Homilia
Jesus traz os oprimidos ao banquete do Reino
22/11/2020
Este evangelho[Mt 25, 31-46] traz um ponto de reflexão constante para nossa vida cristã. Foi baseado neste evangelho que Frederico Ozanan fundou os Vicentinos. São Vicente de Paulo, duzentos anos antes, vivia dessa espiritualidade: do serviço ao pobre, ao que sofre. Hoje em dia, continuamos, infelizmente, tendo tantas situações de sofrimento e de injustiça no mundo. Nós vimos, dois dias atrás, um homem espancado em um mercado, depois de agredir um vigia. Ele cometeu um erro, mas isso não justifica que a pessoa seja espancada até a morte. E este homem que foi morto era negro. Então nos vem a pergunta: “se fosse um homem branco, teriam feito aquilo?”. Temos que nos fazer estas perguntas.
Um dia, uma pessoa me perguntou: “por que que fala tanto de negro? Para de falar tanto, fala de branco também”. Mas o que não se percebe é que de branco se fala o tempo inteiro. Quando você assiste novela, a maioria é branco. Agora que começaram a mudar, mas antes você podia contar dois ou três artistas negros. Tudo é baseado na cultura branca. Nós não temos o racismo segregacionista da África do Sul, no qual os negros ficavam em lugares separados dos brancos durante o período do Apartheid. Isso não existe no Brasil. Nós também não temos o mesmo segregacionismo americano, mas não podemos dizer que não temos racismo no Brasil.
Vocês já ouviram falar das conversas que os pais negros têm com os filhos quando tem 10, 11 ou 12 anos? A conversa do pai é – prestem atenção nas palavras –: “filho, quando você for parado pela polícia (não é “se”, é “quando”; ele sabe que vai ser parado porque ele é negro), olhe para o chão, entregue os documentos, seja educado, responda às perguntas, se estiver com tênis novo, leve a nota fiscal na carteira”. Se isso não se chama racismo, eu não sei o que vai chamar. Qual pai branco teve essa conversa com o filho quando tinha 11 ou 12 anos? Nenhum. Isso nem passa na nossa cabeça. E os negros são pouco mais da metade da população brasileira.
Não adianta alguns senhores que se sentam em certas cadeiras dizerem que, no Brasil, não há racismo. Não tem como aparece nos EUA e na África do Sul, mas tem. Pergunte a um negro. Tem a história da moça que foi com a amiga negra fazer comprar no shopping. Ela queria comprar sutiã. Chegaram no shopping e a vendedora se dirigiu somente à branca, nem considerou a negra que estava com ela. Só quando foi informada que a moça negra era a cliente é que se dirigiu a ela. A moça negra disse que queria um sutiã cor da pele. A vendedora pegou todas as variações de bege. Por quê? Porque pensamos que cor de pele é só branca. Isso se chama racismo introjetado e nós fazemos isso todos os dias. A vendedora, que não é mais culpada do que nós, deveria ter perguntado: “é para você? Qual a cor de pele da pessoa?”. Racismo introjetado é isso: se você vai comprar uma tinta e quer tinta cor de pele, ela vai ser bege.
Isso está na nossa cabeça e se chama racismo estrutural. E nós somos culpados? Não! Mas temos que ligar o sinal vermelho e saber que não está certo. Que cor você quer pintar a pessoa? Se for São Benedito, a pele é escura; se for Santa Clara de Assis, então a pele é clara. Do mesmo modo, se é uma mulher negra, as cores de sutiã cor de pele serão dentro do cinza, do negro, do marrom. Nós temos que ligar o sinalzinho vermelho.
Padre, e o que isso tem a ver com o evangelho? Tudo! Porque se o Evangelho não nos incomoda, não nos cutuca, é porque estamos lendo errado. Hoje, no Brasil, amar o próximo é respeitá-lo na sua diferença, é considerar o outro, um cidadão como eu. A lei leiga, ou seja, que não é confessional, reconhece isso: “todos os cidadãos são iguais diante da lei”. Mas, algumas semanas atrás, uma juíza escreveu em uma sentença: “pela raça desta pessoa, a gente já vê que tende ao crime”. Isto é falso e absurdo. Ser cristão, hoje, no Brasil, é ter uma mentalidade antirracista. “Eu era negro e você me respeitou” é o que o evangelho nos fala hoje. Eu era negro e você não fez piada. Eu era gay e você não ficou fazendo chacota da minha cara. Eu era loira e você não me chamou de burra. Inclusive, atualmente, estas coisas dão até cadeia. O Evangelho se atualiza nas várias realidades, por isso é Palavra de Deus. E hoje, no Brasil, ele pede respeito, justiça e honestidade. Olha que coisa horrorosa! A que nível nós caímos! Alguns anos atrás, isso eram coisas quase descontadas pois assumia-se que as pessoas eram honestas. Hoje em dia, ser justo e respeitar o outro virou valor cristão. O evangelho incomoda e nos obriga a tomar atitudes. O que podemos fazer? Parar de fazer piadas sobre negros, sobre gays, loiras. E você vai ver como é difícil parar. Você vai ver como isso entrou dentro da sua cabeça. E para mudar, precisa de esforço.
Vamos aprender: quando estou chegando perto do farol e eu vejo um rapaz negro, eu fecho o vidro? Eu faria a mesma coisa se fosse um branco? Ou a gente faz com os dois ou não faz com nenhum! São coisas para pensar. É o evangelho do julgamento. E isso não é política. Esse é o evangelho que incomoda em uma situação que nós vemos todos os dias. Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a nos limpar destas ideias e conceitos podres que colocaram dentro da gente. E que nós não temos culpa. Cuidado. Foi colocado dentro da gente. Anos e anos pensando assim. Mas temos que ter consciência e começar a limpar, olhando para Jesus que, na cruz, que foi o Seu trono, perdoou e levou para junto de si nada menos que um assassino.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Cristo Rei (Ano A) – 22/11/2020 (Domingo, missa às 10h).
Fazei o bem com os dons que Deus nos dá
15/11/2020
Tanto o Evangelho da semana passada das virgens, como este de hoje, nos fala da vinda do Senhor e fala aos discípulos de Jesus. Jesus monta esta parábola em volta de um fato histórico: o rei Herodes, o grande, que matou os inocentes, ele foi para Roma e comprou o título de rei. E um grupo de inimigos dele foi logo atrás, só que chegaram atrasados e o rei já tinha comprado o título. Quando eles voltaram para trás, o rei mandou cortar a cabeça de tudo mundo. Jesus usa este fato e conta essa parábola. O rei foi para um país estrangeiro e confiou os seus bens aos seus servos. Ele chamou os servos – este “chamou” é a mesma palavra que se usa quando Jesus escolhe os apóstolos, Jesus passou a noite rezando e, ao amanheceu, chamou os seus discípulos e escolheu 12 entre eles. Esse “chamou” então é uma escolha do Senhor.
Deus nos chama e Deus nos dá talentos: a vida, as nossas aptidões, os nossos sentimentos, nos dá a vida e isso tudo é graça. Se nós nos convencermos de que nós não somos donos nem de nós mesmos, tudo o que temos e somos é graça de Deus, nós vamos começar a cuidar muito melhor disso. E o que somos não é para nós é para a vida do mundo, para que o mundo seja melhor, mas o que é o mundo? Minha família, minha vizinhança, minha comunidade, minha cidade, meu estado, meu país, este é o mundo. Dar frutos: paz, justiça, solidariedade, honestidade, estes são os frutos que Deus quer para nós, além do fato de também testemunhar o Evangelho, testemunhar o nome de Jesus e as opções de Jesus – isso é ser cristão, isso é ser discípulo de Jesus.
Este Evangelho não está falando de problemas bancários de inflação, a preocupação desse Evangelho é outra. Um talento, naquela época era muito dinheiro, eram 6 mil diárias de dinheiro, imagine mil dias são três anos, seis mil é o trabalho com o salário de 18 anos. Um talento é muito dinheiro, então ele entregou esse dinheiro na mão desses servos, para cada um segundo a sua capacidade, pois nós não somos iguais: tem gente que sabe falar bem, tem gente que sabe consertar as coisas, tem gente que sabe ajudar os outros, tem gente que sabe curar feridas, tem gente que sabe fazer comida e tem gente que sabe construir paredes. Cada um segundo a sua capacidade e foi embora e o rei confiou neles, veja só confiança! Quem é este rei? Nesta parábola, é Jesus que confiou aos seus discípulos a Palavra do Evangelho, confiou a nós os mandamentos do Evangelho amai o próximo a ponto de dar a vida por ele e amai a Deus sobre todas as coisas, Deus que é pai de todas as coisas, Deus que é pai de todos, Deus quer que todos tenham vida. E Jesus volta, Ele vai voltar, essa é a nossa fé: Ele prometeu que volta. “Na casa do Pai tem muitas moradas, eu vou e vou preparar para vós uma morada para que onde eu esteja vocês também estejam”, essa é promessa de Jesus e Jesus é fiel. Aqui tem fidelidade: Ele volta! E, quando Ele voltar, Ele vai pedir o que é Dele. “Eu confiei a vocês essa missão, eu dei para vocês os dons necessários para cumpri-la, como que vocês fizeram isso?”, essa é a pergunta. Qual que é o coração dessa parábola? Fidelidade! Ser fiel ao Senhor e ser fiel significa produzir, colocar em prática aquilo que o Senhor nos ensinou, lutar para que os valores de Jesus sejam implantados no mundo, que nós aprendamos que a pessoa que está do meu lado, que todas as pessoas do mundo, começando sempre pelas periferias, pelos últimos, todas são meus irmãos e irmãs! Este é o caminho.
E hoje é dia de eleição e a gente tem que se perguntar: este candidato realmente se preocupa com o povo? Esse candidato realmente se preocupa com as periferias da cidade? Esse candidato está cuidando das coisas básicas para o nosso povo, especialmente, para o povo pobre: escola, educação, saúde? E durante os próximos quatro anos, você tem a obrigação de ir procurando para ver o que está fazendo, se está fazendo esse mundo melhor. É isso que a gente tem que fazer: procurar que este mundo seja melhor, em todos os campos. Tem gente que tem a vocação da vida pública, da vida política, isso é graça de Deus também. Nem todos nós podemos ser políticos, mas todos nós podemos nos preocupar com a vida do povo, isso é política também.
Precisamos ser fiéis. E o que aquele terceiro homem fez? Gente, tem uma situação muito estranha se prestar a atenção no que o rei falou: “você deveria ter pego o dinheiro e colocado no banco”, é o mínimo de interesse por aquilo que era do rei. Você pega o negócio e entrega para o banco, você não faz nada, o banco pensa por você. Se você aplica o dinheiro na poupança, você não precisa ir lá todo mês colocar mais dinheiro, a poupança vai sozinha. Você nem precisa se preocupar, a única preocupação é você dizer: vamos guardar esse dinheiro num lugar seguro, o banco é um lugar seguro. Mas o que este homem fez? Abriu um buraco no chão e enterrou ali aquele talento. Existia um costume hebraico, naquele tempo, que se você caminhasse e por um acaso de repente batesse lá num saco de dinheiro, você podia pegar aquele dinheiro para você, ou seja, isso demonstra que o servo não teve cuidado nenhum com o dinheiro. Ele enterrou lá e se qualquer outra pessoa descobre, leva embora. Ele não mostrou nenhuma preocupação, chega ao desprezo. Ele podia ter chego no fim e falado para o patrão: “eu enterrei, mas acho que alguém levou embora, eu não achei mais”, isso é total desprezo.
Não podemos desprezar o Evangelho de Jesus. Ou nós somos discípulos e discípulas fiéis ou nós estamos na infidelidade. Isso não significa as nossas fraquezas, debilidades, porque Deus sabe tudo isso. Quando Ele nos chama, ele dá segundo a capacidade de cada um. Tem quem tem o ombro fraco, Ele não vai dar peso muito grande. Tem quem tem a mão torta, Ele não vai mandar essa pessoa fazer um bordado. Ele dá segundo a capacidade de cada um.
Vamos fazer o bem, querer bem as pessoas, nos importar com elas, nos preocupar com os pobres, nos preocupar com a nossa esposa, com o nosso esposo, com os nossos filhos. Nos preocupar, nos ocupar deles, conversar com as pessoas, ser honestos. Que coisa horrorosa, gente, temos que chamar as pessoas a honestidade. Que coisa triste. Honestidade tem que ser de todo dia. Temos que aprender a ser pessoas honestas: esse é caminho de Jesus e aprender que o outro e a outra é meu irmão e minha irmã, eu não sou melhor do que eles, estamos todos no mesmo barco e vamos chegar todos na casa do Pai. E o Pai vai perguntar para nós: “que bem que você fez com os dons que Eu te dei?”. É isso que Ele vai perguntar. Ele não vai perguntar dos seus pecados: “que bem você fez?”
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 33° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 15/11/2020 (Domingo, missa às 10h).
Vigiai e preparai vossas lâmpadas
08/11/2020
Nós estamos no chamado "quinto sermão de Jesus", que também é conhecido por "discurso escatológico", ou seja, discurso sobre as últimas coisas, os últimos dias. E o que acontece? Na primeira parte, Jesus lamenta-se sobre Jerusalém. Esta cidade onde havia o templo. Esta cidade que não acolheu a Palavra e nem os convites de Deus. Esta cidade que matou os profetas e que vai matar o próprio Filho de Deus, que o Pai enviou para anunciar – primeiro aos Hebreus e depois para todo o mundo – a Salvação.
Nesta primeira parte, Jesus vai falar do fim do mundo, do juízo final. Já na segunda parte, que nós vamos ouvir hoje e domingo que vem, qual é a mensagem? Nos primeiros anos do cristianismo, esperava-se que Jesus voltasse em pouquíssimo tempo, antes mesmo que aqueles que conheciam Jesus morressem. O próprio Jesus, na cruz, esperava o fim do mundo. Quando a gente fala que "a esperança é a última que morre", podemos fazer uma analogia com o momento em que Jesus jogou fora essa esperança e falou: "Pai, está em Tuas mãos; é Você quem sabe". Então Jesus morre. Ele entrega tudo para o Pai.
Os primeiros cristãos acreditavam que, realmente, o mundo iria acabar logo. Porém, passam-se algumas dezenas de anos – este Evangelho de Mateus [Mt 25,1-13] foi finalizado por volta do Ano 80, ou seja, cerca de 50 anos após a morte e ressurreição de Jesus. E já aí, a comunidade tinha percebido que o mundo não ia acabar tão logo não.
Então eles encontram nos vários escritos que havia sobre Jesus, esta parábola que fala sobre vigilância, não sobre divisão. Para entendê-la, primeiro nós temos que pensar como era o casamento daquele tempo. O texto não fala de 10 jovens, como traduzimos aqui neste Evangelho. O texto fala sobre 10 virgens. Quando a pessoa lê "dez virgens acompanhando o noivo", logo vem a pergunta na cabeça: "Dez? Vai casar com as dez?". Não. A esposa está esperando ele e as demais jovens são as amigas da noiva que vão acompanhar o noivo em procissão para a casa da noiva. Olha só que interessante: elas irão acompanhar o noivo.
E isso aconteceu de fato. Foi a história de um príncipe daquela época. Ele veio de muito longe, de outro país, e teve um grande problema no caminho. Em vez de chegar às 6 horas da tarde, ele chegou no meio da madrugada. Jesus pegou este fato e contou esta parábola. As amigas da noiva tinham que esperar o noivo a uma certa distância da casa para acompanhá-lo até a casa da noiva. Elas iam com lâmpadas a óleo. E o que acontece? Algumas falaram: "vai que o homem chega tarde... está marcado para as 6 da tarde, mas e se acontece alguma coisa? vamos cuidar". E, de fato, algumas pensaram e se prepararam. Reparem nesta ideia: pensaram e se prepararam. Mas outras pensaram: "Não... ele é um príncipe! Ele vai chegar na hora marcada." E o fato é que ele não chegou. E elas tinham razão: "se a gente colocar óleo na lâmpada de vocês, daqui até a casa da noiva, as nossas lâmpadas vão apagar também. Não tem jeito, vocês terão que ir comprar".
E qual é a mensagem deste Evangelho? Jesus está falando para os discípulos que a vida cristã é vida de perseverança, todos os dias. Nós não sabemos quando o Senhor vai chegar. Enquanto eu estou neste mundo, seja muito ou seja pouco, eu vou fazer de tudo para ser fiel à Palavra de Jesus. O amor ao próximo não é alguma coisa "de vez em quando". O amor ao próximo tem que ser uma disposição do nosso coração sempre. Isso é a vigilância: estar sempre seguindo os passos de Jesus. Porque você não vira discípulo de um momento para o outro. É um caminho, que não se faz instantaneamente. Caminho se faz com um passo após o outro, enfrentando, a cada dia, suas dificuldades, sendo fiel ao Senhor e amando os outros, todos os dias da nossa vida. Isso sim é colocar "óleo na lâmpada".
Jesus diz: "Vós sois a luz do mundo". Como é que nós somos luz do mundo? Perseverando todos os dias, no amor a Deus e no amor ao próximo. Assim, nós somos a luz do mundo. "Ah! Deixa tudo para última hora". E se você não perceber que chegou a última hora, o que você faz? Se você se distrai, se você não tem tempo? Essas moças não tiveram tempo de comprar óleo. Elas tinham que ter pensado nisso antes. Aí vem a pergunta: Nós vivemos realmente esperando a volta de Jesus? Nós acreditamos nisso?
Antes de tudo, nós temos que perguntar se nós acreditamos na ressurreição dos mortos. São Paulo, na primeira carta aos Tessalonicenses [1Ts 4,13-14] – o texto mais antigo do novo testamento –, fala sobre a expectativa das pessoas. "Vai vir? Mas quando vai vir? As pessoas estão morrendo. A primeira geração está morrendo". E São Paulo tenta dar uma resposta. Mais para frente, São Paulo também vai se dar conta que não iria ser naquele momento. A mesma coisa para nós: Jesus pode voltar e a história pode terminar, de um momento para outro. E ela termina na morte de cada um de nós. Este é o modo mais comum de nós nos encontrarmos face a face com o Senhor. E, na hora da morte, nós aparecemos exatamente como somos diante de Deus.
E o olhar de Deus é transparente. Ele vê nas profundidades. E ali nós somos trigo ou joio. Ali nós temos ou a lâmpada acesa ou a lâmpada sem óleo, ou seja, apagada. E não tem desculpa. O tempo que nos é dado é graça para amar e servir. É tempo para nós trabalharmos o nosso coração a fim de melhorarmos como pessoas. Para isso que serve o tempo.
E Deus quer nos encontrar em meio a este trabalho. "Ah, ele morreu com 14 anos". Mas estava neste trabalho, da lâmpada acesa. Morreu com 100 anos e passou a vida inteira buscando Deus e amar ao próximo. Está com a luz acesa, estava caminhando. É isso que Jesus pede a nós e é isto que Ele nos fala no Evangelho.
Vamos pedir a Deus que nos ajude, e puxe a nossa orelha de vez em quando, para que acertemos o passo, e possamos nos preparar para ir colocando óleo na lâmpada.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 32° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 08/11/2020 (Domingo, missa às 10h).
Em Cristo, ressuscitaremos
02/11/2020
Quando a nossa fé é colocada à prova? Na hora em que somos perseguidos por causa do Evangelho, na hora do sofrimento e na hora da morte. Não da nossa morte, mas na do outro – perder pai, mãe, filho, parentes, amigos... Aí é colocada à prova a nossa fé. E a coisa que mais entristece é ouvir da boca de um cristão: "Padre, mas será que tem mesmo?". A nossa fé nasce da ressureição de Jesus; se nós não cremos na ressureição de Jesus, a nossa fé não vale nada! Rezar, vir à missa, todas as práticas religiosas são vãs, não valem nada, se você não acredita na ressureição de Jesus. É a ressureição de Jesus que dá sentido à nossa fé. Sem ela, nós somos pobres idiotas, nada mais do que isso. Como diz São Paulo, se não tem a ressurreição dos mortos, nós somos as pessoas mais lastimáveis do mundo, pois gastamos a nossa vida esperando pela ressurreição ou por algo em que, na verdade, não acreditamos [ref. 1 Cor 15, 12-19]. É só a ressurreição que dá sentido a todos os nossos gestos, a todos as nossas opções como cristãos, e nos dá forças para superar o sofrimento na hora da dor, da doença e da morte daqueles que amamos. E da nossa morte? É a ressurreição de Jesus que vai nos dar confiança na hora da nossa morte. Porque morrer, todos nós vamos. Os velhos morrem, os mais novos podem morrer; mas, da morte, nenhum de nós escapa.
