos tornamos escravos de nós mesmos; criamos uma religião que é tão escravizadora quanto o Egito. Nós não temos mais nada.

 

Jesus diz: "Encham-nas com água". Onde nós temos água, na Sagrada Escritura? Primeiríssima página da Gênese: "No início, o Senhor criou o Céu e a terra. A terra era informe, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas" [ref. Gn 1, 1s]. Jesus está recriando o mundo! Jesus vai dar ao povo a água viva! Ele vai falar sobre isso lá para a samaritana: "Aquele que crê em mim terá em si a água da vida" [ref. Jo 4, 14]. Não mais a lei externa, não mais a lei que não cumpriu o que deveria; mas a "lei da liberdade", como diz São Paulo, a lei que nos faz todos irmãos e irmãs, a lei do mundo novo – mundo novo que já pode começar aqui, se nós, realmente, vivermos como irmãos e irmãs.

 

E nós temos esse mordomo, que experimenta o vinho e diz: "Nossa! O vinho bom a gente dá ao povo quando chegam à festa. Vão elogiar o noivo: 'Nossa, que vinho ótimo'. Depois, quando já estão todos meio embriagados, damos o vinho menos bom. Mas não, o vinho bom você guardou até agora". "Agora" é a hora da alegria, da alegria do Reino! A vida nova chegou "agora"! E é interessante como termina essa passagem do Evangelho: Jesus volta para casa e, com Ele, vão Maria e Seus discípulos. O Reino de Deus começa de uma forma pequena, e vai se tornar vida nova para o mundo.

 

Nossa Senhora Aparecida é sempre a única e mesma Maria de Nazaré. Em 1717, o Estado de São Paulo estava quase abandonado, e o rei de Portugal mandou um novo governador, o Conde de Assumar, que fez uma verdadeira peregrinação por toda a província, a capitania de São Paulo, que ia até Minas Gerais. Ele passou por São Bernardo – que foi revitalizada por esse conde, depois de ter quase desaparecido – e foi indo para o interior até chegar perto de Guaratinguetá. Lá, ele parou para ficar por apenas um dia. O prefeito da cidade, então, quis servir-lhe um superbanquete, com peixes do lugar. Só que aconteceu uma desgraça no fim da tarde: uma chuva acabou com toda a estrada – e, naquele tempo, não tínhamos rodovias, era tudo lama, barro. Então o conde, que ia ficar só para uma janta, acabou ficando por 15 dias, porque não dava para seguir caminho enquanto as estradas não secassem. E não era tempo de peixe – para uma vez, se conseguia; para duas, talvez; mas para 15 dias, não. E o prefeito ficava em cima dos pescadores...

 

Então nós temos esta história, que nos lembra muito a da pesca milagrosa [ref. Jo 21, 1-6]. Esses três homens passam a noite pescando e, ao nascer do sol, não têm peixe nenhum. Um deles, diz: "Lancemos a rede uma última vez, em homenagem à Mãe de Deus". Jogam as redes e recolhem essa estátua pequena, terracota, enegrecida das águas sujas, lamacentas do Rio Paraíba do Sul. Entusiasmados, jogam a rede de novo, quase num ato de loucura, e pescam uma quantidade absurda de peixes, juntamente com a cabeça da imagem. Com grande devoção, um deles enrola aquela imagem nos trapos que eram sua camisa e a leva para casa. Por 20 anos, essa imagem fica guardada na gaveta da casa do pescador, até que o filho dele a encontra, arruma e faz um pequeno oratório ao lado da casa. E as pessoas começam a ir lá rezar, à tardinha; por volta das 18h, se reuniam para rezar o terço...

 

Naquela região, havia muitos escravos, que fugiam em bandos, muitas vezes; quando eram capturados, pegavam o chefe do bando, cortavam a cabeça e jogavam dentro daquele rio. Olha que interessante! Nossa Senhora, toda preta da lama do rio, com a cabeça cortada: Maria se solidariza com os sofredores do mundo, os sofredores daquele lugar, com os últimos dos últimos – que eram os escravos. E Maria faz o primeiro milagre exatamente com um escravo, que vinha acorrentado, trazido pelo seu senhor e pelo capataz. Ele passa em frente àquele lugar humilde, aquele casebre, e vê a imagenzinha no oratório; então grita à virgem Maria, e a Mãe de Deus rompe as correntes do escravo!

 

Maria é solidária com os que sofrem, com os últimos. A Mãe de Jesus não vive atrás de palácios. Palácios também acolhem sua imagem – foi a princesa Isabel quem deu a coroa que temos na imagem que está no Santuário de Aparecida. Uma "vidente" disse a ela: "Saiba, você não será imperatriz do Brasil", e ela respondeu: "Eu posso não ser, mas farei uma miniatura daquela que seria minha coroa e darei à imagem de Nossa Senhora Aparecida". Nos palácios, Maria também entra, mas é na casa dos pobres que ela está. São os humildes que se identificam com a Virgem Maria preta, mãe do nosso povo, a mesma e única Maria de Nazaré que, com os brasileiros, se solidarizou com os sofredores. E, hoje, continua se solidarizando, num tempo em que se está pouco ligando para o povo – haja vista como foi conduzida esta situação de pandemia. Para vermos como nossos governantes não estão se preocupando nada com nosso povo, já estão decretando "fase verde" – que verde, se não temos nem vacina para esse vírus? Só para garantir a eleição? Converse com quem trabalha nos hospitais públicos para ver o que eles contam... Não as lorotas que têm coragem de contar, de mentir até para a ONU! E ainda tem gente que acredita nisso... Há uma pessoa que Jesus chama de "mentiroso e assassino desde o início"... Cuidado com quem mente! Isso não é ter cuidado com o povo. Para piorar, quantos são os projetos para tirar o título de "Padroeira do Brasil" de Nossa Senhora Aparecida. Dizem: "Que seja padroeira dos católicos". Mas em que ofende aos outros Maria ser chamada de Padroeira do Brasil? São tolices...

 

Vamos pedir a Deus que ao menos a nossa Mãe olhe por nós. Ela que é solidária conosco, seu povo; ela que, na hora do sofrimento, está ao lado de quem sofre. "Onde está Deus no meio desta pandemia?". Com quem sofre, com quem passa fome. Mesmo que "o grande mentiroso" diga que "No Brasil não tem fome". Que vergonha! Que insulto!

 

Que a Mãe de Deus nos ilumine para que possamos fazer deste Brasil um lugar de vida para todos: católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, candomblé, ateus, fiéis das várias religiões e filosofias orientais... Que seja um lugar de paz e respeito para todos, debaixo desse grande manto azul de Nossa Senhora Aparecida.

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (Ano A) – 12/10/2020 (segunda-feira, missa às 16h).

Humildade e serviço nos levam ao Reino

11/10/2020

Esse Evangelho [Mt 22,1-14] precisa de uma explicação ou, então, a gente pode fazer uma confusão danada. Esta frase: “muitos são chamados, mas poucos os escolhidos”, que vem logo após a parábola, ajuda a não interpretar direito o texto. O evangelista, provavelmente, tinha várias frases de Jesus e colocou esta logo depois da parábola, mas foi uma colocação não muito feliz. O rei, ou qualquer grande senhor, quando tinha uma grande festa mandava os seus empregados convidarem as pessoas 1 mês antes da festa, 1 semana antes e no dia da festa, pela manhã. Então, este rei mandou convidar amigos, generais e outros. Mas estas pessoas vão se descuidando, não querem saber de nada. E o que acontece? Está tudo pronto e ele manda o último convite. Mas as pessoas além de não irem à festa, ainda matam os embaixadores. Isso o enfurece e ele manda matar todos.

Então, ele manda trazer para a festa todos que forem encontrados nas encruzilhadas. E quem encontramos na encruzilhada, perdidos na rua? Gente rica e poderosa? Não! Encontramos pobres, mendigos, sofredores de rua, prostitutas, travestis. E esta foi a gente que o dono da festa mandou chamar. Mas, às vezes, o sofredor de rua está sujo ou até cheirando mal. Então ele manda preparar essas pessoas, dar banho e vesti-los com as roupas dos servos da casa. Então, todos que entraram na festa aceitaram tomar banho e usar as roupas dos servos da casa. De repente, o rei vem passar no meio dos convidados, como acontece nos casamentos de hoje em dia. Porém, o rei encontra uma pessoa que não estava vestido com a roupa dos servos. Todos os pobres convidados aceitaram tomar banho e trocar de roupa, menos esse. Então, sabe-se que essa pessoa não foi encontrada na rua.

Olhe bem como o rei se dirige a ele: “amigo”. Este sujeito é um daqueles que havia dito que não queria ir à festa e, sabe-se lá por qual sorte, não foi morto. Chega na festa um sujeito rico, muito bem vestido e os servos falam para ele tomar banho e trocar de roupa. E ele não quis porque era rico e não queria vestir uma roupa de servo. “Vou entrar assim mesmo”. É muito engraçada a arrogância deste homem que primeiro desprezou o rei ao negar o convite e, agora, despreza de novo: “ah, sobrou um tempinho, então agora vou na festa comer de graça”.