O que é se preparar para a morte? É, conscientemente, agora – porque nós não sabemos quando vamos morrer – nos colocarmos diante de Deus e, de coração sincero, professar a nossa fé e nos entregarmos à Sua misericórdia, como se este fosse o último momento da nossa vida. Nós não sabemos se vamos estar conscientes no momento da morte, a maioria das pessoas não está. É agora: "Jesus, eu me entrego nas Tuas mãos como se este fosse o último momento da minha vida. Chamo, diante de Ti, aquele último momento, que eu não sei quando será e não sei como virá. Professo a minha fé na ressurreição e me entrego, confiante, à Sua misericórdia. Tem piedade da humanidade, porque somos todos pecadores". Essa é a nossa fé.
"Padre, como é que vai ser depois?". Ah, se inventa muita coisa! E, infelizmente, a nossa cultura ocidental é condicionada por dois textos: um é da cultura greco-romana, do autor Virgílio, e o outro de Dante Alighieri, nos anos 1300, que se calca sobre o texto de Virgílio e mostra e fala e delira sobre como vai ser o inferno, o purgatório, o céu... Puro delírio! Nós temos que olhar para o que Jesus nos diz, o que a Escritura nos diz. Ali está a revelação de Deus, e não em poesia, não em mitologia. O que Jesus nos fala? De um juízo em que seremos julgados pelas nossas ações, em que cada um será julgado pelas suas ações. E seremos julgados sobre o que? Sobre o amor. Você fez o bem para alguém durante a sua vida? Essa é a pergunta. E Jesus mostra isso no Evangelho: "Eu tive fome, você me deu de comer? Você deu de beber para quem estava com sede? Era Eu quem estava sofrendo. Você visitou os doentes? Visitou as pessoas que estavam sofrendo com um parente preso? Ou você excluiu as pessoas? Você deixou de amar, deixou de fazer o bem? O que você fez?" [ref. Mt 25, 31-46]. Essa é a pergunta, não tem outra, é essa.
Depois, o profeta Ezequiel nos fala uma visão maravilhosa. Ele está falando do povo de Israel, que está destruído como se fossem ossos secos. Mas nós, cristãos, à luz da ressurreição, reinterpretamos esse texto. O profeta vê essa planície enorme, infinita, cheia de ossos secos, e o Espírito diz a ele: "Profetiza para que estes ossos se unam e, depois, se forme carne". Mas os corpos ainda estavam "sem vida". Não mortos, olha que engraçado, "sem vida". E aí o Espírito de Deus diz a ele: "Filho do homem, ordena ao espírito que venha dos quatro cantos da terra e sopre sobre estes corpos", e todos aqueles corpos retomaram vida [ref. Ez 37, 1-11]. E a continuação dessa passagem: "Meu povo, naquele dia [que é o dia do juízo] Eu vos chamarei dos vossos túmulos [nós podemos dizer "das vossas cinzas", "do vosso nada"] e vocês sairão dos vossos túmulos. E vocês verão [se vê é porque está vivo] que Eu sou o Deus Fiel, digo e faço" [ref. Ez 37, 12ss]. Aqui está a grandíssima fé do povo de Israel, que é a nossa fé. A fidelidade de Deus: Deus não mente. Deus foi fiel no Antigo Testamento; Jesus é Deus que se fez um de nós. O Pai é fiel; o Filho Eterno do Pai, que se fez um de nós, é fiel até a morte. E Jesus nos promete: "Aquele que o Pai me deu, ninguém pode roubar da minha mão. E eu darei a vida eterna àqueles que o Pai me deu" [ref. Jo 6, 37-40]. E quem são os que o Pai deu? Aqueles que fazem a vontade de Deus: que amam os outros, que fazem o bem. Esse é o caminho, não tem outro.
Qual a diferença entre ressurreição e reencarnação? Por isso que quem acredita em reencarnação não é cristão, seja quem for – acreditou na reencarnação, não é cristão. A reencarnação é uma doutrina muito antiga, estranha ao hebraísmo, estranha ao cristianismo, estranha ao mundo islâmico – nós somos as três religiões abraâmicas. Nenhuma dessas três religiões acredita na reencarnação, porque ela prega a chamada "autorredenção": eu me salvo, por meio das várias reencarnações. Que não existe reencarnação, nos diz a carta aos Hebreus: "A vida é uma só, depois da qual vem a morte e o juízo" [ref. Hb 9, 27s). Não tem reencarnação. E o que é a ressurreição? É a revelação de Deus para nós de que, terminada esta vida, por graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, nós entraremos na vida eterna. Por graça. Não é por nossa força, é por misericórdia Dele. Por isso nós dizemos que Jesus é nosso Salvador, nosso Redentor. É Ele que nos salva, é Ele que nos dá vida eterna. Não nós, por meio de reencarnações purificatórias. Graça de Deus. São Paulo vai dizer: "Por graça fostes salvos" [ref. Ef 2, 8a]. Por graça, por misericórdia, por bondade. Caso contrário, morreríamos e acabou. "Por graça fostes salvos". Por graça. Essa é a nossa fé.
"E o que vai ser, padre?". Jesus fala de um banquete, e o livro do Apocalipse nos fala de uma cidade maravilhosa, onde não é necessário nem luz do sol nem luz da lua nem luz artificial: a luz de Deus vai ser a nossa luz! Essa é a imagem que Jesus nos dá, que a Escritura nos dá. Porque o mundo de Deus é de Deus, e o que quer que nós falemos termina no delírio, porque nós não vimos, nós temos que crer na Palavra de Jesus. Maria Madalena, os apóstolos, mais de 500 discípulos viram Jesus ressuscitar; é a partir do testemunho dessas pessoas que nós cremos na ressurreição. Eles viram, experimentaram e nos dão testemunho: o Senhor ressuscitou e, Nele, nós ressuscitaremos também!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Comemoração dos Fiéis Defuntos (Ano A) – 02/11/2020 (Segunda-Feira, missa às 10h).
Amar a Deus amando o irmão
25/10/2020
É muito interessante nós prestarmos atenção, antes do último grande discurso de Jesus – no Evangelho de Mateus, vai ser o discurso escatológico, o discurso das últimas coisas, do juízo. Antes desse discurso, tem esta briga: Jesus debate com o povo, o pessoal fica brigando com Ele o tempo inteiro. E o Evangelho de hoje [Mt 22, 34-40] narra um desses confrontos. Jesus havia calado a boca de um grupo muito feroz, que eram os saduceus, o pessoal dos sumos sacerdotes; agora, são os fariseus que querem encostá-Lo na parede. E perguntam sobre a lei.
A lei tinha mais de 360 preceitos; os fariseus multiplicavam ao infinito cada uma dessas leis – era uma coisa absurda – e davam o mesmo peso para todos os preceitos. Chegou um momento em que certos grupos diziam: "Espere aí, a gente tem que tentar resumir esse negócio". Então encostam Jesus na parede exatamente com essa mentalidade. E Jesus vai dizer: "Pois bem, o primeiro mandamento e maior de todos: 'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento!'". Esse mandamento é tão importante que os hebreus o rezam três vezes por dia, ao amanhecer, ao meio-dia e ao cair da noite. Eles chamam essa oração de Shemá, que significa "escuta" – Shema Yisrael Adonai Elohenu Adonai echad: "Escuta, Israel: o Senhor é o teu Deus, o Senhor é único".
Mas qual pode ser o grande problema desse mandamento? Que nós criemos um Deus à nossa imagem e semelhança. Quantos dos grandes assassinos do mundo não acreditavam em Deus? Quase todos acreditavam, e seriam capazes de repetir esse mandamento de cor. Por quê? Porque nós podemos nos enganar sobre a imagem de Deus, podemos fazer com que as nossas ideias sejam apresentadas como vontade de Deus. Por isso Jesus vai, imediatamente, ligar esse texto que está no Êxodo com outro texto, que está no Levítico: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Por quê? São João vai nos ajudar: "Ninguém jamais viu a Deus" [ref. 1 Jo 4, 12a]. Quem viu Deus? Ninguém! Você já viu Deus passeando por aí? Eu nunca vi. Ninguém vê Deus. Como você pode dizer, então, que ama a Deus, que você não vê, se você não ama o teu próximo, que você vê? [ref. 1 Jo 4, 20]. No Evangelho, Jesus liga as duas imagens: você só ama a Deus se você se compadece do teu irmão que sofre, porque senão o teu Deus é um Deus falso. E o Deus do Evangelho, Pai de Jesus – e o próprio Jesus, que também é Deus –, Ele constantemente "quebra nossa cara" e nossas seguranças.
Papa Francisco, no dia 04 de outubro, assinou uma encíclica chamada "Fratelli tutti", que significa "todos irmãos". Nela, ele faz uma análise muito interessante da realidade atual e mostra qual é o mal do nosso tempo e dos seres humanos. Medo, que é o veneno do maligno; a desconfiança do outro e o individualismo; e a vingança: essas são as três desgraças do nosso tempo, e nós vivemos dentro dessa mentalidade. Nós somos chamados, constantemente, a olhar para essas raízes, que estão dentro dos nossos corações, e limpá-las com o jeito de agir de Jesus. E o Papa vai dizer: "O único caminho possível para a humanidade é considerar o outro, na sua diferença, irmão e amigo". É o único caminho possível para a humanidade, único.
Na missa, nós falamos muitas vezes: "irmãos e irmãs", e nós achamos que isso já é suficiente, que já consideramos todo mundo como irmãos. Mas eu, muito chato, pergunto: você é irmão mesmo? Você perguntou o nome da pessoa que está ao seu lado na missa? Fica sentado quase 1 hora – ou mais de 1 hora – rezando para Deus, e não sabe nem o nome da pessoa que está ao seu lado... Que irmandade é essa? Passa na rua, vê um sofredor de rua e isso, simplesmente, não te diz nada; pior, ainda é capaz de chamá-lo de vagabundo, bêbado. Vai viver naquela situação para ver se você consegue sem "encher a cara"... Temos que aprender a ver os outros como irmãos. Às vezes, nós nem nos preocupamos com o outro, nem pensamos, e fazemos enormes diferenças entre as pessoas. E quando alguém nos chama a atenção, dizendo que isso é um modo de marginalizar as pessoas, a gente se revolta.
Esses dias, o Papa falou sobre a necessidade de respeitar os homoafetivos. Isso virou uma polêmica! Grupos católicos se revoltaram contra o Papa: "Como? Nós temos que excluir pessoas". Estes grupos não entenderam nada do que é o Evangelho, nada! O mundo hoje está simplesmente com os olhos fechados. A comunidade internacional está com os olhos fechados sobre o que estão fazendo na Armênia, que já foi massacrada no começo do século passado. Estão para fazer outro massacre, porque aquilo ali é uma pequena faixa de cristãos no meio de um mundo mulçumano. Os grandes do mundo estão fazendo de conta que não vai acontecer nada, mas está acontecendo horrores por lá. Qual é a ideia? Armênios podem ser exterminados. Mas a gente não precisa nem ir para a Armênia, basta olhar para o Brasil: nas florestas que estão pegando fogo, quantos índios não estão sendo mortos? Não são poucos. Mas índio vale alguma coisa? Nós falamos com desprezo sobre os índios, nós mesmos.
Papa Francisco nos alerta para isto: nós não vemos as pessoas como irmãos. Porque se nós víssemos as pessoas como irmãos e amigos, nós cuidaríamos delas. O mundo, a economia não se sentaria em cima do lucro, desprezando e massacrando as pessoas, empobrecendo as pessoas; a economia funcionaria de um modo mais humano. A política não seria essa guerra idiota, medíocre, mentirosa, que está levando nosso povo a um verdadeiro genocídio. Ninguém está preocupado com o povo. Por quê? Não se olha as pessoas como irmãos e irmãs, como amigos. Só quando você o olha como irmão, como amigo, é que você vai se preocupar com o outro. A vida do outro, conta; a vida do outro é importante. Não os meus interesses pessoais, não o interesse do meu grupinho, não o interesse dos "ricões" que me garantem uma vida boa, fumando charuto – como certos ministros que agora dizem que não têm nem dinheiro para apagar o fogo. Deixa queimar... Depois, as terras queimadas, nós damos aos latifundiários. É uma coisa terrível, gente!
"O mundo olhado pelo sonho da fraternidade". O Papa Francisco fala: "Eu ouso sonhar com isso, porque eu vejo uma realidade onde as pessoas não aprendem a ser irmãos". Eis aí o mandamento de Jesus: ame a Deus amando o irmão. Nós temos que aprender a agir e pensar como Jesus, senão seremos aliados dos fariseus, saduceus, herodianos, sumo sacerdotes – que mataram Jesus porque não aceitaram ser irmãos.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 30º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 25/10/2020 (Missa das 10h).
Como Deus, promover a vida para todos
18/10/2020
Nesses domingos, até os próximos, nós vamos ver Jesus num confronto terrível com os vários grupos que estão no comando de Jerusalém. Hoje são os fariseus – que eram gente muito religiosa, muito observantes e que apontavam o dedo para os outros, dizendo “nós fazemos certo, vocês não fazem” e iam mais longe, diziam “aqueles lá estão excluídos da salvação, aqueles lá não vão entrar no Reino de Deus”. Uma arrogância total religiosa e em pensar que hoje tem gente que faz igual na Igreja Católica, viu gente? É um perigo isso. Jesus fala: “cuidado com o fermento dos fariseus”, porque isso é um mal que pode entrar na nossa vida e na vida da comunidade cristã. É um problema, é um perigo!
Bom, os fariseus são muito religiosos, já os herodianos são a favor da dominação romana sobre a Palestina. Os fariseus não querem os romanos e os herodianos querem. Olha que absurdo, esses dois grupos que são inimigos entre si se juntam para armar uma cilada contra Jesus – isso é perversidade, é maldade, não tem busca pela verdade de nenhum jeito! Eles querem encontrar um modo de condenar Jesus a morte. A Lei de Israel, a Torá, proibia o culto das imagens, porque o povo hebreu era cercado por povos pagãos que adoravam imagens e estátuas – não é a nossa veneração por imagens não, viu gente? A coisa era diferente. E os hebreus então proibiam de fazer qualquer tipo de imagem que reproduzisse as feições de pessoas e de animais. O único animal que às vezes eles colocavam na moeda era uma pombinha, mas na maioria das vezes era um simples ramo de oliveira. Se você vai numa sinagoga, suas paredes são decoradas com ramos, pássaros, flores... você não vê nem animais, como leão, touro, esses animais grandes que outros povos adoravam como deuses; você vê apenas essas decorações mimosas, mas não que lembrem alguém.
Então essas pessoas chegam para Jesus e perguntam – e essa pergunta é terrível – nós temos que prestar atenção: “é lícito ou não pagar imposto?”. Olha a pergunta, pagar imposto à César, César é o imperador, ele ocupou a Palestina e cobrava pesados impostos dos vários povos, Israel não era excluído disso. Então, fizeram a pergunta de tal modo que se Jesus responde deve pagar, ele é a favor de César e vai ser desacreditado pelo povo, principalmente pelos fariseus que querem a expulsão dos romanos. Se ele falar que não deve, ele cai na inimizade de Herodes. Vão dizer a Herodes: “esse sujeito aqui está levando o povo para não obedecer ao imperador”. Qualquer resposta que ele desse sim para um lado, não para o outro, ele estava danado! Jesus percebe o jogo e os chama de hipócritas, a pessoa hipócrita não é preocupada com a verdade, é preocupada consigo mesmo e em se autojustificar. Ela não está nem um pouco se importando com o outro. Aí Jesus fala – tem que prestar atenção, porque é sutil essa coisa: “tragam uma moeda do imposto”. Algum deles enfia a mão no bolso e tira uma moeda romana, que tem o rosto do imperador que era adorado como Deus. Então, Jesus vai desmascarar a falsidade daqueles homens: “de que é essa imagem, que é proibida pela Lei, e que vocês religiosos estão usando?”. Pela Lei, eles não podiam nem tocar numa moeda dessa. “É de César”. Então devolve para ele, mas para Deus, deem o que é de Deus. Aqueles homens estão ali para tentar matar Jesus, Deus quer a vida e vida para todos. Então dê para o imperador o que toca ao imperador e para Deus, deem a autenticidade da vossa vida. Isso é a promoção da vida humana, mesmo que estejamos sobre regime de opressão, cuide da vida humana e não tente destrui-la. Porque o que eles estavam fazendo era tentar encontrar um jeito de condenar e matar Jesus. Olha a contradição que tem nessa passagem. Esse texto serviu para muita coisa ao longo da história: para justificar que a Igreja e o Estado são unidos, que a Igreja e o Estado são separados, foi rolo que não acabou mais. Porém o texto quer dizer isso.
Nós comemoramos o Dia dos Professores, no dia 15, e nós sabemos como está degringolada a educação no Brasil, especialmente nas chamadas escolas públicas. E agora, com a pandemia, teme-se a evasão, ou seja, que muitos estudantes da periferia não voltem para as escolas. Os professores e professoras estão se desdobrando como podem, nos trabalhos on-line, para tentar manter de algum modo a educação possível dos nossos alunos. Possível, porque não é todo mundo que tem internet, não é todo mundo que tem celular, então o negócio é bem complicado. Os nossos professores são verdadeiros heróis! Mas hoje existe um mal, um mal que vem da família, nós facilmente delegamos aos nossos professores e à escola a missão de educar os nossos filhos, ou à catequista a obrigação de introduzir os nossos filhos na fé e na religião. Isso é um erro! A escola, na educação, faz um serviço complementar, fundamental e importante, mas complementar, porque a educação tem que ser dada em casa. O que nós encontramos hoje é a total falta dessa educação de casa nos nossos alunos. Os catequistas e as catequistas fazem um trabalho complementar àquilo que é o trabalho dos pais, que é levar os filhos e filhas ao conhecimento de Deus, a rezar, a participar das celebrações da missa sobretudo. Então nós estamos com um grave problema nas escolas, na catequese, mas por quê? Porque na família, nós estamos faltando com aquilo que é o nosso primeiro dever. Os pais são os primeiros professores e os primeiros catequistas. Por isso, nós vemos os nossos professores hoje cada vez mais estressados, porque tem que enfrentar problemas que não competem a eles, isso deve vir de casa! Mas se em casa não fazem, a gente chega a ver até delinquência dentro de algumas escolas – e não é só escola de periferia não, viu gente? Qualquer escola.
Muito bem, vou fazer só mais um comentário porque fiquei louco da vida com esse comentário essa semana. Pessoal, quando um governo ou um grupo é fraco ou começa a dar sinais de fraqueza, o que ele faz? Isso é estratégia, ele começa a achar um inimigo comum para tentar reunir em volta disso a opinião pública. Atacar esse inimigo comum para criar consenso em volta do líder. Na Argentina, isso ficou bem claro na época na Ditadura, quando fizeram aquela estupida guerra pelas Ilhas Malvinas, que hoje se chamam definitivamente Ilhas Falckland. Em 1989, aquelas ilhas iam passar para a Argentina, era um acordo internacional. Mas a popularidade do governo ditatorial argentino estava indo para o lixo, o que que fizeram? Fizeram uma guerra contra a Inglaterra e perderam. E, naqueles pequenos combates, quatro soldados ingleses morreram. Por lei de guerra, sangue derramado numa terra é teu. A Inglaterra tomou as ilhas e o acordo foi jogado no lixo. Então a Ditadura na Argentina quebrou a cara duas vezes, mas o que eles queriam com tudo aquilo que era uma coisa insana era conseguir a opinião do povo junto deles de novo. Esses dias nós vimos a tentativa da Procuradoria Geral da República, acho que é Procuradoria, não sei como chama... Eles estão tentando descriminalizar a chamada LGTB+ fobia e estão alegando um motivo religioso, para que? Toda vez que um governo (ou até a Igreja, viu?) começa a perder ibope, a gente começa a entrar no campo moral. Se você não tem mais bala no cartucho, não tem mais nada, então você começa com esse tipo de coisa, discurso moral. E os gays são a população mais fácil de perseguir, que dá um ibope danado, porque existe um preconceito terrível dentro da população. Junta vários discursos religiosos, que não são evangélicos, ou seja, não são do Evangelho e ataca um inimigo que praticamente não se vê. O que se vê do pessoal chamado homoafetivo? Travesti? Pouquíssimas pessoas que trocam de sexo? De 5 a 10% da população são homossexuais e isso não é sem-vergonhice. As pessoas nascem assim e se nascem assim é porque Deus quis. E não é da conta de ninguém, nem do padre, nem do Presidente da República, nem do pastor evangélico com quem as pessoas vão para a cama, isso é problema das pessoas. O que conta é que as pessoas sejam honestas, trabalhadoras e, para o Estado, que paguem os impostos. Por que a população não se levanta? Porque nós somos extremamente preconceituosos. Se tirassem, por exemplo, a lei que condena o racismo contra os negros, seguramente o Brasil pegava fogo. Toda vez que você ataca esse grupo é porque você está fraco. Isso é racismo, isso é nojento, isso não é de Deus. Uma religião, seja ela qual for, até católica, não pode excluir pessoas. Todos somos filhos e filhas de Deus. Deus nos salva começando pelas bordas, começando pelos marginalizados, por aqueles que nós jogamos fora. Deus salva a todos, sobre isso nós não temos o que temer, mas começando de lá, de quem tá fora, de quem sofre, de quem morre. O Brasil é o país com maior número do mundo de assassinatos desse pessoal trans, LGBT. São primeiros lugares que a gente não tem que ter orgulho.
Vamos pedir para Deus que nós, cristãos, promovamos a vida. “Dai a Deus o que é de Deus”. Deus quer a vida. E a César, o que é de César. O Estado deve ser amado e defendido naquilo que é bem do povo, a vida do povo, mas não nessas ideologias baratas de um Estado que começa a se mostrar muito degringolado. Alguém pode não concordar, mas ao menos com a primeira parte do sermão concordem porque é a explicação do Evangelho.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 29º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 18/10/2020 (missa às 10h).
Nossa Senhora está ao lado dos que sofrem
12/10/2020
Nestes três textos da liturgia de hoje, temos a "mulher". No Evangelho [Jo 2, 1-11], Jesus não chama Maria de mãe nem a chama pelo nome, mas "mulher". Nas bodas de Caná, acontece o primeiro sinal do Evangelho de João. Jesus diz para sua mãe: "Mulher, o que isso tem a ver comigo? Ainda não chegou a minha hora". Nós temos um outro capítulo do Evangelho de João que vai usar estas mesmas expressões – "mulher" e "hora". Jesus está na cruz e vê, perto Dele, Maria, Sua mãe, e o discípulo amado; e Ele diz: "Mulher, eis aí o teu filho". A cruz é "a hora" de Jesus. No início dos sinais, a mulher está presente – nesse caso, Maria – e ele se refere à Sua hora. Lá, era o início; na cruz é o cumprimento.
Na segunda leitura [Ap 12, 1. 5. 13a. 15-16a] temos, também, a "mulher" do Apocalipse, "vestida de Sol, com 12 estrelas sobre a cabeça e a Lua sob os pés". Essas três figuras de mulher na liturgia representam o povo hebreu fiel. Povo hebreu que continuou esperando na promessa de Deus. Deste povo, Maria é a pedra preciosa. E olhando o Evangelho, vemos Maria – que representa o povo de Israel – chegar para Jesus e dizer: "Não tem mais vinho". O que quer dizer isso? Será que Maria está se intrometendo na festa dos outros? São João, um grande teólogo, está falando muito mais do que isso. Maria, que é a representante do povo fiel que espera nas promessas de Deus, vai dizer: "Não tem mais vinho" – acabou a festa, não tem mais alegria, as nossas esperanças acabaram.
"Estavam ali seis talhas de pedra". A lei de Moisés era chamada "as pedras". Nas bodas, as talhas de pedra estavam vazias – ou seja, a lei antiga não dava mais vida, não tinha mais sentido, tornou-se estéril, vazia. Porém, o povo fiel continua esperando e vai à única pessoa que pode dar vida nova, "vinho novo". Por isso Maria diz: "Acabou" – nós não temos mais vida, não tem mais alegria; a lei antiga não nos dá mais nada nem deu o que deveria dar: paz, justiça, solidariedade entre as pessoas, respeito... Nós não nos tornamos um povo livre por dentro, nos tornamos escravos de nós mesmos; criamos uma religião que é tão escravizadora quanto o Egito. Nós não temos mais nada.
Jesus diz: "Encham-nas com água". Onde nós temos água, na Sagrada Escritura? Primeiríssima página da Gênese: "No início, o Senhor criou o Céu e a terra. A terra era informe, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas" [ref. Gn 1, 1s]. Jesus está recriando o mundo! Jesus vai dar ao povo a água viva! Ele vai falar sobre isso lá para a samaritana: "Aquele que crê em mim terá em si a água da vida" [ref. Jo 4, 14]. Não mais a lei externa, não mais a lei que não cumpriu o que deveria; mas a "lei da liberdade", como diz São Paulo, a lei que nos faz todos irmãos e irmãs, a lei do mundo novo – mundo novo que já pode começar aqui, se nós, realmente, vivermos como irmãos e irmãs.
E nós temos esse mordomo, que experimenta o vinho e diz: "Nossa! O vinho bom a gente dá ao povo quando chegam à festa. Vão elogiar o noivo: 'Nossa, que vinho ótimo'. Depois, quando já estão todos meio embriagados, damos o vinho menos bom. Mas não, o vinho bom você guardou até agora". "Agora" é a hora da alegria, da alegria do Reino! A vida nova chegou "agora"! E é interessante como termina essa passagem do Evangelho: Jesus volta para casa e, com Ele, vão Maria e Seus discípulos. O Reino de Deus começa de uma forma pequena, e vai se tornar vida nova para o mundo.
Nossa Senhora Aparecida é sempre a única e mesma Maria de Nazaré. Em 1717, o Estado de São Paulo estava quase abandonado, e o rei de Portugal mandou um novo governador, o Conde de Assumar, que fez uma verdadeira peregrinação por toda a província, a capitania de São Paulo, que ia até Minas Gerais. Ele passou por São Bernardo – que foi revitalizada por esse conde, depois de ter quase desaparecido – e foi indo para o interior até chegar perto de Guaratinguetá. Lá, ele parou para ficar por apenas um dia. O prefeito da cidade, então, quis servir-lhe um superbanquete, com peixes do lugar. Só que aconteceu uma desgraça no fim da tarde: uma chuva acabou com toda a estrada – e, naquele tempo, não tínhamos rodovias, era tudo lama, barro. Então o conde, que ia ficar só para uma janta, acabou ficando por 15 dias, porque não dava para seguir caminho enquanto as estradas não secassem. E não era tempo de peixe – para uma vez, se conseguia; para duas, talvez; mas para 15 dias, não. E o prefeito ficava em cima dos pescadores...
Então nós temos esta história, que nos lembra muito a da pesca milagrosa [ref. Jo 21, 1-6]. Esses três homens passam a noite pescando e, ao nascer do sol, não têm peixe nenhum. Um deles, diz: "Lancemos a rede uma última vez, em homenagem à Mãe de Deus". Jogam as redes e recolhem essa estátua pequena, terracota, enegrecida das águas sujas, lamacentas do Rio Paraíba do Sul. Entusiasmados, jogam a rede de novo, quase num ato de loucura, e pescam uma quantidade absurda de peixes, juntamente com a cabeça da imagem. Com grande devoção, um deles enrola aquela imagem nos trapos que eram sua camisa e a leva para casa. Por 20 anos, essa imagem fica guardada na gaveta da casa do pescador, até que o filho dele a encontra, arruma e faz um pequeno oratório ao lado da casa. E as pessoas começam a ir lá rezar, à tardinha; por volta das 18h, se reuniam para rezar o terço...
Naquela região, havia muitos escravos, que fugiam em bandos, muitas vezes; quando eram capturados, pegavam o chefe do bando, cortavam a cabeça e jogavam dentro daquele rio. Olha que interessante! Nossa Senhora, toda preta da lama do rio, com a cabeça cortada: Maria se solidariza com os sofredores do mundo, os sofredores daquele lugar, com os últimos dos últimos – que eram os escravos. E Maria faz o primeiro milagre exatamente com um escravo, que vinha acorrentado, trazido pelo seu senhor e pelo capataz. Ele passa em frente àquele lugar humilde, aquele casebre, e vê a imagenzinha no oratório; então grita à virgem Maria, e a Mãe de Deus rompe as correntes do escravo!
Maria é solidária com os que sofrem, com os últimos. A Mãe de Jesus não vive atrás de palácios. Palácios também acolhem sua imagem – foi a princesa Isabel quem deu a coroa que temos na imagem que está no Santuário de Aparecida. Uma "vidente" disse a ela: "Saiba, você não será imperatriz do Brasil", e ela respondeu: "Eu posso não ser, mas farei uma miniatura daquela que seria minha coroa e darei à imagem de Nossa Senhora Aparecida". Nos palácios, Maria também entra, mas é na casa dos pobres que ela está. São os humildes que se identificam com a Virgem Maria preta, mãe do nosso povo, a mesma e única Maria de Nazaré que, com os brasileiros, se solidarizou com os sofredores. E, hoje, continua se solidarizando, num tempo em que se está pouco ligando para o povo – haja vista como foi conduzida esta situação de pandemia. Para vermos como nossos governantes não estão se preocupando nada com nosso povo, já estão decretando "fase verde" – que verde, se não temos nem vacina para esse vírus? Só para garantir a eleição? Converse com quem trabalha nos hospitais públicos para ver o que eles contam... Não as lorotas que têm coragem de contar, de mentir até para a ONU! E ainda tem gente que acredita nisso... Há uma pessoa que Jesus chama de "mentiroso e assassino desde o início"... Cuidado com quem mente! Isso não é ter cuidado com o povo. Para piorar, quantos são os projetos para tirar o título de "Padroeira do Brasil" de Nossa Senhora Aparecida. Dizem: "Que seja padroeira dos católicos". Mas em que ofende aos outros Maria ser chamada de Padroeira do Brasil? São tolices...
Vamos pedir a Deus que ao menos a nossa Mãe olhe por nós. Ela que é solidária conosco, seu povo; ela que, na hora do sofrimento, está ao lado de quem sofre. "Onde está Deus no meio desta pandemia?". Com quem sofre, com quem passa fome. Mesmo que "o grande mentiroso" diga que "No Brasil não tem fome". Que vergonha! Que insulto!
Que a Mãe de Deus nos ilumine para que possamos fazer deste Brasil um lugar de vida para todos: católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, candomblé, ateus, fiéis das várias religiões e filosofias orientais... Que seja um lugar de paz e respeito para todos, debaixo desse grande manto azul de Nossa Senhora Aparecida.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (Ano A) – 12/10/2020 (segunda-feira, missa às 16h).
Humildade e serviço nos levam ao Reino
11/10/2020
Esse Evangelho [Mt 22,1-14] precisa de uma explicação ou, então, a gente pode fazer uma confusão danada. Esta frase: “muitos são chamados, mas poucos os escolhidos”, que vem logo após a parábola, ajuda a não interpretar direito o texto. O evangelista, provavelmente, tinha várias frases de Jesus e colocou esta logo depois da parábola, mas foi uma colocação não muito feliz. O rei, ou qualquer grande senhor, quando tinha uma grande festa mandava os seus empregados convidarem as pessoas 1 mês antes da festa, 1 semana antes e no dia da festa, pela manhã. Então, este rei mandou convidar amigos, generais e outros. Mas estas pessoas vão se descuidando, não querem saber de nada. E o que acontece? Está tudo pronto e ele manda o último convite. Mas as pessoas além de não irem à festa, ainda matam os embaixadores. Isso o enfurece e ele manda matar todos.
Então, ele manda trazer para a festa todos que forem encontrados nas encruzilhadas. E quem encontramos na encruzilhada, perdidos na rua? Gente rica e poderosa? Não! Encontramos pobres, mendigos, sofredores de rua, prostitutas, travestis. E esta foi a gente que o dono da festa mandou chamar. Mas, às vezes, o sofredor de rua está sujo ou até cheirando mal. Então ele manda preparar essas pessoas, dar banho e vesti-los com as roupas dos servos da casa. Então, todos que entraram na festa aceitaram tomar banho e usar as roupas dos servos da casa. De repente, o rei vem passar no meio dos convidados, como acontece nos casamentos de hoje em dia. Porém, o rei encontra uma pessoa que não estava vestido com a roupa dos servos. Todos os pobres convidados aceitaram tomar banho e trocar de roupa, menos esse. Então, sabe-se que essa pessoa não foi encontrada na rua.
Olhe bem como o rei se dirige a ele: “amigo”. Este sujeito é um daqueles que havia dito que não queria ir à festa e, sabe-se lá por qual sorte, não foi morto. Chega na festa um sujeito rico, muito bem vestido e os servos falam para ele tomar banho e trocar de roupa. E ele não quis porque era rico e não queria vestir uma roupa de servo. “Vou entrar assim mesmo”. É muito engraçada a arrogância deste homem que primeiro desprezou o rei ao negar o convite e, agora, despreza de novo: “ah, sobrou um tempinho, então agora vou na festa comer de graça”.
O rei vem ver as pessoas e sabe quem são os que foram trazidos da rua conversando com as pessoas. De repente vê esse sujeito diferente e diz: “você desprezou minha festa assim como desprezou a ordem que dei para meus servos que somente quem tomasse banho e trocasse de roupa que entraria. Fora daqui!”.
Essa é a parábola do rei e dos convidados. Os grandes do povo de Israel, no tempo de Jesus, desprezaram o anúncio do Senhor, mataram os profetas, perseguiram os justos e mataram o filho de Deus. Deus tirou o reino deles e deu para um povo que ninguém esperava que ele desse: os pagãos. Nós somos Igreja e temos que estar atentos, constantemente, ao convite de Deus, aceitando as regras de humildade e serviço deste Reino, que é o de Jesus. Vamos pedir ao Senhor que ele nos ajude a abraçar, com fé, a Sua palavra de serviço e humildade
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 28º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 11/10/2020 (missa às 10h).
O Evangelho é vida para todos
04/10/2020
Este Evangelho de hoje [Mt 21,33-43] é um Evangelho perigoso. Por quê? Ele derruba as nossas pretensões. Nós pensamos "Ah, nós somos o povo eleito! Jesus veio, Jesus nos salvou, nós somos seus discípulos, nós carregamos o nome de Jesus, nós somos a sua igreja fundada em cima dos apóstolos". Cuidado! Nada disso garante nada, por quê? Deus faz tudo isso procurando um povo que pratique a justiça, o amor, a igualdade entre os irmãos, a solidariedade com os que sofrem. Dentro de uma sociedade cristã, fazer de modo que a miséria e a pobreza sejam superadas, para que todos possam ter vida digna. Se nós não fazemos isso, Deus vai procurar um povo que faça, porque Deus quer fruto, fruto de justiça!
É interessante ver, em várias passagens da escritura, o profeta Isaías fala que a vinha é devastada, porque ela não deu bons frutos. No Evangelho, se fala de vinha que produz fruto, mas os que cuidam da vinha não são pessoas boas, então isso aqui serve para todos nós... Eu tremo quando leio este Evangelho – todos nós, padres, bispos, até o papa deveríamos tremer quando lemos este Evangelho, porque nós somos os vinhateiros. O povo de Deus produz seus frutos, mas nós não guiamos o povo numa prática verdadeira da justiça. Deus tira isso da gente. Nós temos que cuidar muito no trabalho do anúncio do Evangelho, ele tem que ser um anúncio que produza vida. Então nós temos sempre que nos policiar. Nós estamos realmente defendendo a vida? Ou nós estamos defendendo outros interesses? São perguntas pesadas, este Evangelho é muito ‘empenhativo’. E olha bem que Jesus termina falando da própria situação dele: o dono da vinha mandou o filho, e o que fizeram? Pegaram o filho e mataram fora da vinha. Como Jesus foi morto? Fora dos muros de Jerusalém. Levaram-no para fora da vinha, isso quer dizer desprezo: "você não pode morrer pisando esta terra que é nossa". Terrível, isso é uma coisa horrorosa, não é? Um total desprezo por aquilo que é a vontade de Deus. E nós temos que sempre nos perguntar: mas eu estou mesmo produzindo fruto ou estou me enganando? Ou estou me deixando enganar? Às vezes nós nos deixamos enganar, viu gente? O que Jesus disse mesmo? Não adianta dizer que é cristão e promover a morte, o racismo e mentir para as pessoas. Isso não é ser cristão. Não adianta dizer que é cristão e quando vê um necessitado vira as costas ou é totalmente indiferente – pior ainda quando o acusa de "vagabundo". Com as tuas palavras, você está se condenando.
Os padres, muitos padres, estão hoje nessa história de tradicionalismo, um monte de pano em cima, missa em latim, missa velha, missa de antes do Concílio, críticas ferozes ao Papa Francisco, porque ele nos chama a viver o Evangelho. Cuidado! Cuidado! Podemos estar sendo enganados por lobos vestidos de muitas roupas brilhantes e muito latim perfumado, viu gente? Isso é engano, engano ao povo de Deus, porque nem se quer a prática da justiça, essas pessoas se escondem por trás de panos e línguas incompreensíveis para não se comprometer com o Evangelho de Cristo, fazem polêmicas, brigas enormes, “mas tem que abrir os braços assim, tem que fechar os braços assado, tem que rezar Ave Maria ajoelhado não sei de que modo...”, e o teu irmão que está morrendo de fome do seu lado? “Isso não é do Evangelho, isso é comunismo”. Não se deixe enganar por esses lobos, viu gente? Não se deixem enganar por esses lobos. Ouçam o Papa Francisco que hoje lançou uma nova Encíclica sobre a amizade, o respeito, o amor, a acolhida do outro como irmão. Se nós queremos um mundo novo, esse mundo novo tem de ser um mundo novo de irmãos, não de concorrência, não de exploração, não onde o dinheiro conta mais, não onde o dinheiro passa por cima das pessoas. Se queremos um mundo novo, tem que ser onde o ser humano vale, onde a vida humana vale. E quando a vida humana vale, a vida do mundo vale.
Por que nós estamos com essa pandemia terrível? Não foi feito em laboratório coisa nenhuma. Nós matamos os animais, nós estamos devastando o ecossistema do mundo. As doenças que esses animais seguram dentro deles, nós matando esses animais, temos essas doenças todas livres, para quem? Para nós! Nós não podemos matar, por exemplo, todos os ratos do mundo, porque se não nós morremos rapidinho. A maioria das doenças que deveriam vir para nós, vai para os ratos. Vocês sabiam disso? Sem rato na face da terra nós não sobrevivemos. E não basta somente um não, precisa de trinta ratos por pessoa. Então, em vez de ficar gritando quando vê rato na cozinha de casa, fala "oi amiguinho, obrigado por estar salvando a minha vida". Isso se chama ecossistema. Se eliminar os ratos, nós morremos, mas se tem ratos demais, nós morremos também, tem que ter um equilíbrio. Um mundo de respeito, isso é o Evangelho e, quem foge disso, Deus tira da vinha. Não nos deixemos enganar por lobos vestidos de muita roupa e falando muita língua estrangeira. Língua estrangeira não, língua morta, porque latim é língua morta. E ouçamos a voz dos verdadeiros pastores, que hoje é o nosso Papa Francisco.