 

O rei vem ver as pessoas e sabe quem são os que foram trazidos da rua conversando com as pessoas. De repente vê esse sujeito diferente e diz: “você desprezou minha festa assim como desprezou a ordem que dei para meus servos que somente quem tomasse banho e trocasse de roupa que entraria. Fora daqui!”.

 

Essa é a parábola do rei e dos convidados. Os grandes do povo de Israel, no tempo de Jesus, desprezaram o anúncio do Senhor, mataram os profetas, perseguiram os justos e mataram o filho de Deus. Deus tirou o reino deles e deu para um povo que ninguém esperava que ele desse: os pagãos. Nós somos Igreja e temos que estar atentos, constantemente, ao convite de Deus, aceitando as regras de humildade e serviço deste Reino, que é o de Jesus. Vamos pedir ao Senhor que ele nos ajude a abraçar, com fé, a Sua palavra de serviço e humildade

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 28º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 11/10/2020 (missa às 10h).

O Evangelho é vida para todos

04/10/2020

Este Evangelho de hoje [Mt 21,33-43] é um Evangelho perigoso. Por quê? Ele derruba as nossas pretensões. Nós pensamos "Ah, nós somos o povo eleito! Jesus veio, Jesus nos salvou, nós somos seus discípulos, nós carregamos o nome de Jesus, nós somos a sua igreja fundada em cima dos apóstolos". Cuidado! Nada disso garante nada, por quê? Deus faz tudo isso procurando um povo que pratique a justiça, o amor, a igualdade entre os irmãos, a solidariedade com os que sofrem. Dentro de uma sociedade cristã, fazer de modo que a miséria e a pobreza sejam superadas, para que todos possam ter vida digna. Se nós não fazemos isso, Deus vai procurar um povo que faça, porque Deus quer fruto, fruto de justiça!

É interessante ver, em várias passagens da escritura, o profeta Isaías fala que a vinha é devastada, porque ela não deu bons frutos. No Evangelho, se fala de vinha que produz fruto, mas os que cuidam da vinha não são pessoas boas, então isso aqui serve para todos nós... Eu tremo quando leio este Evangelho – todos nós, padres, bispos, até o papa deveríamos tremer quando lemos este Evangelho, porque nós somos os vinhateiros. O povo de Deus produz seus frutos, mas nós não guiamos o povo numa prática verdadeira da justiça. Deus tira isso da gente. Nós temos que cuidar muito no trabalho do anúncio do Evangelho, ele tem que ser um anúncio que produza vida. Então nós temos sempre que nos policiar. Nós estamos realmente defendendo a vida? Ou nós estamos defendendo outros interesses? São perguntas pesadas, este Evangelho é muito ‘empenhativo’. E olha bem que Jesus termina falando da própria situação dele: o dono da vinha mandou o filho, e o que fizeram? Pegaram o filho e mataram fora da vinha. Como Jesus foi morto? Fora dos muros de Jerusalém. Levaram-no para fora da vinha, isso quer dizer desprezo: "você não pode morrer pisando esta terra que é nossa". Terrível, isso é uma coisa horrorosa, não é? Um total desprezo por aquilo que é a vontade de Deus. E nós temos que sempre nos perguntar: mas eu estou mesmo produzindo fruto ou estou me enganando? Ou estou me deixando enganar? Às vezes nós nos deixamos enganar, viu gente? O que Jesus disse mesmo? Não adianta dizer que é cristão e promover a morte, o racismo e mentir para as pessoas. Isso não é ser cristão. Não adianta dizer que é cristão e quando vê um necessitado vira as costas ou é totalmente indiferente – pior ainda quando o acusa de "vagabundo". Com as tuas palavras, você está se condenando.

Os padres, muitos padres, estão hoje nessa história de tradicionalismo, um monte de pano em cima, missa em latim, missa velha, missa de antes do Concílio, críticas ferozes ao Papa Francisco, porque ele nos chama a viver o Evangelho. Cuidado! Cuidado! Podemos estar sendo enganados por lobos vestidos de muitas roupas brilhantes e muito latim perfumado, viu gente? Isso é engano, engano ao povo de Deus, porque nem se quer a prática da justiça, essas pessoas se escondem por trás de panos e línguas incompreensíveis para não se comprometer com o Evangelho de Cristo, fazem polêmicas, brigas enormes, “mas tem que abrir os braços assim, tem que fechar os braços assado, tem que rezar Ave Maria ajoelhado não sei de que modo...”, e o teu irmão que está morrendo de fome do seu lado? “Isso não é do Evangelho, isso é comunismo”. Não se deixe enganar por esses lobos, viu gente? Não se deixem enganar por esses lobos. Ouçam o Papa Francisco que hoje lançou uma nova Encíclica sobre a amizade, o respeito, o amor, a acolhida do outro como irmão. Se nós queremos um mundo novo, esse mundo novo tem de ser um mundo novo de irmãos, não de concorrência, não de exploração, não onde o dinheiro conta mais, não onde o dinheiro passa por cima das pessoas. Se queremos um mundo novo, tem que ser onde o ser humano vale, onde a vida humana vale. E quando a vida humana vale, a vida do mundo vale.