Essa semana também é a Semana da Vida. Madre Teresa dizia: "Quando uma mulher, luta para destruir a vida que está dentro dela, nós podemos esperar todas as monstruosidades do mundo, pois o templo mais sagrado foi violado". Nós estamos em momentos difíceis, porque, por exemplo, no Brasil nós temos que fazer uma legislação sobre a questão do aborto, e não basta só dizer "é crime" que não resolve. Os nossos legisladores vão ter que legislar sobre esta questão. Tem milhares de mulheres que morrem em clínicas clandestinas e, ao mesmo tempo, nós que condenamos o aborto, não oferecemos alternativa nenhuma... É muito grave, é irresponsável! Então nós temos que realmente pensar de uma forma que considere o outro na sua situação, para poder dar para essas pessoas uma verdadeira possibilidade. Se eu sou contra o aborto, eu tenho que encontrar meios para que essas mães possam ter esses filhos, mas eu tenho que encontrar os meios, eu tenho que criar estruturas, eu tenho que facilitar as adoções, percebem? Porque senão nós somos pura ideologia. Dizer não para o aborto significa nós católicos pensarmos seriamente o que nós vamos fazer para que essas mulheres não abortem? Para que elas possam encontrar uma solução que seja outra que não o aborto?
Vamos pedir a Deus que nos dê coragem para ser bons vinhateiros, pessoas que ajudem os outros a dar fruto, porque o povo dá fruto, para apresentar a Deus esse fruto, fruto de justiça e de paz.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 27º Domingo do Tempo Comum (Ano A) –04/10/2020 (missa às 10h).
Assumir a missão de ser discípulo de Jesus
01/10/2020
Hoje, dia 1º de outubro, nós temos também a abertura deste mês missionário para nós. E temos aqui a padroeira das missões como padroeira desta paróquia. A liturgia de hoje nos faz convite para a missão, para a vida de missão, para a saída dessas portas. Aqui nós nos alimentamos, nos sustentamos para, quando nós sairmos daqui, viver esta igreja de missão.
A Primeira Leitura, o livro de Jó, que, para nós é muito conhecido como aquele que sofreu tanto, e a gente fala “sofri como Jó”, talvez, é a leitura de alguém que fez uma profunda experiência de fé. Mesmo diante da dor, diante do sofrimento, diante de tantas situações de adversidades, nós temos nesta leitura e neste livro a narrativa de alguém que não voltou atrás, manteve-se firme no seu projeto. Aqui o grande desafio para todos nós: nós nos provamos – nós, não Deus – nós nos provamos nas horas mais difíceis das nossas vidas. O momento de maior adversidade é quando nós podemos ser capazes de avaliar o nosso projeto de vida, a maneira como nós vivemos o nosso cristianismo. Falar de cristianismo é muito fácil; viver o projeto cristão é o grande desafio. E a gente percebe que, na experiência que Jó faz com Deus, apesar de todo o sofrimento, de tudo aquilo que se perde, ele tem convicção. E a convicção, então, gera permanência. A convicção gera constância. A experiência de fé é frutuosa quando traz em nós perseverança e convicção nas horas mais difíceis.
No Evangelho de hoje, nós temos aqui o projeto de pastoral de Jesus para os seus discípulos. Toda orientação está aqui no dia de hoje! Mostra como deve ser e fazer para quem quer ser seguidor de Jesus – o ser e o fazer do discípulo. O ser está em “não vai sozinho, não, vai junto com alguém”. O ser está em “não leve muita coisa, seja mais simples”. O fazer é: para as pessoas que vocês encontrarem, seja paz. Onde vocês entrarem, seja paz. Por onde vocês passarem, ajudem as pessoas, curem, levantem as pessoas, tragam esperança para o povo. E se alguém não quiser receber vocês, segue adiante. Esse é o projeto pastoral de Jesus, esse é o projeto de vida para quem quer ser discípulo.
E todos nós que estamos aqui para alimentar a nossa fé, a nossa espiritualidade, nós estamos aqui porque somos discípulos e queremos ser discípulos. Mas aí vem a nossa convicção quando a gente abraça esse projeto. É um projeto que primeiro nós temos que ser! Ser cristão, viver essa mística cristã como Santa Teresinha nos aponta. Não é uma mística alienada, não é uma fé desencarnada. É uma fé concreta, é uma fé de atitude. Porque, às vezes, tem gente que confunde espiritualidade mística como se fosse ficar o dia inteiro rezando. Isso é muito fácil. É fácil ficar o dia inteiro rezando, ou disfarçando que reza. O desafio está quando eu transformo tudo isso em conduta de vida, em prática de vida. E Santa Teresinha prova isso com as suas atitudes, com o seu jeito de ser, com o seu jeito de fazer. Me impressiona quando ela diz “me deixa para o último lugar, lá ninguém vai disputar comigo.” Exemplo de serviço!
Eu acredito que a Paróquia de Santa Teresinha aqui da nossa região pastoral Utinga, quando a gente olha para a sua padroeira, pode nos ensinar muitas coisas no serviço. O serviço que não há disputa, o serviço que é gratuito, o serviço que é serviço para o outro... Nas coisas mais simples, mulher simples, e é reconhecida como doutora da igreja, um dos títulos mais nobres que os santos recebem, porque apontou para o Cristo. Sua vida foi sinal para o Cristo, sinal de humildade, de simplicidade, e não de arrogância nem de prepotência. Eu acredito que esses homens e mulheres, e hoje, de maneira
especial, Santa Teresinha tem muito a nos ensinar. Padre João Aroldo me contava umas coisas na sacristia que agora eu vou pesquisar, para entender mais sobre a vida de Santa Teresinha. Então a gente tem aqui uma mística que poderíamos aprofundar muito, isso seria uma catequese mística para nós que nos falta, sabia? Como que, para nós, cristãos, nos falta essa mística da vivência cristã? Porque a mística tem que ser encarnada, ela tem que estar no meu jeito de ser. Depois ela transparece no meu fazer. Mas para fazer essa experiência mística com Deus primeiro tem que ser muito humilde, e isso é um exercício, porque todos nós somos um pouquinho arrogantes, todos nós somos um pouquinho orgulhosos demais, e se alguém disser para mim assim “ah, não, eu acho que eu não sou”, então a gente tira a Santa ali e coloca você. Eu não me arrisco falar.
Todos nós estamos aqui porque nós precisamos crescer nessa mística. Santa Teresinha das coisas simples, das coisas pequenas, tem muito a nos ensinar para a nossa conduta, para a nossa prática. E, olhando hoje para esse projeto que Jesus apresenta no Evangelho, projeto de missão, que devemos ser e fazer, apesar da Primeira Leitura nos lembrar que existem dificuldades, adversidades – mas a experiência de fé é força para as nossas vidas.
Que, pela intercessão de Santa Teresinha, nós possamos bem viver esse mês de saída, esse mês que a igreja nos convida a pensar na sua natureza, que é ser missionário. Que Santa Teresinha nos inspire e nos ajude! Amém.
Homilia: Padre Eduardo Calandro - Festa de Santa Teresinha (Ano A) - 01/10/2020 (missa às 19h45)
Despojar-se, perseverar e ter Deus em primeiro lugar
30/09/2020
Meu irmão e minha irmã, a você que nos acompanha através das redes sociais, que alegria podermos nos encontrar! E também encontrar, presencialmente, com alguns que também estão preparando a liturgia de hoje. Que alegria poder retornar a esta comunidade que faz parte da minha história, onde pude aprender muito sobre a vivência em comunidade e a vida do ministério sacerdotal.
Nos encontramos para celebrar o terceiro dia do Tríduo em louvor a Santa Teresinha do Menino Jesus. Rogando a ela, para que possa levar ao coração de Jesus as nossas orações, as nossas preces, súplicas e esperanças. Neste dia, também fazemos memória de São Jerônimo, padroeiro dos biblistas. Ele que foi o responsável pela tradução da bíblia do grego para o latim. Ele era um homem de temperamento enérgico, muitas vezes, com dificuldades de diálogo. Mas, ao mergulhar nos mistérios das Sagradas Escrituras, o seu trabalho cotidiano de oração, aprofundamento da Palavra, Deus foi moldando o seu coração. E deste mesmo modo, nós também somos convidados a sempre rezar a partir das Sagradas Escrituras e deixar que a Palavra de Deus possa molhar a terra seca de nosso coração e moldar os nossos sentimentos. Assim como moldou o coração de nossa padroeira, Santa Teresinha do Menino Jesus, que, desde muito jovem, procurou consagrar a sua vida a Deus. Entendeu que a sua vocação era o amor, o serviço, a vida consagrada, a vida religiosa. Entendeu que a sua vocação era rezar por todos os homens e mulheres, para que pudessem ser missionários, levando amor, esperança, justiça, misericórdia e todos os demais valores do Santo Evangelho.
E como ouvimos na Primeira Leitura [Jó 9,1-12.14-16], Santa Teresinha sentiu que não podia mais competir com Deus. Não podia mais fechar o seu coração ao amor transbordante de Deus na sua vida, na sua história. Deste mesmo modo, o Evangelho de hoje [Lc 9,57-62] também nos ilumina para que possamos seguir o Senhor, a exemplo de Jó, de São Jerônimo e de nossa padroeira Santa Teresinha do Menino Jesus. No Evangelho, nós temos Jesus indo em direção a Jerusalém e chamando seus discípulos. Três jovens. E cada um com uma perspectiva diferente do que significa ser discípulo missionário de Jesus. E vemos, neste Evangelho, três pontos fundamentais que devem tocar nosso coração e a nossa vida de cristão.
O primeiro: o despojamento de vida. Nós devemos nos despojar para poder seguir o Senhor na liberdade. Santa Teresinha é modelo de despojamento para nós. Tem algo ou alguém que te prende para que você não seja um discípulo do Senhor? Quais são as amarras da sua vida? Quais são as prisões sem grades, as correntes espirituais, afetivas, emocionais que podem estar lhe prendendo?
O segundo aspecto é o primado de Deus. Porque, em primeiro lugar, sempre deve estar o Senhor. A família é importante, assim como os amigos são importantes. O trabalho se faz necessário para dignificar o ser humano, mas nada está acima de Deus. Santa Teresinha nos ensina a colocar Deus sempre em primeiro lugar em nossas vidas. Você tem alguma pessoa, ou uma situação, ou um sentimento que está acima de Deus? Então deve descer na prioridade. Santa Teresinha tinha prazer de se libertar dessas situações.
E o terceiro e último: a perseverança na caminhada, pois a vida se faz caminhando. Não existe discipulado fixo. Existe uma Igreja, corpo místico de Cristo, alimentando-se da Palavra de Deus e do Corpo Eucarístico para peregrinar na história, ser sinal de esperança, de justiça, de amor e de salvação.
Em nossas vidas, assim como Santa Teresinha, enfrentaremos obstáculos, sejam eles familiares, legais ou de outra ordem, mas quando temos nossos olhos fixos em Jesus, diz Paulo Apóstolo que: "nada e ninguém pode nos separar do amor do Senhor". Santa Teresinha foi capaz de viajar uma longa distância para pedir ao próprio Papa para entrar no Carmelo. Nós, muitas vezes, fazemos corpo mole diante de pequenas situações que vão, de certo modo, nos impedindo de seguir a Jesus no amor, no despojamento, no primado de Deus e na perseverança da caminhada.
Que Santa Teresinha do Menino Jesus derrame uma chuva de rosas, uma chuva de graças, uma chuva de bênçãos a todos nós, que nos colocamos em oração na presença do Senhor, como diz o Salmo 87 da liturgia de hoje. Que nossa devoção e nosso discipulado a Jesus contem sempre com a palavra e o exemplo desta pequena mulher, mas uma grande intercessora para todos nós, os seus devotos.
Homilia: Pe. Tiago Silva – 3º Dia do Tríduo da Padroeira (Ano A) – 30/09/2020 (missa às 19h30).
Sorrir a alegria verdadeira
29/09/2020
É um momento importante a Festa da Padroeira da comunidade, porque neste momento é organizada a festa com celebrações, festas e missa, com louvores. Quando não é pandemia, no tempo normal, se faz até festa de comes e bebes e barracas, comidas e bebidas para alegrar e se confraternizar. É um momento de comunhão, mas mais do que isso é o momento de celebrar a liturgia, a Palavra de Deus, viver a oração, conhecer mais a vida do santo padroeiro, se aprofundar mais para ser seta indicativa a Jesus, que nos ensina, nos aponta para Jesus que foi o sentido da vida daquele santo e daquela santa e que é também o sentido e o centro das nossas vidas. Quão bela foi a vida dessa jovem que pouco tempo viveu aqui na terra! Como vocês sabem, Santa Teresinha faleceu com 24 anos, depois de 9 anos de vida de convento, no Carmelo, na vida de oração e contemplação e não contemplando outra coisa, contemplando Jesus, ter os olhos fixos em Jesus.
No Evangelho de hoje [Jo 1,47-51], Jesus disse a Natanael — que é Bartolomeu, que foi apóstolo de Jesus: “antes que você me visse eu te vi”. Devemos manter os olhos fixos nesse Jesus, nesse Deus que nos vê primeiro. Somos atraídos por esse Deus que já nos viu e já nos amou primeiro, que nos chama primeiro, esse Evangelho de hoje é o chamado vocacional de Natanael que depois vai ser São Bartolomeu. Santa Teresinha que fixou naquele que já a amou primeiro. Em sua vida de tão pouco tempo, ela viveu na obediência, na humildade a este Jesus, a quem ela amou tanto e colocava como o amor da sua vida, e que não foi tão fácil, quem conhece a história dela sabe que mesmo no convento, ela foi perseguida e injustiçada, sofreu bastante, mesmo doente, mas ela procurava sempre oferecer esse sofrimento as injustiças como sacrifício a Jesus, uma vida doada como Jesus também deu sai vida por nós na cruz, mas, para Santa Teresinha, dizia ela “ó sim, aqui na Terra tudo pra mim é sorriso” mesmo perseguida. Mas não é esse sorriso dos dentes, mas o sorriso da alegria verdadeira, é o sorriso da pessoa que se sente amada primeiro que sabe que suas alegrias não consistem nas coisas materiais e nas coisas do mundo, mas sim na sua amizade, na sua obediência, no seu sacrifício, na sua entrega a Jesus, por amor a Jesus.
A espiritualidade da pequena infância e o amor ao Jesus menino: “quero ser um brinquedo”, o mais simples, a bolinha, não o mais caro e sim o mais simples ela dizia, não precisa ser nada sofisticado, mas simples que pode jogar na parede, jogar para lá e para cá, deixar jogado em um canto, mas também quando tiver vontade aperte contra seu peito. A dinâmica do reino de Deus desse possuir, desse ser amado primeiro e deixar ser amado é a dinâmica dos pequenos e Santa Teresinha entendeu isso se baseando no Evangelho. Jesus aos seus discípulos, quando eles discutiam quem seria o maior, pegou uma criança colocou no meio deles e disse “se vocês recebem essa criança, recebem a mim e quem me recebe, recebe aquele me enviou”. Como o Evangelho de ontem disse, em outro momento Jesus diz “quem não for como criança não entrará no reino dos céus”. Grande no reino de Deus, meus irmãos e irmãs, é quem se faz pequeno no mundo e o pequeno é aquele humilde, aquele que serve. Santa Teresinha entendeu tudo isso na sua espiritualidade e na sua contemplação nesse amor e nesse se deixar ser possuída por ele, por isso que a Festa da Padroeira é o momento de a gente retomar o exemplo e testemunho baseado nos textos sagrados e na palavra de Deus.
Então contemplemos Jesus Cristo olhando esse exemplo de vida que nos ajuda a ser mais Dele, a estar mais com Ele, porque é Ele o sentido de nossa vida, foi Ele que nos salvou, se rebaixou, se fez pequeno e servo de todos, e é Ele, como disse no Evangelho, que nos dá acesso ao céu e Santa Teresinha disse “viverei o meu céu aqui na Terra”. Foi Ele que deu acesso a ela, é Ele que nos dá acesso, porque Deus abriu o céu que ela tanto almejou para nós, com sua morte e ressurreição. Não é pecado nós desejarmos o céu, o que a gente não pode é ser arrogante e autossuficiente, se achar melhor que os outros e achar que está salvo. Temos que ser pequenos, humildes e servos e é por isso que Jesus diz a Natanael “coisas maiores que essa verás”. O que será que Natanael viu em Jesus? Porque Jesus disse “eu te vi debaixo da figueira antes de você me ver”, qual é o enigma que tem atrás dessas palavras de Jesus? Você verá os anjos de Deus subindo e descendo para dizer que quem dá acesso a glória é Ele, que é o senhor dos anjos, Jesus Cristo, os anjos que estão a serviço Dele. Os anjos que são mensageiros e hoje celebramos os arcanjos então vamos contemplar esses seres celestiais que servem a Deus.
Como Santa Teresinha entendeu tudo isso e se colocou em serviço, nós também devemos nos colocar a serviço dos outros com simplicidade, humildade e pequenez, assim estaremos no caminho certo de Jesus, de santidade, almejando as coisas do alto, mas com simplicidade como seu exemplo nos motiva. Que Deus nos ajude pela intercessão de Santa Teresinha e que seus anjos também nos ajudem e protejam nesse caminho de conversão em direção as coisas do alto, amém!
Homilia: Pe. Francinaldo de Souza Justino - 2° dia do Tríduo de Santa Teresinha (Ano A) - 29/09/2020 (missa às 19h30)
Nada é pequeno se feito com amor
28/09/2020
Queridos irmãos e irmãs, que alegria de poder estar aqui novamente, nesta casa! Num primeiro momento um pouco triste porque os bancos aqui estão vazios, mas o coração traz você que nos acompanha de uma forma muito pessoal, muito presencial. Que bom que nós temos esse momento! Deus nos dá essa graça de pelo menos nos vermos, e com isso celebrar, como irmãos, esse momento agraciado de fé. Que legal ver a turma, a cerimoniária, o animador, o pessoal do canto, o pessoal da liturgia que preparou essa liturgia tão bonita para iniciarmos a nossa jornada.
É muito interessante perceber, celebrar um padroeiro a cada dia. A paróquia-comunidade é chamada a se identificar com ele. Hoje nós nos identificamos com Santa Teresinha, e uma das frases que eu sempre rezo chama a atenção naquilo que ela significa para toda a igreja; dentre tantas outras que ela diz, uma me chama muita atenção: “nada é pequeno quando é feito por amor”. Ou seja, por menor que seja, existe um significado muito grande! Por menor que seja um gesto, muitas vezes, aquele gesto é a própria grandeza de Deus que é manifestada por meio de nós. Por aí a gente entende até mesmo o próprio Evangelho de hoje [Lc 9,46-50] e a Primeira Leitura [Jó 1,6-22], que nos conta a história de Jó.
A história de Jó não é para encontrarmos ali explicações do sofrimento. Quantos sofrimentos estão acontecendo agora, durante todo esse período tão difícil que estamos passando? Eu mesmo estou passando por um terrível. Mas, diante de tudo isso, onde que Deus está? Jó não é para explicar, mas Jó é aquele que nos ensina a conhecer, saber onde Deus está no momento que mais nós sofremos, porque no sofrimento nós ficamos cegos, a gente não enxerga nada, somente a dor que acontece. Mas Jó nos ensina onde Deus está para ir nos dando aquele alento. Por isso que é muito importante nessa leitura que ele vai dizer: “Deus deu e Deus tirou”.
Quantas vezes a gente escuta quando alguém diz, na partida de alguém: “foi Deus que quis que a pessoa morresse”? Deus não é um Deus da morte. Mas por que, então, aconteceu isso? Deus dá, Ele dá com Seus braços, dá o Seu coração, dá tudo que Ele tem e possui para nós. Mas o que Ele tira, Ele tira com uma pequena pinça, onde Ele vai tirar a amargura, a tristeza, a falta de esperança, muitas vezes a entrega que coloca diante daquele momento difícil. É isso que Ele vai tirar. Por isso que as respostas que vamos tendo para o sofrimento não são respostas lógicas, mas a nossa vida, nossa história vai se identificando com as situações, e ali Ele mesmo vai respondendo aos nossos anseios.
Por isso que Jesus no Evangelho diz hoje: “temos que ser como uma criança”. Para poder compreender temos que nos colocar diante da situação como um pequenino, uma pequenina. Mas por quê? Para mostrar essa grandeza de Deus que existe em nós. É muito interessante a criança; quem nunca se apaixonou quando vê um pequeno, não é? Quem nunca se apaixonou por uma criança, e, muitas vezes, a pessoa começa a criar um vínculo de amizade a partir da própria criança junto à família. Mas a criança é aquela que vai conhecendo o mundo, vai se abrindo, e aquilo vai, cada dia, se tornando um encanto onde quer que esteja.
É isso que Jesus chama a atenção. E isso nos leva a perceber que quanto mais nós vamos conhecendo, mais nós temos que transmitir àqueles de uma forma muito singular, muito particular. Não porque somos melhores do que os outros, mas porque é necessário e essencial para que a vida e caminhada da pessoa possam continuar. Por isso, por mais que você ache que a sua fé é pequena, ou, às vezes, não tem sentido nenhum, pode ter certeza: é esta fé que mostra grandeza no momento de maior sofrimento que a pessoa possa estar tendo.
É que nem outro dia: eu fui parado no trânsito e ali um rapaz pediu um dinheiro, infelizmente quase que eu pedia também, junto com ele. Mas, diante do vidro aberto, ele falou uma coisa muito interessante: “eu quero agradecer ao senhor porque o senhor não fechou o vidro para poder olhar a mim, e, mesmo dizendo que não tinha, pelo menos conversou comigo”. São esses gestos que muitas vezes falam muito, que às vezes a gente não entende, só depois que a gente analisa e percebe a sua grandeza.
Então vamos pedir que essa Eucaristia nos fortaleça e nos ilumine. E, que cada dia, Santa Teresinha possa ser o sinal de luz e graça a você que continua a sua caminhada. Continue caminhando, persista! Não se sinta menor que os outros ou insignificante, mas leve sempre essa grandeza que Deus te deu, do jeito que você é. Sendo cada dia um sinal de graça e de ternura, levando sempre a esperança e a paz a tantos corações que, nesse momento necessitam da presença e da luz do Senhor.
Louvado seja o nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado.
Homilia: Pe. Flávio José dos Santos – 1° dia do Tríduo de Santa Teresinha (Ano A) – 28/09/2020 (missa às 19h30).
Humildade e obediência: caminhos para a conversão
27/09/2020
No Evangelho de hoje [Mt 21,28-32], Jesus está se confrontando com a nata do judaísmo, sacerdotes e os anciãos eram juízes, legisladores, administravam o templo. Jesus chama a atenção deles que não acreditaram nem vendo João Batista e mais, vendo que os chamados pecadores públicos acreditavam em João Batista e se convertiam, nem assim eles se puseram a pergunta: “Mas será que o que João Batista está falando não é pra mim também? Olha o resultado, pecadores públicos que nós desprezamos, eles estão se convertendo”. Esse é puxão de orelha que Jesus dá neles, e é sério, muito sério!
Jesus, então, conta essa parábola: eram dois filhos e o pai precisava de trabalhadores na vinha, mandou o primeiro e ele respondeu bem mal educado que não iria, mas depois caindo em si se arrependeu e foi, quem é que no Evangelho cai em si e muda de caminho? O filho pródigo! Ele volta para o pai, aqui esse primeiro filho cai em si e faz a vontade do pai. O segundo filho dá logo a resposta que o pai quer ouvir, mas, na verdade, não vai até a vinha. Nós facilmente reconhecemos assim como também os sacerdotes e anciãos também reconhecem que o segundo filho é quem não fez a vontade do pai. Quem fez foi o primeiro, que mesmo tendo respondido que não iria, caiu em si e mudou de caminho.
Quando nós ouvimos essa parábola, de que lado nos colocamos? Com qual desses dois filhos nos identificamos? Muito facilmente nos identificamos com o primeiro, só que só conseguimos fazer como igreja – e aqui o padre está incluído – só conseguimos fazer um caminho de conversão constante se eu me coloco no lugar do segundo filho, que está sempre dizendo “sim, senhor”. A gente vai à igreja, é bom, tenta isso, tenta aquilo, mas muitas vezes não percebemos que estamos sendo bem pouco discípulos de Jesus.
Se pegamos a Segunda Leitura [Fl 2,1-11], temos um dos hinos cristológicos mais bonitos que existem no planeta e ele fala que onde tem um espírito tem amor, acolhida e bem querer, os valores do Reino, e qual é o problema? Quando nós na comunidade nos achamos melhores que os outros “eu sei mais, eu posso mais, eu sou mais amigo do padre, eu vou na igreja todo dia, eu sei rezar” e achamos que isso é um grande tesouro que nos faz melhor que os outros. São Paulo vai dizer: tenha diante dos olhos sempre Nosso Senhor Jesus Cristo que mesmo sendo Deus igual ao Pai não ficou dando glória de si mesmo, mas se esvaziou, tirou de si a própria glória, se fez um de nós e foi obediente ao Pai e aceitou morrer na cruz, morte infame e como Santa Angela disse “desceu ao frio do túmulo” por isso o Pai o exaltou e lhe deu um Nome que está acima de qualquer outro nome. É o Pai que exalta, onde ouvimos algo parecido? No Magnificat, “o poderoso fez em mim maravilhas (...), Ele olhou pra humildade de sua serva”. Só uma pessoa de coração humilde, capaz de não se achar melhor que os outros, mas chamada a ser servo dos outros, é capaz de constante conversão. E, nesses discursos de Jesus e São Paulo, muitas vezes nós somos o segundo filho e essa é a grande chance que temos de nos converter.
Senhor, me ajude a ver onde eu não sou convertido, quebra minha cara, mostra o Seu caminho, que é Jesus crucificado.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 26º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 27/09/2020 (missa às 10h).
Ter o pensamento de Deus
20/09/2020
Este é um Evangelho [Mt 20,1-16] muito intrigante. Jesus fala deste patrão. Naquele tempo, há cerca de 2000 anos, nós temos 99% das pessoas que trabalham ou na agricultura ou cuidando de animais lá nos confins da Palestina. E o que acontece? No tempo da vinha, muitas pessoas têm que ser contratadas para recolherem as uvas. Você não pode levar 3 meses para recolher as uvas porque é muito rápido o processo de amadurecimento. Então, temos lá estes trabalhadores que oferecem seus serviços, que nem nossos boias-frias. E estes homens são contratados logo de manhã e o patrão concorda em pagar uma diária, que naquela época era uma moeda de prata. Durante o dia, ainda tem muito trabalho na vinha e ele vai outras vezes chamar trabalhadores. Chega a um ponto de chamar gente faltando uma hora para acabar o trabalho.
Chega o fim do dia, e ele pede para chamarem os trabalhadores de trás para frente: primeiro, os que começaram a trabalhar mais tarde e, assim, trabalharam menos horas. Estes trabalhadores saíram com a moeda de prata, um dinheiro com o qual dava para se alimentar por um dia. Ou seja, você trabalhava por um dia de alimentação. E o que começa a ser apresentado aqui? Jesus está revelando como é o coração de Deus e como é o nosso coração. O coração de Deus dá tudo o que ele tem. Deus não se dá para nós em pedacinhos. Deus se dá inteiro.
A nossa justiça, quando ela é boa, ela é retributiva: dá a cada um o seu. Mas, na maioria das vezes, a nossa justiça é punitiva e vingativa. Nós vemos na atitude dos trabalhadores que começaram a trabalhar na primeira hora: “como que é isso? Isso é injusto! Eu trabalhei o dia inteiro. Você tem que se vingar deste sujeito que só trabalhou uma hora. Você não pode dar para ele o mesmo que vai dar para mim”. Acreditam em uma justiça torta. Mas Deus não pensa assim. Deus se dá inteiro. Porque o homem que trabalhou uma hora tem que comer por aquele dia. É um ser humano.
O pensamento de Deus é muito diferente. Nós, cristãos, muitas vezes, e em especial em tempos de crise como a pandemia, somos tentados a pensar como o mundo: “ah, o que importa é ter o dinheiro. As pessoas? Não importam. Pode mandar embora. Deixa passar fome, isso não é problema meu”. Isso é pensamento do mundo e não pode ser pensamento de um cristão. As pessoas vêm em primeiro lugar. O que eu estou disposto a sacrificar pelo bem das pessoas? O pensamento de Deus é diferente e nós, cristãos, temos que aprender a pensar como Ele.
Vou contar uma breve história de um filme, que era a segunda parte da história da Alice no país das maravilhas. Havia a rainha vermelha que tomou o poder. E a Alice foi ajudar a rainha branca, que era toda boazinha, muito poderosa, que tinha o poder enorme de dar a vida. Era seu único poder: ela só podia dar a vida. No fim, há uma guerra danada e a rainha vermelha perde e vai ser mandada para a prisão junto com seu maior protetor. E ele fala: “não, me mate. Prefiro ser morto do que viver sempre perto desta mulher perversa”. Daí a rainha branca diz: “isso eu não posso fazer; eu só posso dar vida; este é meu poder”. A vida que Deus dá é vida para todos. Não tem quem mereça mais e quem mereça menos. O nosso horizonte é a casa do Pai. Na casa do Pai, não dá para guardar tesouros. Na casa do Pai, nós temos a mesa comum dos irmãos, onde todos têm o necessário. Não falta e não sobra a ninguém. Não dá para acumular porque não tem sentido. Porque ali nós temos a presença de Deus. E nós temos que aprender a pensar como Deus. E a justiça de Deus é a bondade. Nós podemos dizer até que Deus não sabe dar outra coisa que não seja vida, bondade, misericórdia e acolhida.
Vamos nos perguntar em que lugar desta fila que vai receber o pagamento nós estamos. Cuidado, pois cristãos, muitas vezes, podem estar lá reclamando de Deus porque Ele está sendo bom. Não caiamos no mesmo erro destes trabalhadores nos quais Jesus dá um puxão de orelha. E Jesus dá para eles a vida e não um castigo por meio desta lição. O patrão deu a moeda que foi prometida. As pessoas estão reclamando de ter sido cumprido justamente aquilo que foi prometido.
Vamos pedir que o Espírito Santo inflame o nosso coração para que possamos ter o coração cada vez mais semelhante ao de Deus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 25º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 20/09/2020 (missa às 10h).
Perdoar sem limites
13/09/2020
Semana passada, nós ouvimos o evangelho da correção fraterna: "Quando teu irmão pecar contra você, vai e conversa com ele" [ref. Mt 18, 15-20]. Hoje, o Evangelho está nos falando sobre o perdão ao teu irmão que peca contra você [Mt 18,21-35]. São Pedro diz: "Quantas vezes devemos perdoar? Até sete vezes?"; Jesus vai responder: "Não sete, mas setenta vezes sete". Falava-se muito com linguagem de números naquele tempo, e sete era um número perfeito. Mas Jesus quer que vamos além da perfeição. Sempre! O teu perdão não pode ter limite! Por quê? Nós temos que ser como filhos e filhas do Pai. O perdão de Deus não tem limite, somos nós que colocamos limites nas coisas. Nós somos vingativos, nós queremos que a justiça se vingue das pessoas. Deus não quer isso. Deus pensa de outro jeito, e Ele age de outro jeito. Se nós pensarmos nas últimas palavras de Jesus na cruz, no Evangelho de São Lucas: "Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem" [ref. Lc 23, 34]. Jesus não fala isso para um ou dois pecadores; Ele está pedindo perdão para os monstros que criaram toda aquela armação para destruí-Lo de uma forma cínica e que ainda estão ali, debochando Dele, aos pés da cruz. É um absurdo! E Jesus pede perdão por esses.
Nós somos chamados a pensar como Deus, a agir como Ele, a acreditar no ser humano. "Nossa, padre, mas não dá para acreditar em todo mundo". Não mesmo, ser cristão não é ser bobo. A justiça, neste mundo, tem que ser feita, mas de forma justa, para educar, para reinserir as pessoas na sociedade. Uma pessoa que comete um crime grave tem que pagar pelo crime, porque fez um mal para o tecido social; mas, como eu disse, para ser reeducada e reinserida no sistema social.
Em uma sociedade em que existem tantas injustiças, tantos preconceitos, nós temos que sanar muita coisa, e o perdão é uma guia para o ressanamento social. Se nós olhamos o grande número de portadores de drogas – hoje está em um debate político essa questão –, as nossas cadeias estão com uma população absurda de encarcerados por porte de droga. Não por tráfico, por porte. E a maior parte são jovens e negros. Isso é uma doença, um pecado da nossa sociedade: estigmatizar o preto e o pobre. O que é preciso fazer? Mudar a lei, melhorar as condições de vida das pessoas, garantir educação básica a essas pessoas para que nós possamos, realmente, ter uma sociedade reconciliada.
Nós, cristãos, temos que arrancar do nosso coração a palavra e o sentimento da vingança. Isso não é de Deus! Isso não é da Sagrada Escritura! O coração de Deus é um coração que ama, um coração que perdoa. Vingança, ódio, não podem estar no coração de um cristão. E quando nós percebermos isso no nosso coração, vamos pedir ao Senhor que nos converta, que coloque no nosso coração o coração Dele, para que nós possamos amar e sentir como Deus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 24º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 13/09/2020 (missa às 10h).
Somos todos irmãos
06/09/2020
Vocês se lembram que eu falei que no Evangelho de São Lucas existem cinco grandes pregações, cinco grande sermões de Jesus para lembrar os cinco livros do Pentateuco, a Lei? O Evangelho é a nova e definitiva lei de Deus, a revelação de Deus. E nós estamos no quarto discurso que é sobre a comunidade dos discípulos, onde nós encontramos uma situação, que é uma situação humana também dentro da comunidade e Jesus nos ensina como fazer... Papa Francisco tem insistido muito nisso também ‘se teu irmão’ - não é qualquer pessoa, não é uma pessoa que não te conhece, que não tem nenhum afeto por você, o teu irmão, irmão na fé, é um irmão da comunidade, - ‘pecar contra você, vai e conversa com o teu irmão’, você e ele. Não fique falando para os outros, não fique cutucando os outros, não fique levando notícias para todo mundo, menos para a pessoa. Está errado. Vá e converse pessoalmente com a pessoa. O falar do outro, falar que estamos ofendidos e chateados, só cria mais mal estar entre as pessoas. Vai e resolve com a pessoa, não fale por trás, resolva com ela, é teu irmão, é tua irmã na fé. E muitas vezes, essas situações se resolvem, porque você dá a outra pessoa a possibilidade de se explicar.
O que o Evangelho diz: ‘se essa pessoa, até na conversa pessoal você com ela, não percebe, não quer ver o erro que ela esta cometendo contra você, vai e fale para duas pessoas, não para a comunidade inteira, duas pessoas, para que elas venham junto com vocês tentar conversar com a pessoa. Se nem assim essa pessoa escuta, fala para assembleia, não é falar mal da pessoa, é quase chamar a pessoa em juízo. Você está errando, você está me passando a perna, isto não é cristão, se nem assim a pessoa escuta, deixa de lado, Deus vai cuidar dela.
Falar do outro, sem confrontar a pessoa, destrói a comunidade, destrói a família, destrói o ambiente de trabalho, destrói a vizinhança. Tem problema, vai e resolve com a pessoa. Nós chamamos isso de sinceridade, pessoa que não tem duas caras. O cristão não pode ser uma pessoa de duas caras, não pode ser uma pessoa que fala por trás dos outros, que arma por trás das pessoas, é muito grave, porque nós temos que construir uma comunidade de irmãos e irmãs, e entre irmãos e irmãs existe sinceridade, perdão e correção.
Depois Jesus, nos diz esta grande frase de consolação: ‘Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, Eu estou aí no meio deles. Peça para o Pai, e o Pai concederá ao seu tempo, ao seu modo, no tempo de Deus, mas Deus escuta’. Por isso que nos neste tempo de pandemia, rezamos juntos mesmo estando longe, mesmo estando cada um na sua casa, aqui na igreja hoje, com o distanciamento, pra que? Por que? Nós cremos que Jesus está aqui, nós cremos que Jesus está unido com todos nós que estamos aqui participando desta missa pelos meios de comunicação. Jesus se faz presente, Deus nunca nos abandona, nós não podemos desistir sem o sustento radical do poder de Deus. Nada em nós pode escapar da mão de Deus, nós estamos mergulhados em Deus e isso para nós deveria ser uma grande consolação. E depois está outra frase: ‘tudo que ligares na terra, será ligado no céus e tudo que desligares na terra, será desligado nos céus.’ que a comunidade dos fiéis junto com seus pastores crer, e iluminado pelo Espírito Santo. A comunidade dos fiéis.
Vamos pedir a Deus que Ele nos ajude a ser sincero, conversar com as pessoas se nós temos problemas com elas. Nesse tempo agora no Brasil, está difícil as vezes até conversar com as pessoas, temos que aprender a dialogar. E o diálogo se dá no respeito, mesmo com opiniões diferentes. Aprender a conversar com outro, aprender a respeitar o outro, porque o que nos move é o amor de Jesus Cristo. O outro para mim é um irmão, a outra para mim é uma irmã, é isto vale mais do que qualquer posicionamento. O outro e a outra são irmãos.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 23º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 06/09/2020 (missa às 10h).
O caminho de Jesus é serviço
30/08/2020
Domingo passado, nós ouvimos a profissão de fé de Pedro. Jesus perguntou: "Quem vocês dizem que eu sou?", e Pedro respondeu corretamente: "És o Cristo, o Filho do Deus Vivo". Então Jesus confirma a fé de Pedro e, logo depois, faz este discurso: "O Filho do Homem irá para Jerusalém, vai ser processado, flagelado, morto e ressuscitará ao terceiro dia". Jesus não está falando como um visionário, como um "bruxo" que lê as cartas. Quando você coloca a mão em uma caixa com fios de alta tensão, você sabe que, mais dia, menos dia, irá se queimar; não precisa ser visionário para saber disso. Todos os profetas foram assassinados, todos; nenhum deles morreu tranquilo, na própria cama; João Batista tinha sido morto por ordem de Herodes poucas semanas antes – por isso Jesus fugiu de Herodes. Então Jesus sabe que a vez Dele vai chegar, e ele mostra: "O futuro é este, e esse futuro dará em morte, porque o que eu prego, o mundo não aceita".
Pedro, quando reagiu a essa Palavra, mostrou que a profissão de fé que ele acabava de fazer – "Tu és o Cristo, Filho de Deus" – não tinha o mesmo conteúdo que Jesus entendia. Pedro falava do messias que o povo esperava, um messias político, que ia reunir o povo de Israel, subjugar as outras nações, expulsar os romanos da Palestina e fazer com que Israel fosse a maior nação do mundo. Essa era a ideia doida que eles tinham – um país minúsculo, com ideias megalomaníacas. E foi essa ideia que destruiu o povo de Israel 40 anos depois. Jesus vai logo responder para Pedro: "Esse pensamento não é de Deus. Suma daqui! Você não pensa como Deus". Porque Deus pensa diferente, a salvação de Deus é outra.
Jesus vai dizer: "Quem quer ser meu discípulo, tome a sua cruz todos os dias e me siga. Renuncie a si mesmo". O que quer dizer isso? Que temos que pegar um chicote e ficar batendo nas costas? Colocar pedras no sapato para machucar, para sofrer? Isso é masoquismo, bobagem. Jesus está falando para renunciar a si mesmo, fazer-se servo dos outros, servir aos outros. Não é renunciar à própria inteligência, aos próprios talentos; é usar tudo isso para o bem do próximo, para o bem da comunidade. Ser servidor, e não se valer de tudo isso para crescer e pisar nos outros. Este é o grande desafio que Jesus nos faz: ser servos. Tomar a cruz todos os dias é exatamente isso, porque a renúncia a esse desejo enorme que nós temos de ser deuses – o grande pecado de Adão e Eva – é algo que temos que lutar contra todos os dias, mudando de mentalidade, como diz São Paulo.
Que nós tenhamos, descubramos em nós esse tipo de pensamento, de desejo, não é o problema. O importante é olhar para Jesus, para sua mentalidade, seu modo de agir, e ir acertando nossos passos com os passos Dele. Olhar para Jesus e acertar meu passo com o Dele dói, mas isso é a cruz. "Ah, mas se eu sou servo dos outros, depois não vou ter reconhecimento". Esse é o caminho de Jesus. E quem é que vai reconhecer o que você fez? O servo por excelência, que é Jesus, quando Ele vier na glória dos Seus anjos e santos. Porque o sentido da nossa vida, do nosso empenho neste mundo, é medido e pesado pelo momento do encontro com Jesus. Naquele momento, nós apareceremos diante de Jesus como somos – ou como fomos, porque o único que "É", é Deus.