Por que nós estamos com essa pandemia terrível? Não foi feito em laboratório coisa nenhuma. Nós matamos os animais, nós estamos devastando o ecossistema do mundo. As doenças que esses animais seguram dentro deles, nós matando esses animais, temos essas doenças todas livres, para quem? Para nós! Nós não podemos matar, por exemplo, todos os ratos do mundo, porque se não nós morremos rapidinho. A maioria das doenças que deveriam vir para nós, vai para os ratos. Vocês sabiam disso? Sem rato na face da terra nós não sobrevivemos. E não basta somente um não, precisa de trinta ratos por pessoa. Então, em vez de ficar gritando quando vê rato na cozinha de casa, fala "oi amiguinho, obrigado por estar salvando a minha vida". Isso se chama ecossistema. Se eliminar os ratos, nós morremos, mas se tem ratos demais, nós morremos também, tem que ter um equilíbrio. Um mundo de respeito, isso é o Evangelho e, quem foge disso, Deus tira da vinha. Não nos deixemos enganar por lobos vestidos de muita roupa e falando muita língua estrangeira. Língua estrangeira não, língua morta, porque latim é língua morta. E ouçamos a voz dos verdadeiros pastores, que hoje é o nosso Papa Francisco.

Essa semana também é a Semana da Vida. Madre Teresa dizia: "Quando uma mulher, luta para destruir a vida que está dentro dela, nós podemos esperar todas as monstruosidades do mundo, pois o templo mais sagrado foi violado". Nós estamos em momentos difíceis, porque, por exemplo, no Brasil nós temos que fazer uma legislação sobre a questão do aborto, e não basta só dizer "é crime" que não resolve. Os nossos legisladores vão ter que legislar sobre esta questão. Tem milhares de mulheres que morrem em clínicas clandestinas e, ao mesmo tempo, nós que condenamos o aborto, não oferecemos alternativa nenhuma... É muito grave, é irresponsável! Então nós temos que realmente pensar de uma forma que considere o outro na sua situação, para poder dar para essas pessoas uma verdadeira possibilidade. Se eu sou contra o aborto, eu tenho que encontrar meios para que essas mães possam ter esses filhos, mas eu tenho que encontrar os meios, eu tenho que criar estruturas, eu tenho que facilitar as adoções, percebem? Porque senão nós somos pura ideologia. Dizer não para o aborto significa nós católicos pensarmos seriamente o que nós vamos fazer para que essas mulheres não abortem? Para que elas possam encontrar uma solução que seja outra que não o aborto?

Vamos pedir a Deus que nos dê coragem para ser bons vinhateiros, pessoas que ajudem os outros a dar fruto, porque o povo dá fruto, para apresentar a Deus esse fruto, fruto de justiça e de paz.

 

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 27º Domingo do Tempo Comum (Ano A) –04/10/2020 (missa às 10h).

Assumir a missão de ser discípulo de Jesus

01/10/2020

Hoje, dia 1º de outubro, nós temos também a abertura deste mês missionário para nós. E temos aqui a padroeira das missões como padroeira desta paróquia. A liturgia de hoje nos faz convite para a missão, para a vida de missão, para a saída dessas portas. Aqui nós nos alimentamos, nos sustentamos para, quando nós sairmos daqui, viver esta igreja de missão.

 

A Primeira Leitura, o livro de Jó, que, para nós é muito conhecido como aquele que sofreu tanto, e a gente fala “sofri como Jó”, talvez, é a leitura de alguém que fez uma profunda experiência de fé. Mesmo diante da dor, diante do sofrimento, diante de tantas situações de adversidades, nós temos nesta leitura e neste livro a narrativa de alguém que não voltou atrás, manteve-se firme no seu projeto. Aqui o grande desafio para todos nós: nós nos provamos – nós, não Deus – nós nos provamos nas horas mais difíceis das nossas vidas. O momento de maior adversidade é quando nós podemos ser capazes de avaliar o nosso projeto de vida, a maneira como nós vivemos o nosso cristianismo. Falar de cristianismo é muito fácil; viver o projeto cristão é o grande desafio. E a gente percebe que, na experiência que Jó faz com Deus, apesar de todo o sofrimento, de tudo aquilo que se perde, ele tem convicção. E a convicção, então, gera permanência. A convicção gera constância. A experiência de fé é frutuosa quando traz em nós perseverança e convicção nas horas mais difíceis.