Construir, dia após dia, o caminho do discipulado; mudar a mentalidade; a isso nós chamamos "conversão", para agir e pensar como Jesus. É isso que nós temos que fazer. Parar de chamar, por exemplo, os pobres e sofredores de "vagabundos"; parar de acusar as pessoas que nos param no farol, que lavam o vidro do carro, vendem bala ou até aqueles que pedem mesmo alguma coisa – aqueles são nossos irmãos que sofrem. Se você não tem nada de material para dar, ao menos dê respeito! Todos nós podemos dar respeito para os outros, e não acusar as pessoas porque são diferentes. Temos que abraçar o outro por aquilo que ele é, porque Deus faz assim, Jesus fazia assim. Amar e respeitar o outro na sua diferença, sem julgar, pois a Deus cabe o juízo. Esse é o caminho de conversão, caminho de mudança.
E quando nós aceitamos seguir Jesus, pode acontecer o que aconteceu com o profeta Jeremias. Jeremias é um profeta dolorido. Se o profeta Isaías era luminoso – ele anunciou que Jerusalém não seria invadida e viu essa promessa de Deus ser cumprida, viu as tropas da Síria sumirem do dia para noite dos arredores de Jerusalém e não voltarem; ninguém podia acreditar naquilo, mas Isaías viu a promessa luminosa de Deus –, por outro lado, Jeremias só anunciava desgraça. "Esta cidade será invadida, não sobrará pedra sobre pedra, vocês todos irão para o exílio". Ele fazia sinais terríveis – abria brechas nos muros e passava à noite, falando que era aquilo que aconteceria com o povo, que seriam todos exiliados e sairiam pelos muros da cidade, humilhados, com a cabeça coberta, expulsos daquela terra. E o que o povo falava? Que Jeremias era tonto, e o ameaçavam. O anúncio que ele fazia era amargo, mas, tempos depois, Jerusalém foi invadida, o rei foi deportado, os grandes do povo foram levados embora e o templo foi destruído. Jeremias, provavelmente, foi deportado para o Egito e assassinado. E ele disse: "É terrível ser anunciador disso, mas Deus me seduziu. Ele me mostrou o caminho, e eu não consigo não seguir por ele, mesmo que as pessoas riam de mim, mesmo que me chamem de bobo, mesmo que digam: 'Você não vai aproveitar a sua vida'. Eu não posso deixar de anunciar o que meu Senhor mandou, porque Ele é como um fogo dentro de mim, e Sua Palavra queima em meus ossos".
Quem encontra o caminho de Jesus se encontra nessa situação de Jeremias: sabe que o caminho é aquele, que a via é aquela; mesmo que os outros riam da minha cara, que as pessoas até tramem minha morte por não gostarem de ouvir o que eu falo, eu não posso deixar esse caminho. É igual ao homem que vende tudo porque encontrou um tesouro num terreno; os outros vão chamá-lo de louco, mas ele sabe que não é loucura; ele vai, compra aquele terreno e, ali, tem um tesouro. São as mesmas palavras do profeta Jeremias: "O Senhor me seduziu, eu não posso abandoná-Lo. Eu sei que isso me custa, mas esse fogo me guia pelo Teu caminho"; "Eu não vou abandonar este caminho. Eu vou vender tudo para ficar com este tesouro, que é a Palavra de Deus".
Hoje, no encerramento do Mês Vocacional para a Igreja no Brasil, nós celebramos o Dia do Catequista. Os catequistas e as catequistas são o braço direito da Igreja, que pregam o Evangelho e ensinam a conhecer, amar e seguir Jesus. Só ama quem ouve falar; só ama quem conhece, então é preciso alguém para anunciar – isso é São Paulo. Quem ama, segue. Então a grande missão dos catequistas é levar a conhecer Jesus e, desse modo, acender o amor por Ele e o desejo de segui-Lo. O batismo é a porta desse caminho. E esse caminho é ouvir a Palavra, conhecer a Palavra, conhecer Jesus. Conhecer Jesus para viver, no dia a dia, no nosso estado de vida, o Evangelho. Este caminho guia toda a nossa vida. Todas as vocações são unidas e guiadas pela Palavra, pela fé que nos é dada no batismo.
Todos nós somos chamados a seguir o Evangelho, todos nós somos chamados à conversão. Conversão é mudar nosso modo de agir e de pensar conforme o jeito de Jesus. Jesus é servo. Jesus é fiel. Jesus não faz acepção de pessoas. Jesus ama, com um amor que não mede consequências; o amor de Jesus não tem limite! Dá vida. Esse é o modelo. A Catequese nos ajuda a conhecer, amar e seguir esse caminho. Vamos pedir a Deus que ajude todos nós a viver o serviço e o amor que Jesus nos propõe no Evangelho.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 22º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 30/08/2020 (Dia Nacional do Catequista, missa às 10h).
O Papa é o escolhido para guiar o povo de Deus na terra
23/08/2020
Hoje nós ouvimos esta passagem do Evangelho de São Mateus [Mt 16,13-20]. É a mesma passagem que se lê no dia em que o Papa inicia seu ministério "Petrino". Antigamente, se dizia "a coroação do pontífice". A partir do Papa João Paulo II, não existe mais a "coroação do Papa". Existe o início do ministério "Petrino". O Papa recebe o ministério no momento em que, diante dos eleitores, ele diz "eu aceito". É um carisma dado, diretamente, por Jesus Cristo. É um carisma, não uma ordenação, da qual o próprio pontífice pode renunciar, como o Papa Bento XVI fez. Um sacerdote, um diácono ou um bispo podem até deixar o ministério, mas nunca se dissolve o sacramento da ordem porque ele imprime um sinal na alma. O Papa carrega esse sinal porque ele é bispo, é diácono, sacerdote, presbítero e também epíscopo. Mas o ministério Petrino é um carisma dado por Jesus, confirmado e mantido pela força do Espírito Santo.
Quando o Papa exerce esse poder? Quando ele prega o Evangelho de Jesus Cristo. Quando ele confirma a fé dos seus irmãos e irmãs. Nós podemos dizer que todos os papas desde São Pio Décio são santos. Mesmo o Papa Pio XI, para o qual não sei se foi aberto o processo de beatificação, foi um homem que enfrentou grandes ditaduras ideológicas do tempo – o nascente fascismo e o nascente nazismo. Ele as enfrentou de uma forma rigorosa e foi responsável por uma grande expansão missionária da Igreja no século XX. Papa Bento XV foi o Papa das "entreguerras". Foi um grande homem, visionário, muito progressista para seu tempo. Depois, nós temos essas figuras maravilhosas: Pio XII, o Papa da Segunda Guerra Mundial e, depois, estes 3 santos – João XXIII, Paulo VI e João Paulo II – que coroaram a segunda metade do século XX, especialmente, com o Concílio do Vaticano II que, muitas vezes, tem sido afrontado por grupos tradicionalistas.
É interessante como nós manipulamos palavras do Papa. O Papa Paulo VI uma vez disse: "a fumaça de Satanás entrou por brechas na parede da igreja. E esses são os que não aceitam o Concílio”. Essa segunda parte da frase quase ninguém usa. Quem não aceita o Concílio não trabalha pela unidade da Igreja. O Papa é, para nós, sinal de unidade. Assim como o bispo na diocese. O clero e o povo de Deus estão em volta dessas duas figuras: o Papa, para toda a Igreja; e o bispo, para a Igreja local. Para Igreja Católica, o Papa Francisco. Para Igreja Católica local, em Santo André, o bispo Dom Pedro. Então o Papa, para nós, é essa figura que nos lembra Pedro.
A igreja de Cristo nunca saiu do mar do mundo. Caminhando, às vezes com mais dificuldade, às vezes com mais facilidade. Quando nós temos homens santos que guiam a igreja, o povo também tem vantagens com isso. O povo se anima. Quando temos pecadores, o povo fadiga mais. Porém, Jesus está sempre nesse barco, e prometeu para Pedro sobre a Igreja: "As portas do inferno não vão destruí-la".
Nós vemos fraquezas, pecados, escândalos. E se nós olhamos a história da Igreja, nós achamos absurdos. Porém, por mais absurdo que seja, nenhum desses homens ensinou algo que fosse contra o Evangelho de Jesus. Sobre eles paira, ao menos, esta graça: guiar o povo de Deus no caminho do seguimento de Jesus, na fé em Jesus. Que ele seja santo ou pecador, mas guie e aponte o caminho de Jesus.
Na Primeira Leitura, do profeta Isaías [Is 22, 19-23], há esse grande mordomo do palácio do rei, que era praticamente o Primeiro Ministro. Era ele que fazia as pessoas se apresentarem diante do rei. Era ele que concedia muitas graças, cuidava da cidade de Jerusalém. E o Sobna não era um bom mordomo, era um péssimo homem. Então, o profeta Isaías fala sobre uma profecia terrível: "você vai ser destituído e um outro honesto e justo será colocado no seu lugar. E ele vai ser chamado de 'Pai do povo' porque ele será um justo administrador da casa do rei. O que ele abrir, ninguém fecha; e o que ele fechar, ninguém abre”. É a mesma coisa São Pedro e o Papa. No processo de guia do Evangelho de Jesus, a palavra do Papa é infalível, no que diz respeito à fé. Há várias questões de moral não condicionados pelo tempo. Existem períodos em que se acredita em uma determinada coisa e, depois, a ciência e o conhecimento humano demonstram algo diferente. Já as questões de fé são mais claras.
É interessante ver como o Papa realmente anima o povo. O Papa João XXIII, no dia em que abriu o Concílio, fez o grande discurso da Lua. Era muito interessante porque o Papa, naquele dia, tinha aberto o Concílio de manhã, e havia cerimônias o dia inteiro. O povo viu o papa duas vezes e isto foi uma coisa de outro mundo. Essa hora então, o Papa estava jantando - era mais de 21h - e o povo não queria ir embora. O povo ainda estava na Praça de São Pedro. Então veio o secretário e disse: "Santidade, o povo ainda está na praça; vai lá falar para o povo ir para casa; fala alguma coisa para o povo". Ele fez um dos mais belos discursos que um papa tinha feito nos últimos 100 anos. Ele falou assim, de coração: "Olhem a lua, que linda ela cheia, uma maravilha”. Disse também que a Igreja se abria para a renovação. E a última frase foi: "Vão para a casa, façam carinho em seus filhos e digam que isso é um carinho do Papa".
Era de uma luminosidade, de um otimismo, de um brilho que só pode vir da inspiração divina. Este ânimo, este encorajamento é a grande missão do Papa. Nós, alguns meses atrás, vimos Papa Francisco, mesmo com um problema no andar, subindo sozinho as escadas da Basílica que levam para o átrio de São Pedro, em meio à chuva, rezando e abençoando o mundo, pedindo a Deus que o mais rápido possível passasse a pandemia. Eu acredito que um homem sozinho nunca tenha reunido em torno de si tantas pessoas. Sozinho, naquela praça, pedindo a Deus com gestos muito eloquentes, simples. Um velho subindo uma escada; um velho rezando; um velho que se dirige à imagem de Nossa Senhora da Saúde, salvação do povo romano.
Depois, aos pés de Jesus, naquele crucifixo. E, se nós prestarmos atenção, atrás dele estava o cerimoniário, que estava se segurando. Porque aquele era o momento do velho rezando pela Igreja e pelo mundo, toda nossa esperança ali, naquele gesto. Depois a bênção para uma praça vazia, mas para um mundo cheio de esperança. Essa é a missão do Papa: nos dar esperança, aumentar e confirmar nossa fé no caminho de Jesus. Vamos pedir a Deus que ilumine o Papa, sucessor de Pedro. Este Pedro que, mesmo na sua fraqueza, conseguiu manter viva a sua fé. Que Deus confirme sempre, através dos sucessores de Pedro, a fé de todos nós no seguimento de Jesus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Assunção de Nossa Senhora (Ano A) –23/08/2020 (Domingo da Vocação para os ministérios e serviços na comunidade, missa às 10h).
Maria: o primeiro anúncio da Boa Nova
16/08/2020
Hoje a igreja celebra a Assunção de Nossa Senhora. Maria foi a primeira discípula de Jesus, desejada por Deus desde a eternidade, no momento eterno em que Deus, a Trindade, quis a encarnação do Verbo, da segunda pessoa da Santíssima Trindade. Lá, na eternidade, Deus quis uma mãe para o seu filho. Na eternidade, Deus decide a sorte humana. Na eternidade! Deus não criou o mundo para a destruição, Deus não criou o mundo para a falência. Deus criou o mundo para que todos sejam salvos e possam gozar da felicidade eterna de Deus. No tempo, o verbo toma carne no ventre da Virgem Maria, e a presença de Jesus, uma pequena célula, no ventre de Maria, faz com que essa mulher seja a primeira anunciadora de Jesus.
Naquele tempo, havia muitas caravanas, que iam e vinham. A terra de Israel é uma terra de passagem entre os grandes impérios do norte e o Egito, no sul. Então Israel era terra de passagem, então tinha muita caravana. Então, provavelmente, Maria vai, em uma dessas caravanas, até a Judeia. A terra santa, a Palestina, é muito pequena. Ela é quase exatamente do tamanho do nosso estado de Sergipe. Pequena, 21 mil km². Então é rápido se locomover naquela terra. Maria vai, e tem essa frase do Antigo Testamento que diz “como são belos os pés da mensageira que anuncia Sião eis aqui o teu Rei” [IS 52:7]. Essa imagem de Maria caminhando é maravilhosa! Maria vai andando nessas colinas, montanhas da Judeia, carregando em si a promessa de Deus para a humanidade, o Salvador. A própria presença dela é o anúncio “eis aqui o teu Rei, eis aqui o teu Salvador”. Maria vai à casa de Isabel, que também tinha recebido uma graça de Deus. Essa mulher, que provavelmente casou-se com uns 12, 13 anos como qualquer mulher daquele tempo, durante toda a sua vida, não pôde ter filhos, agora quem sabe, lá nos 45, quase 50 anos, quando as esperanças são praticamente zero para uma mulher ter filhos, vamos pensar, no fim da menopausa, e, de repente, esta mulher engravida. Ninguém pode acreditar nisso! “Mas que coisa absurda, no tempo da fertilidade ela não ficou grávida e agora que está acabando tudo, acontece esse verdadeiro milagre”. E o anjo tinha falado disso para Maria, então Maria vai levar o anúncio da fidelidade de Deus para Isabel: “Olha aqui, o Salvador mostrou fidelidade para você. Ele mostra fidelidade para o nosso povo. A promessa que Ele fez desde o início está sendo cumprida agora!” Então Isabel, quando escuta a saudação de Maria “Shalom!”, exulta no Espírito Santo e louva Maria com as palavras que nós todos os dias repetimos na Ave Maria: “bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre”. Louvor a essa mulher que traz em si a Salvação. Ela não é a salvadora, mas ela leva, ela anuncia aos outros o Salvador que ela mesma tem no seu ventre.
E o Evangelista coloca na boca de Maria este canto maravilhoso que é o Magnificat, que é um pré-anúncio das bem-aventuranças do Evangelho de Lucas. O Senhor dispersa os soberbos, derruba poderosos, salva famintos, salva os pobres. Deus ama no avesso da história! Essa é a grande mensagem do Evangelho. O nosso Deus não é um deus desse mundo, e quando nós falamos desse mundo não quer dizer terra, sol e lua, esse mundo é da mentalidade que nós humanos criamos. Ele não é da nossa mentalidade não, Ele é diferente! Ele vira o mundo pelo avesso, Ele olha o mundo por aquilo que a nossa mentalidade despreza: os humildes, os pobres, os famintos. Ali está o olhar de Deus, e é a partir dali que Deus vai salvar toda a humanidade, de baixo, a partir daqueles que são o refugo do mundo. Maria nos ensina a louvar a Deus e reconhecer que toda obra da salvação é graça Dele. Maria não canta nada para si mesma: “eu sou uma serva humilde, Ele olhou para o meu pouco, para aquilo que eu não valho. Eu sou nada.” É interessante dizer que Jesus, no Evangelho de Mateus vai dizer: “vinde a mim porque sou manso e humilde de coração.” A humildade é uma característica de Deus. Maria também vai dizer: “olhou para a minha humildade, para a minha humilhação, para o meu nada”. Nós, cristãos, somos chamados na nossa vida a viver sempre na humildade de Deus.
E nós temos depois a vida de Maria. A um certo momento ela se torna discípula de Jesus, nós não sabemos quando, mas, lá no Pentecostes, Maria está com a comunidade dos discípulos e Maria estava perto da cruz. E nós cremos que, no momento da sua morte, ela foi assumida na Glória de Deus, em corpo e alma. Ela brilha para nós como garantia da promessa de Deus para nós. E a promessa de Deus está lá no Antigo Testamento: “meu povo, quando eu abrir os vossos túmulos, quando eu vos chamar dos vossos túmulos, naquele dia vocês verão que eu sou o Deus fiel, digo e faço” [Ez 37:12]. A Assunção de Maria é, para nós, um sinal que Deus nos dá de que esse é realmente o nosso destino. A ressurreição de Jesus é a porta que abre esse caminho para a casa do Pai – Jesus é o caminho! Maria, para nós, mostra que, por esse caminho, todos nós passaremos, essa é a nossa grande esperança, a força para o nosso caminho, a força para enfrentar as dificuldades da vida, as dificuldades desse momento. Tem muita gente que está deprimida, tem pessoas que estão desesperadas. Nós, cristãos, somos o povo da esperança. Quantas desgraças se abateram sobre a humanidade? Sobre povos inteiros! E a humanidade consegue se refazer, mudar as estradas tortas da vida. Às vezes cai em estradas mais tortas ainda, mas muda esses momentos. Nós, nesse tempo de sofrimento, quando a gente fica perdido para todos os lados, não sabe quem está falando a verdade – nós, cristãos, não podemos perder a esperança! Nós somos o povo da esperança. Para quê? Para que nós possamos construir um mundo melhor, um mundo verdadeiro. Maria, para nós, brilha como uma estrela que nos diz “sigam Jesus como eu segui e vocês vão construir um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro!”. Hoje nós temos as desgraças dessas fake news que nos fazem não acreditar mais em quase nada, não é? Então Maria nos aparece como esse sinal, essa garantia: “sigam Jesus e vocês conseguirão construir um mundo de paz, de verdade, de diálogo, de justiça, de solidariedade”.
Muito bem, hoje também nós celebramos junto à Assunção de Nossa Senhora, o dia dos religiosos e religiosas. Quem são os religiosos e religiosas? São pessoas chamadas por Deus a seguirem Jesus seguindo as regras de vida – nós chamamos formas de vida – propostas por alguns santos e santas, pessoas que fundaram esses movimentos. Como nascem os religiosos? Os religiosos nascem no início do quarto século, logo depois que o imperador Constantino dá a liberdade religiosa para os cristãos. Desaparece o martírio, os cristãos não são mais perseguidos, e alguns homens e mulheres começam a achar “mas a vida cristã virou água com açúcar, que negócio é esse?”. Alguns, não poucos, homens e mulheres vão para regiões desérticas, montanhas, vales, para, ali, viver uma vida muito austera. “Como nós não somos mais perseguidos pelo Estado, não somos mais martirizados por causa de Jesus, nós vamos procurar viver uma vida austera para manter dentro do povo de Deus esse sentimento de levar muito a sério o Evangelho”. Dessa forma nasceram as formas monásticas, os beneditinos, os basilianos, várias ordens monásticas dos primeiros séculos quatrocentos, quinhentos do Cristianismo. Essas primeiras formas de vida vão evoluir e depois vão se tornar as ordens religiosas de nós conhecemos por volta de 1200. Depois, nós vamos ter um grande florescimento da vida religiosa nos anos 1500 e, novamente, nos anos 1800. Um número enorme de congregações religiosas voltadas, sobretudo, para a educação, para os hospitais, para as prisões. Naquele tempo, quem cuidava das cadeias eram os religiosos, não era a polícia. Antigamente não tinha escola pública, tinham essas escolas que os padres e as freiras organizavam, e geralmente para as crianças pobres. Também hospitais eram guiados e cuidados por religiosos. Então, os religiosos são para nós esse sinal. Ser cristão é levar a vida cristã a sério. Um pai, uma mãe de família, que levam a vida cristã a sério, são, também, luz para toda a comunidade – são luz para os próprios religiosos, são luz para os padres. Um padre que leva a sério a sua consagração, a sua ordenação, é luz para o povo. Um leigo, uma leiga não casada que leva a sério a sua vida cristã, é uma luz para a comunidade. Nós temos sempre que lembrar que não existe um modo, um cristão de classe A, de classe B, isso não existe. Nós somos todos povo de Deus. Temos várias formas diferentes de viver o cristianismo, a nossa fé, mas não existe classe A ou classe B. O padre não é classe A, os religiosos classe B, e os leigos classe C, isso não existe! O que existe são irmãos, irmãs, discípulos e discípulas de Jesus. Não há classes dentro da igreja, por isso nós somos católicos. Não tem classe, não é exclusividade de uma nação, não é exclusividade de uma língua, não é exclusividade de uma população particular. Ela é chamado para toda a humanidade, católico, todo, totalidade. É chamado a todos serem irmãos e irmãs sem ter distinções e classes.
Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a ser anunciadores do Evangelho como Maria foi anunciadora do Evangelho, e a levar muito a sério a nossa consagração batismal para que nós possamos ser luz, os religiosos possam ser luz, os leigos possam ser luz, os sacerdotes possam ser luz. Todos irmãos e irmãs em Jesus Cristo.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Assunção de Nossa Senhora (Ano A) –16/08/2020 (Domingo da Vocação para a Vida Consagrada, missa às 10h).
Coragem. Sou Eu. Não tenham medo
09/08/2020
Nossa igreja ainda está vazia. Nestes próximos dias, nós vamos treinar o pessoal para acolhida, para guiar as pessoas. E, se não mudar nada, em setembro vamos voltar, devagarinho, às missas presenciais. A gente diz "se não mudar nada" porque não se sabe como esta pandemia é. Os números não diminuem, eles se estabilizaram nos 1.000 – e isso não é uma estabilização: 1.000 pessoas que morrem por dia de covid-19, além das outras doenças, é um número assustador! Teme-se que alcancemos 200 mil mortes até o fim de outubro... São números assustadores! E perceber o esforço mínimo – para não dizer quase desprezível – do nosso Executivo com a covid-19, com esta pandemia que está matando, está tirando tantas vidas de forma totalmente desnecessária... Isso é um absurdo.
Muito bem! Nós ouvimos dois textos muito interessantes. No livro dos Reis [1Rs 19, 9a. 11-13a], o profeta Elias tinha sido perseguido pela terrível rainha Jezabel, depois de fazer sinais potentes contra os sacerdotes pagãos. Ele escapa, foge. Chegando no deserto, para embaixo de uma árvore e pede a Deus: "Deixe-me morrer!". Mas um anjo aparece e lhe dá, três vezes, pão e água. E, com esse alimento, ele caminha 40 dias no deserto, até chegar ao monte Horeb. Lá, entra numa gruta, e Deus fala para ele: "Venha até a minha presença". Então ele escuta este vento terrível, terremoto, fogo... Mas ele sabe que Deus não está nessas coisas. Depois o texto é muito interessante! Nós falamos "Ouviu o murmúrio de uma brisa leve", mas não: "Ouviu o silêncio de uma brisa leve". Nesse momento, ele cobre o rosto, porque ninguém pode ver a face de Deus. O único que vê a face de Deus é o Verbo Eterno, que se esvaziou de si mesmo e entrou em nossa história: Jesus Cristo, Ele vê o rosto de Deus, o rosto do Pai, porque Ele é igual ao Pai, nós não somos iguais a Deus. E aí, então, Deus vai dar uma nova missão para o profeta. Elias tinha pedido para morrer, mas Deus dá uma bronca nele, e Elias vai, unge um rei, unge Eliseu como profeta... Ele tinha outra missão para cumprir.
A presença de Deus. O "Deus Terrível" não é o Deus de Israel; o "Juiz Implacável", o "Deus do Medo" não é o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo! Nós temos que colocar muito bem isso na cabeça. Deus não ameaça, Ele mostra as evidências dos fatos. "Se vocês não se convertem, se vocês não se tornam verdadeiros seres humanos, do que valeu a vida de vocês? Que sentido tem a vida desse jeito?". Perder o sentido da vida é como viver uma vida de lixo. Deus mostra a evidência do viver. "Vocês, na vossa vida, têm que se humanizar". E ser humano é ser que ama, é isso que nos distingue dos animais, é isso que nos distingue do Universo enorme que está em volta de nós. Nós somos capazes de amar! E é no amor ao próximo que se mostra a nossa semelhança com Deus. Uma vida gasta pelo bem dos outros, e nós encontramos pessoas felizes.
Depois, nós temos este Evangelho muito interessante [Mt 14, 22-33]. Jesus ouviu falar que Herodes tinha matado João Batista e fugiu, foi para um lugar deserto, longe. Ali, as multidões foram atrás Dele. Jesus fez o sinal do Pão da Vida, deu pão ao povo, pão no deserto; esse povo foi convidado a não viver mais de uma memória do passado, mas abraçar Jesus, que é o verdadeiro Pão da Vida. Depois, Ele despediu a multidão e falou para os discípulos atravessarem o mar da Galileia e irem para o outro lado, enquanto ele ia se retirar para rezar. Eram horas de travessia no mar da Galileia, um lago gigantesco – tanto que era chamado de mar. E no mar da Galileia existe uma situação muito perigosa, que são os ventos. Como lá é baixo, os ventos descem a 90º e levantam ondas terríveis, que podem realmente afundar barcos, fazer desastres. E elas acontecem de um momento para o outro. Então os discípulos estão ali, driblando como podem essas ondas, quando veem Jesus se aproximar. Depois, Jesus vai entrar na barca e eles vão conseguir se salvar desse mar bravio.
O evangelista pegou esse milagre que Jesus fez para nos ensinar muita coisa sobre Deus, muitas coisas sobre a Igreja e sobre a nossa fé. Jesus subiu para a montanha; Ele não estava com os apóstolos, Ele os mandou: "Vão. Vão pelo mar". Uma ordem de Jesus. Isso lembra Jesus que sobe ao Céu depois da Ressurreição e os apóstolos são mandados a anunciar o Evangelho no mundo, um mundo hostil, que vai matar muitos cristãos, que pensa muito diferente do Reino de Deus. E esses homens estão nessa barca pequena – comparada ao gigantesco mar da Galileia, a barca não é nada. Como é que você vai enfrentar os horrores do mundo? A tempestade simboliza isto, o mar revoltado. Deus é aquele que comanda sobre as águas, que manda que as águas se abram para que passe o povo de Israel a pé enxuto. Deus tem o comando sobre os elementos e sobre a maldade do mundo. O faraó estava correndo atrás do seu povo para exterminá-lo, e o povo, de repente, se encontra com a muralha do mar. "O que nós vamos fazer agora? Estamos perdidos! Só temos o mar a nossa frente e o faraó, louco, atrás de nós". Aí Deus fala: "Não. Eu sou o Senhor da história!", e Ele abre o mar e o povo passa; os egípcios entram atrás, o mar se fecha e morrem todos. Jesus mesmo já tinha acalmado uma outra tempestade no mar da Galileia, comandando os ventos como se comanda um cachorro. Jesus estava no barco, dormindo; a água começou até a entrar no barco, os discípulos se desesperaram, chamaram Jesus. Ele se levantou e disse: "Quieto!" – igualzinho nós fazemos com um cachorro: "Vá para a casinha! Vá embora!". Do mesmo jeito, Ele comanda as forças adversas; e, estas, calam, porque a voz de Deus é soberana.
Então os apóstolos estão lá, no mar, e Jesus vai até eles. Num primeiro momento, pensam que é um fantasma (quando Jesus ressuscitou e apareceu aos apóstolos, Tomé duvidou: "Enquanto eu não tocar a marca dos cravos, não vou acreditar"); eles veem essa figura andando em cima do mar – que coisa mais absurda – e gritam de medo! E Jesus diz: "Coragem! Sou Eu. Não tenham medo". Três vezes. Jesus vai quebrar o ferrão que o maligno colocou no nosso coração no dia do pecado das origens. Primeiro, Jesus chama à coragem: "Não tenham medo, não se desesperem. Coragem! O mar está feio? Vão em frente!". Sou Eu. "Sou Eu" é o nome de Deus. Jesus é Deus como o Pai, e o poder de Jesus está acima do poder do mal. E Jesus vai mais adiante: "Não tenham medo". Para o medo e a desconfiança da bondade de Deus ("mas será que Deus nos ama mesmo?"), Jesus diz: "Não tenham medo. Confiem!". A grande consequência do pecado das origens é perder a confiança em Deus, achar que Deus está nos enganando, está mentindo para nós; não confiar também no outro, começando a vê-lo como inimigo – como Caim e Abel, inveja do outro; e, ainda, a desconfiança sobre nós mesmos. É a desarmonia do coração humano com Deus, com o próximo e consigo mesmo. Jesus vai dissolver esse veneno, dizendo: "Não tenham medo. Não desconfiem de Deus. Não duvidem de Deus. Porque Deus é fiel!". É isso que Jesus está nos ensinando, é isso que vai acabar com o veneno que o maligno colocou no nosso coração, com o joio que ele semeou na nossa vida. Deus é mais que isso, e a confiança radical em Deus vai nos garantir caminhar no meio dessa tempestade.
Aí nós temos Pedro, este homem espontâneo, cabeça dura, orgulhoso e covarde. Porém, é um grande líder. E Ele diz: "Senhor, se é você...". Atentos! "Se é você". A fé de Pedro ainda não é total, ele quer sinais. É uma fé que ainda está fraca, bem fraquinha. Mas é uma fé suficiente. Jesus vai dizer: "Vem", e Pedro começa a andar sobre as águas, indo em direção a Jesus, sob o comando de Jesus. Mas Pedro – que deveria ter os olhos fixos em Jesus, confiar Nele, não duvidar, jogar fora do coração o veneno do maligno – se assusta; ele olha, vê o mar, vê as ondas... Aí a fé fraqueja. "Quem vai conseguir vencer tudo isso?". E é interessante que o Evangelho diz: "Pedro começa a afundar". Mas não é afundar devagarinho... Não, começa a afundar como uma pedra pesada! Pedro é pedra nisso também. Essa pedra é como certas rochas lá do mar da Galileia, que são todas pintadinhas de branco e preto. Pedro é este homem que parece um barco que vai, mas vai balançando, um homem que constantemente tem que se confrontar com sua fraqueza, com sua traição; e, constantemente, gritando a Deus: "Senhor, salva-me! Senhor, salva-me!". A fé de Pedro é fraquinha, mas suficiente para ainda, no desespero, gritar: "Salva-me, Senhor!". E interessante também é o gesto de Jesus, que mostra a fidelidade absoluta de Deus. Jesus, imediatamente, segura Pedro, mostrando, nesse gesto, a sua fidelidade radical. Deus não vai nos abandonar! Nem que nós tenhamos que caminhar pelo vale escuro da morte, porque nem a morte é um problema – nós vimos isso na ressurreição de Jesus, nem a morte. Confiem!
Então Jesus pega Pedro e pergunta: "Por que você duvidou? Homem de pouca fé! Não duvide". E Jesus está falando isso também para nós. Ele não está prometendo um mundo maravilhoso se nós rezamos, se vamos à missa; Ele está nos dizendo: "Não tenha desconfiança de Deus, em qualquer situação adversa da vida, por mais terrível que possa ser". Deus não vai tirar as dificuldades da vida, mas estará sempre próximo de nós. Essa é a fidelidade de Deus. Deus não está "acima de todos", como certos doidos falam por aí; Deus está no meio do seu povo. Cuidado com as bobagens nazistas e neonazistas que nós escutamos da boca de muitas pessoas... Deus está no meio do seu povo, Deus caminha conosco, Deus está presente nas situações de dor e sofrimento do mundo. Deus está no meio de nós.
E aí vem a promessa de Deus, que é esse barco chegar no porto para o qual ele estava destinado. Teve uma santa mística, Santa Emmerich, que teve uma visão da humanidade, e ela ficou aterrorizada. Ela tinha Jesus ao seu lado e falou: "Meu Senhor, mas que horror! O que o pecado fez com a humanidade?!". E Jesus disse: "É verdade. Mas, no fim, tudo vai dar certo". Essa é a confiança serena dos discípulos de Jesus. A realidade pode nos destruir, pode nos esmagar, pode nos matar; mas a fidelidade de Deus nos fará chegar ao porto seguro da Salvação. Nós temos um exemplo disso na vida de Dom Pedro Casaldáliga. Ele não teve medo de enfrentar desprezo, calúnia, perseguição – até do alto escalão, até da Igreja! – para permanecer fiel: "Deus está no meio do povo pobre, Deus está no meio dos indígenas perseguidos, Deus está no meio dos camponeses que estão sendo massacrados pelos grileiros. Eu tenho que ir ao encontro desses sofredores, dar voz a eles, estar com eles, viver a vida deles". Por quê? Ganhou grandes títulos? Não. Foi promovido para uma grande diocese? Não. Recebeu chapéu cardinalício? Não. Porém, gastou a vida fazendo o bem, porque acreditava na fidelidade de Deus. Esta vida, nós podemos gastar! Esta vida, podemos colocar toda a serviço dos outros. Não nos preocupar com títulos, com poder, com dinheiro; gastar a vida pelos outros, porque a chegada no porto da Salvação é segura.
Os pais são, para nós, essa figura. A mãe é o sonho do paraíso perdido – eu gosto muito dessa imagem. É uma imagem muito psicológica, mas diz muito sobre a figura do pai e da mãe. A mãe é esse paraíso que nós perdemos na hora do nascimento e para onde sonhamos a vida inteira em voltar: não tem trabalho, a gente não precisa nem respirar, tem tudo, é quentinho, não tem nenhum problema. O pai é aquele que nos ampara quando esse mundo maravilhoso colapsa com o parto e nós somos jogados fora. A primeira coisa que a criança sente quando nasce não é a necessidade de respirar; o primeiro choque que a criança leva é a queda da temperatura: frio. Muda, o espaço cresce de modo infinito. Esse é o primeiro choque da criança. E a imagem psicológica é a do pai que está ali e recebe essa criança que sai do útero da mãe. Ele é o primeiro que vai acolher essa criança e levá-la, educá-la para enfrentar as adversidades do mundo, enfrentar o mundo. Esta é a missão do pai: ajudar seus filhos a enfrentarem o mundo. Como a águia, no alto do abismo; mal dá para se mexer no ninho; chega uma hora que os filhotes ou aprendem a voar ou morrem. Os pais vão nutrir, vão ficar voando em volta, devagarinho, para as aguiazinhas olharem, verem como é, até o momento em que elas vão se jogar de cima do abismo. Para esse momento, os pais nos prepararam: para o momento de abrir as asas e se jogar na vida, com aquilo que os pais nos deram, com os valores, com as lutas que os pais nos deram. E nós não podemos delegar essa função para a escola, para os catequistas, para a televisão. São vocês, pais e mães, que têm que dar esses valores para os filhos. Vocês têm que educar. Na escola, vossos filhos vão receber informações, formação; mas não substitui a vossa responsabilidade, que é um drama hoje nas escolas – os pais que delegam para a escola uma função que é deles. Vocês têm que educar, vocês transmitem valores, vocês têm que aprender a gastar tempo com os vossos filhos; não dar o celular o tempo inteiro, mas vocês falarem, dialogarem, se confrontarem, brincarem com vossos filhos. Vocês, pais e mães. É uma grande missão! Deus chama, Deus pede. Para que? Para que nós possamos fazer com que este mundo, este aqui, seja o mais parecido possível com aquele paraíso com o qual nós sonhamos a vida inteira. Essa é a via que vai nos conduzir ao porto seguro da Salvação. E nós não temos que ter medo das ondas da vida, das tempestades. Não. Deus está conosco! Não está acima de nós, Ele está conosco, caminha junto conosco, quer o nosso bem, quer a nossa salvação.
Queridos pais, feliz Dia dos Pais! Bendito seja Deus pela vossa missão, pela vossa vocação maravilhosa. Vocação primordial, que está no momento da criação dos homens. A maior de todas as vocações: a maternidade e a paternidade. Deus abençoe todos vocês e dê a vocês, realmente, coragem, fé na fidelidade de Deus. Sejam, vocês mesmos, sinal desta fidelidade para vossos filhos, e nós teremos, realmente, um mundo melhor.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 19º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 09/08/2020 (Domingo da Vocação Familiar e Dia dos Pais, missa às 10h).
Lutar contra as desigualdades é papel de todos
02/08/2020
Na bíblia, imediatamente antes deste Evangelho [Mt 14,13-21], nós temos o relato da morte de João Batista. Esta morte acontece durante um banquete dado pelo Rei Herodes para os poderosos de sua corte: os generais, os nobres, a sua esposa Herodíades. Muitas vezes, para que os grandes se banqueteiem eles precisam criar multidões de famintos. Assim como ocorria nas demonstrações de poder do império romano e de todos os impérios, criando acúmulo nas mãos de poucos e miséria para milhões. E nós não estamos muito longe disso não. O nosso país está em uma situação triste.
Jesus fica sabendo disso e vai para um lugar deserto e distante porque Herodes era terrível. Ele parecia ser bonzinho, mas ele era tremendo. Em todo grupo que ele achava que iria fazer um barulho qualquer na sociedade, ele pegava o líder e cortava a cabeça para dispersá-lo. Fez exatamente isso com João Batista e depois vai ajudar a fazer com Jesus. Jesus sabe disso e então escapa e vai para o deserto, onde encontra a multidão. O deserto não é a corte, a multidão não são os nobres. E quando é dito no Evangelho que Jesus curou os doentes no deserto, a Palavra também pode ser traduzida por “fracos”. Os pobres, as pessoas sem voz na sociedade, as vítimas de tanta miséria não têm voz, são fracos diante dos poderes que os esmagam. E Jesus vai ao encontro deles e sente compaixão. Deus se coloca no lugar de quem sofre pois Deus está com quem sofre.
Hoje temos pessoas que perguntam: onde está Deus nessa pandemia? Deus está no hospital com quem está sofrendo; está na cracolândia com o pessoal que tem sofrido muita violência e pobreza; junto com os miseráveis. Do mesmo jeito que Jesus fez com estes miseráveis.
Chega a hora da tarde e lá estavam 5 mil homens, mulheres e crianças. E os apóstolos, com a mentalidade do mundo, orienta que mandassem essa gente embora para comprarem comida. Mas então Jesus mostra a mentalidade de Deus, que é desconcertante, e diz: “dai-lhes vós mesmos de comer”. Não tem que mandar o povo embora. E os discípulos se perguntam como. A multidão não é só as 5 mil pessoas. Entre eles estão representados todos os discípulos de Jesus que virão em todos os tempos. De algum modo, podemos dizer que estamos no meio daquela multidão. E Jesus, do mesmo modo que, no deserto, o povo reclamou pra Moisés que estavam passando fome sem pão e Deus mandou maná (o maná era um grão que aparecia no começo da manhã, com o qual conseguiam fazer um tipo de pão, o pão do Céu), Deus alimentou o seu povo. Jesus pega o pouco que os discípulos tinham. Às vezes, a gente vai passear, vai no parque e coloca um lanche ou uma fruta na bolsa para comer. Às vezes, a criança vai brincar com o amiguinho e a mãe manda um lanche junto. E então Jesus, naquele tempo, fez a mesma coisa: pede aos discípulos para juntar o que eles têm: 5 pães e 2 peixes secos. E então Jesus pede para o povo sentar-se.