 

No Evangelho de hoje, nós temos aqui o projeto de pastoral de Jesus para os seus discípulos. Toda orientação está aqui no dia de hoje! Mostra como deve ser e fazer para quem quer ser seguidor de Jesus – o ser e o fazer do discípulo. O ser está em “não vai sozinho, não, vai junto com alguém”. O ser está em “não leve muita coisa, seja mais simples”. O fazer é: para as pessoas que vocês encontrarem, seja paz. Onde vocês entrarem, seja paz. Por onde vocês passarem, ajudem as pessoas, curem, levantem as pessoas, tragam esperança para o povo. E se alguém não quiser receber vocês, segue adiante. Esse é o projeto pastoral de Jesus, esse é o projeto de vida para quem quer ser discípulo.

 

E todos nós que estamos aqui para alimentar a nossa fé, a nossa espiritualidade, nós estamos aqui porque somos discípulos e queremos ser discípulos. Mas aí vem a nossa convicção quando a gente abraça esse projeto. É um projeto que primeiro nós temos que ser! Ser cristão, viver essa mística cristã como Santa Teresinha nos aponta. Não é uma mística alienada, não é uma fé desencarnada. É uma fé concreta, é uma fé de atitude. Porque, às vezes, tem gente que confunde espiritualidade mística como se fosse ficar o dia inteiro rezando. Isso é muito fácil. É fácil ficar o dia inteiro rezando, ou disfarçando que reza. O desafio está quando eu transformo tudo isso em conduta de vida, em prática de vida. E Santa Teresinha prova isso com as suas atitudes, com o seu jeito de ser, com o seu jeito de fazer. Me impressiona quando ela diz “me deixa para o último lugar, lá ninguém vai disputar comigo.” Exemplo de serviço!

 

Eu acredito que a Paróquia de Santa Teresinha aqui da nossa região pastoral Utinga, quando a gente olha para a sua padroeira, pode nos ensinar muitas coisas no serviço. O serviço que não há disputa, o serviço que é gratuito, o serviço que é serviço para o outro... Nas coisas mais simples, mulher simples, e é reconhecida como doutora da igreja, um dos títulos mais nobres que os santos recebem, porque apontou para o Cristo. Sua vida foi sinal para o Cristo, sinal de humildade, de simplicidade, e não de arrogância nem de prepotência. Eu acredito que esses homens e mulheres, e hoje, de maneira

especial, Santa Teresinha tem muito a nos ensinar. Padre João Aroldo me contava umas coisas na sacristia que agora eu vou pesquisar, para entender mais sobre a vida de Santa Teresinha. Então a gente tem aqui uma mística que poderíamos aprofundar muito, isso seria uma catequese mística para nós que nos falta, sabia? Como que, para nós, cristãos, nos falta essa mística da vivência cristã? Porque a mística tem que ser encarnada, ela tem que estar no meu jeito de ser. Depois ela transparece no meu fazer. Mas para fazer essa experiência mística com Deus primeiro tem que ser muito humilde, e isso é um exercício, porque todos nós somos um pouquinho arrogantes, todos nós somos um pouquinho orgulhosos demais, e se alguém disser para mim assim “ah, não, eu acho que eu não sou”, então a gente tira a Santa ali e coloca você. Eu não me arrisco falar.

 

Todos nós estamos aqui porque nós precisamos crescer nessa mística. Santa Teresinha das coisas simples, das coisas pequenas, tem muito a nos ensinar para a nossa conduta, para a nossa prática. E, olhando hoje para esse projeto que Jesus apresenta no Evangelho, projeto de missão, que devemos ser e fazer, apesar da Primeira Leitura nos lembrar que existem dificuldades, adversidades – mas a experiência de fé é força para as nossas vidas.

 

Que, pela intercessão de Santa Teresinha, nós possamos bem viver esse mês de saída, esse mês que a igreja nos convida a pensar na sua natureza, que é ser missionário. Que Santa Teresinha nos inspire e nos ajude! Amém.

 

Homilia: Padre Eduardo Calandro - Festa de Santa Teresinha (Ano A) - 01/10/2020 (missa às 19h45)

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