Devemos prestar atenção nos 4 verbos que ouvimos aqui. Jesus pegou o pão, olhou para o céu e deu graças, repartiu o pão e deu aos discípulos para que distribuíssem. Esses 4 verbos são exatamente os mesmos que nós pronunciamos quando celebramos a Eucaristia. O pão da vida é o pão da partilha. É o pão que nos faz todos irmãos. E não é comer um pedacinho de pão. O Evangelho diz que comeram até saciar-se. É a palavra do profeta Isaías que se torna realidade presente. Deus está aqui, o Reino de Deus está aqui e Jesus apresenta isso como um sinal: a partilha, o repartir o pão, que é o caminho de Deus. Quando partilhamos, todos podem ter com abundância. É assustador ver, por exemplo, que no mundo menos de 1% da população tem mais da metade do que se produz no mundo, ou seja, dinheiro. Os outros 7 bilhões e meio tem que se contentar com o resto. Tem alguma coisa errada nisso e essa proporção não é diferente no Brasil. E com a pandemia, a coisa piorou. Tem gente que se aproveita até disso e tira a ajuda que o governo dá para os necessitados, pessoas que estão sem emprego. Primeiro, o governo queria dar só R$ 200 e o Congresso brigou para dar R$ 500. Depois, para se apoderar e se aproveitar disso como dele, o Executivo colocou R$ 600 e apresenta isso como coisa dada por ele, mas não é verdade. É uma conquista do Congresso Nacional. O Executivo está se apropriando do que não é dele em outras coisas também. Vai inaugurar coisas no Nordeste para tentar convencer os nordestinos a votarem nele com obras feitas por outros. Isso é o poder do mundo que engana o povo, mente. Esse é o poder de Herodes, a corte que mata. Essa é a corte que toma do povo e não pensa nele pois, se pensasse, a situação em que estamos hoje não seria o que é.
Nós sabemos disso: o pão que Jesus partilha é o pão da vida, do cuidado pelo outro. Jesus se aproxima do fraco e o cura. Deus não precisa se preocupar com rico pois ele já tem o bastante. É a partir do fraco que Ele salva o mundo. Deus não foi multiplicar o pão de Herodes - o pão da iniquidade, que mata a voz daqueles que proclamam a verdade. Olha como os Evangelhos são atuais. Estamos enfrentando uma onda de “fake news” (notícias falsas), que tentam agora destruir o nome de pessoas que denunciam os absurdos que estão acontecendo no nosso país, contra o nosso povo. E quem denuncia é destruído. Esse é o mundo da iniquidade, o banquete de Herodes. O banquete de Jesus é o da partilha, onde todos têm vida.
Mas não tem conversão para Herodes? Uma das discípulas de Jesus era nada menos que a mulher do ministro da economia de Herodes. Há possibilidade sim, mas tem que entrar na mentalidade do reino que é compaixão, aproximar-se de quem sofre e viver do pão da partilha, da igualdade e do respeito. Este é o caminho de Jesus e é disponível para todos! Jesus não exclui. Quem exclui é a corte de Herodes. Quem faz as pessoas fugirem é a corte de Herodes. Quem mata é a corte de Herodes. Quem difama é a corte de Herodes. No banquete de Jesus, todos são irmãos, todos têm o seu espaço, todos ficam saciados, não tem excluídos.
Essa é a novidade do Evangelho. E dizer que o Evangelho não fala nada para a vida é uma idiotice. O Evangelho está mostrando quase um caminho de economia, um verdadeiro caminho de política social, a partilha que todos tenham e não migalhas como estão querendo fazer por aqui, com a continuidade de uma política de 60 anos atrás. Ninguém mais acredita nessa política absurda que está sendo feita, que faliu em muitos países que tentaram implantá-la. Só enganando o Brasil e só torturando a nossa gente. A corte de Herodes não serve. O único lugar é o Reino de Jesus e sua prática de partilha, solidariedade e compaixão.
Hoje também começa o mês de agosto e vamos refletir sobre as vocações. No primeiro domingo, refletimos sobre a vocação sacerdotal e, aqui na Diocese, estamos celebrando o ano vocacional. E Deus nos deu a pandemia no ano vocacional para nos lembrar disso: o sacerdote é o animador da comunidade. Ele também tem que fazer o mesmo caminho de todos os discípulos de Jesus. Não somos mais que ninguém. Nós somos discípulos e também temos que estar em constante caminho de conversão para que a Eucaristia que celebramos se torne vida concreta do nosso dia a dia. Que o nosso ministério seja partilha da vida para que os outros sejam consolados, ajudados e alimentados.
As pessoas podem perguntar onde foram parar aqueles 12 cestos. Eles são um símbolo do pão que Jesus continua distribuindo para o seu povo ao longo dos séculos através dos seus apóstolos. Lá eram doze, hoje são muito mais. Que o Papa Francisco, os nossos bispos, todos os sacerdotes e Jesus “deem esse pão, anunciem o reino, defendam a vida para que todos tenham vida, para que todos possam ser saciados”. É esse o mundo que Jesus quer, é esse o mundo que nós podemos começar a construir aqui nessa sociedade. O padre pode falar de política na missa pois o simples fato de ser humano e estar com outra pessoa já nos coloca em uma situação política. Isso é o Evangelho. O Evangelho de Jesus não é só para criar um conforto na alma da gente. Isso qualquer balela ou qualquer conversinha mole consegue. O Evangelho de Jesus é para que nós comecemos aqui e agora, com nossas opções e ações, a mudar esse mundo.
É possível que este mundo seja diferente. Vai demorar sim. Vai precisar de muito caminho sim. Passo a passo. Mas nós podemos ser o primeiro passo de um caminho de quilômetros. E, às vezes, vamos ver somente o primeiro passo, mas já nele estará o Reino de Deus. Esse reino vai ser pleno no dia da glória eterna, mas o Reino de Jesus começa aqui. Jesus quer que esse mundo, que muitas vezes parece um deserto, comece a ser um mundo de partilha e deixe de ser uma corte que gera morte. Que aprendamos com este Evangelho a olhar o mundo de outro jeito: partilha, proximidade com os que sofrem, compaixão. Estas são as palavras-chave que devem nos guiar a partir desse Evangelho. E nós, sacerdotes, somos chamados a anunciar o Evangelho de Jesus inteiro. Se nós mutilamos o Evangelho, calamos Jesus e somos servos de Herodes que, mais uma vez, cala a voz dos profetas. Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a sermos fiéis ao Evangelho e que dê a nós, sacerdotes, na nossa fraqueza e miséria, a graça de poder anunciá-lo com coragem.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 18º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 02/08/2020 (missa às 10h).
Valorizar o verdadeiro tesouro da vida
26/07/2020
Essas três parábolas [Mt 13, 44-52] são o final do Capítulo 13 de São Mateus, do terceiro sermão de Jesus. E o que nós temos? Nós temos a história deste homem, provavelmente pobre, que estava andando pelo campo, procurando alguma raiz, alguma fruta, ou até recolhendo algum trigo que sobrou da colheita de outros. E de repente, ele olha no chão, e encontra um pote, cheio de dinheiro ou de joias. Que coisa gozada, não é? A gente sair pelo meio do campo e achar um pote cheio de ouro, pois é. Essa prática era muito comum entre os judeus, na Antiguidade. Tanto que quando Roma invadiu e destruiu Jerusalém, quando cavavam nos campos e terrenos, encontrava-se muitos tesouros, porque o pessoal tinha costume de enterrar os tesouros. E o que acontece? Este homem pobre encontra esse tesouro e não pode carregar para casa dele, então o que ele faz? Ele vende tudo o que tem – o pouco que tinha – vendeu tudo, foi lá e comprou aquele terreno. Ele diz ao dono: "Olha, quero comprar este terreno, o dinheiro está aqui". O terreno custava 10 mil reais, e o tesouro valia 1 milhão e meio de reais. Esse é o homem pobre, o tesouro é o Reino dos Céus. Então nos ensina a ter a coragem de jogar tudo o que temos para seguir o caminho do Reino.
Aí Jesus conta a segunda parábola: uma parábola interessante de um mercador de pérolas. O pessoal do "mundo das vendas" era muito mal visto pelo povo de Israel, porque eles sempre "passavam a perna" nas pessoas: põe umas gramas a menos no pacote, vende trigo de má qualidade, tenta empurrar sandálias que não prestam para os pobres, era um embrulho só. Então, esse homem estava lá fazendo as compras dele e, de repente, bate o olho e vê no meio de muitas coisas uma pérola, e ele pensou "Se eu descascar essa pérola, vai valer uma fortuna". Vocês sabiam que as pérolas são semelhantes a uma cebola? Elas vão sendo formadas em películas e, quando nós tiramos a pérola da ostra, a película é muito feia. Então você tem que ir devagarzinho descascando a película da pérola até chegar na casca que é limpa e brilhante. Então este homem, visto que o comerciante não percebeu que era valioso, vendeu tudo o que ele tinha e comprou a pérola. Chegou no comerciante e disse: "Ah eu quero esse negócio aí, deve valer uns 10 reais" e, na verdade, vale 10 milhões.
Se vocês lerem aquele romance histórico "Chica" – não a novela, mas sim o livro. O livro começa com a história de um casal que recebe um português rico, dono das terras. O português vai até a casa deste casal, e percebe que tem uma pedra igual um ovo de galinha que a moça colocava para segurar a porta para a porta não bater. O sujeito olha e pergunta: "Que pedra diferente, não é?", a mulher responde, "Pois é, é um cascalho que achamos por aí". O homem tinha um olho muito bom, e perguntou novamente: "Posso ficar com essa pedra?", ela responde: "Claro, é cascalho, tem um monte de cascalhos por aqui igual esse". Então esse português enfia a pedra no bolso, leva de volta para Portugal e manda pra Holanda para lapidar a pedra. E o que aparece? Um diamante, de primeiríssima qualidade. Aí ele pensa: "Opa, a moça falou que tem um monte de cascalho igual esse, perto do rio seco, no meio da minha terra". E aí começa o ciclo do diamante no Brasil. Depois tem a história toda da extração dos diamantes e a corrupção terrível que existia no tráfico dos diamantes e do ouro – foi uma situação terrível. Mas ali nós vemos esta história que é muito parecida com a história do negociante que tinha o olho bom. Para a moça era um cascalho, mas para o homem que tinha o olho bom, era um local que tinha muita coisa valiosa. É a mesma história do homem das pérolas, ele tem o olho fino, ele era uma pessoa que procura, era um homem esperto.
Jesus vai elogiar, também em outro lugar, um sujeito esperto. Ele metia a mão, não nos bens do seu senhor, porque nesse ele não podia meter as mãos, mas ele cobrava juros absurdos. A pessoa ficava devendo 10 barris de óleos para o senhor dele e ele falava: "Tá bom, eu te empresto, mas você vai ter que pagar mais vinte de volta". Era um agiota terrível – hoje em dia é crime: emprestar dinheiro a juros é crime e se chama agiotagem. Então, aquele sujeito fazia exatamente isso. Na hora que o patrão descobre isso, diz: "Espere, juros sob meu patrimônio não, pode sumir daqui". Então ele vai lá e muda as contas. Ele não mexe em nada o que era do patrão, mas ele tira tudo o que era de juros, que na verdade era para ele. Então ele fala: "Quanto você está devendo para meu patrão?" e a pessoa responde: "Olha, com o juros que vocês puseram, eu estou devendo 20 barris", então ele responde: "Não tem problema meu amigo, você vai pagar só 10, que era o que você estava devendo". E esse homem vai virar amigo desse administrador. E o outro devia muitos sacos de trigo, tipo uns 50, e o sujeito colocou com o juros dando 80 sacos (onde 30 era pra ele); o administrador chama a pessoa e diz "Olha, quanto você deve?", e a pessoa responde "Eu pedi 50, mas com o juros que vocês pediram, eu estou devendo 80", nisso ele responde: "Não, meu amigo, o que é isso... você vai pagar só os 50". E esse homem sai todo contente pensando em como o administrador é bom. Aí o patrão ouve e diz "Olha só que sujeito esperto, jogou tudo fora, porque depois ele iria procurar esses que ele tinha dispensado dos juros e, seguramente, o homem iria contratá-lo como o administrador dele também. E aí ele ia continuar fazendo a mesma história. Mas Jesus não elogia a sem-vergonhice do homem, Jesus elogia a esperteza e o olho bom. Na parábola do semeador, Jesus diz que a pessoa que tem a terra boa que é a terra que foi trabalhada, é a mesma coisa seja do homem que vai achar o tesouro, seja do mercador esperto, eles encontram essa novidade: o Reino de Deus, essa palavra de vida nova, de jeito novo de viver. E eles ficam tão entusiasmados que eles percebem que a vida deles pode mudar, que eles arriscam tudo, sabendo, inclusive, que seguir esse caminho pode até levá-los a morte. Mas eles ficam tão entusiasmados que aceitam até isso. Esse jeito de viver é tão bom, tão maravilhoso: amar os outros, não explorar as pessoas, viver na justiça, viver na paz, amar o outro como irmão. Isso aqui é uma coisa nova e é isso que eu quero, abandonando tudo que me impede de abraçar esse caminho.
Depois nós temos a última parábola, que vai nos lembrar da parábola do trigo e do joio. Tem esses pescadores, que trabalham a noite toda, pegam os peixes – figurativamente, Jesus está falando ali do mar da Galileia. Depois que as redes estão cheias, eles puxam as redes para a praia, e o que fazem? Separam os peixes bons dos peixes ruins, ou seja, os peixes que são comestíveis dos outros. Tem peixe que não dá para comer, mesmo que seja peixe. O povo de Israel não comia vários tipos de peixes, só alguns tipos. Ele nos lembra que, no mundo, os peixes estão todos misturados, bons e maus: é a vida, é o mundo. Mas a última palavra da vida, não é dos grandes e potentes desse mundo, a última palavra é do pescador, que vai separar os peixes. Na hora que vai pescar, ele não vai dizer: "Ah não, pega esse, deixa aquele, pega aquele ali". Não dá para fazer isso enquanto está pescando, você simplesmente joga a rede, a vida é assim, vai indo, nessa confusão que é o mundo, mas nessa confusão do mundo, todas as pessoas que seguem o Reino são peixes bons. E na hora da morte, na hora do juízo universal, os bons brilham como o sol. Os maus são podres, como brasa pegando fogo: não valem nada. Então é muito fácil para Deus, na hora da morte, nos julgar. Porque ali nós somos peixe bom ou peixe ruim.
Quando a gente pensa nesse tesouro que ouvimos nessas parábolas, podemos imaginar uma caixinha de tesouro com a Bíblia dentro. Na Bíblia, nós temos Jesus crucificado, o caminho de Deus e a Palavra de Jesus. Quem segue Jesus tem a vida. A vida de Jesus é o tesouro. Mas não basta falar que segue Jesus, seguir Jesus é promover a vida para todos, começando dos mais pobres, dos que são chutados pelo mundo, é por aí que Deus começa a salvação. Assim é seguir o caminho de Jesus, encontrar este tesouro, escondido no campo da vida, ou nas barracas perdidas da vida, que nem o homem da pérola, encontrará o caminho de Jesus.
Hoje nós celebramos a memória de Santa Ana e São Joaquim, os pais da Virgem Maria. Na imagem da Santa Ana, ela ensina os mandamentos para a Nossa Senhora. Nós celebramos também o dia dos avós hoje. Os avós são a tradição e a memória de nossa família. E, hoje em dia, muitos deles foram chamados a continuar a educação não só dos filhos, mas de muitos netos para que os pais da criança possam trabalhar. Isso para não dizer, os avós que têm que cuidar dos netos porque os pais se separaram, vivem brigando ou tem problemas, e quem tem que assumir a responsabilidade são os avós. Então a sociedade nossa hoje colocou de novo nas costas dos avós o peso da educação das novas gerações. Isso é, num certo sentido, um bem, mas em outro sentido, um grande mal, porque os avós estão dentro da família com uma missão particular, não aquela de ser pais dos próprios netos. Estamos numa sociedade que desvaloriza o relacionamento humano, que desvaloriza o matrimônio e os problemas vão sobrando para os avós. Isso cria uma série de distorções, porém é muito bonito ver os avós que assumem, com tanta responsabilidade, essa tarefa que não é deles, mas sim imposta por uma sociedade que acaba explorando mais os trabalhadores. Então vamos pedir a Deus, pelos nossos avós que, de um modo ou outro, nos transmitem e nos lembram que nós não somos que nem cogumelo na história, nós somos continuação de geração em geração. Nós levamos a diante os grandes valores que recebemos de nossos antepassados. E um dia seremos, se Deus quiser, aqueles que transmitem essas tradições boas – porque as ruins nós jogamos fora – e, sempre iluminados pelo Evangelho, que deve sempre iluminar nossas tradições, para que ao transmitir aos nossos netos e bisnetos, elas sejam sempre mais luz do Evangelho. Vamos louvar a Deus por aqueles que nos transmitem a fé e a tradição da nossa família e do nosso povo.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 17º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 26/07/2020 (missa às 10h).
Minhas ações são trigo ou joio?
19/07/2020
Estamos ainda no capítulo 13 do Evangelho de São Mateus, e este é o terceiro grande discurso de Jesus, agora como Mestre. Ele vai revelar os segredos do Reino, e continua usando os exemplos que o povo daquele tempo conhecia – vai falar de plantação, de cuidar de ovelhas, cuidar da casa... Ele dá sempre exemplos da vida, porque o Reino de Deus se manifesta no dia a dia da nossa vida. É no nosso dia a dia que manifestamos o Reino de Deus. Dos grandes eventos religiosos, grandes acontecimentos, nós até podemos pegar muitas luzes e sementes do Reino; depois, é no dia a dia que essas sementes têm que ser plantadas, crescer e dar fruto.
Das três parábolas do Evangelho de hoje [Mt 13,24-43], Jesus explica uma. O semeador vai plantar suas sementes, e são sementes boas, que ele mesmo escolheu. Ele preparou bem o terreno e jogou suas sementes. Durante a noite – e é muito importante este elemento: "durante a noite" é o mundo das trevas –, veio o inimigo e espalhou, no meio do campo, uma outra semente, o joio. O joio é uma planta que se parece muito com o trigo – as sementes, inclusive; só que elas são escuras, avermelhadas, e o trigo é diferente. Mas quando a planta está crescendo, elas são iguais, engana direitinho. É quando aparece a espiga – o fruto – que você vê que não é trigo, e sim joio.
Então foram falar para o dono do terreno: "Como é que tem joio, se o senhor comprou a melhor semente?". E ele respondeu: "Foi algum inimigo que fez isso". Nós percebemos a imagem do inimigo em nossa vida de muitas maneiras: quando mentimos, quando somos invejosos e deixamos a inveja tomar conta das nossas ações. Quantas pessoas fazem o mal para os outros... Há pessoas capazes de destruir a vida do outro, com invenções, com fofocas, e vão envenenando a vida do outro. Uma mentira constantemente repetida, na cabeça de muita gente, vira uma verdade, mas ela continua sendo mentira. O grande inimigo, Jesus o chamou de "mentiroso e assassino", homicida, desde o início. Estas são as estratégias do mal – a mentira, a difamação, a inveja – para destruir, tirar a paz das pessoas.
Algo que deve nos chamar a atenção é que Jesus diz que o campo é o mundo. O campo é a igreja, o campo é a nossa comunidade, o campo pode ser a nossa família. E no meio da nossa vida, há pessoas que realmente fazem o mal. O mal é um mistério. Pessoas que querem o mal do outro, maquinam o mal do outro... E, muitas vezes, nós perguntamos: "Por que Deus permite isso?", "Por que Deus não acaba logo com a covid-19?", "Cadê Deus?". Deus está doente, com covid-19, lá nos hospitais de campanha... Deus está morrendo onde o Governo não está ajudando... Jesus está lá, com os doentes. A nossa vida, é pequena; o mundo, é muito grande; para Deus, um dia é como um milhão de anos, mas um milhão de anos são como um sonho da noite que passou. É muita arrogância nossa querer perguntar para Deus: "Cadê você?", "O que você está fazendo?", "Por que você não intervém?". A história é nossa! Somos nós que estamos neste campo. Deus deu para nós construir a história humana. Deus não tira de nós as nossas responsabilidades, porque senão seríamos sempre tolas crianças irresponsáveis, e Deus não quer isso.
Jesus diz: "Espera. Deixa o joio e o trigo crescerem juntos. Porque se você for arrancar o joio, pode acontecer de tirar também coisas boas. Deixa crescer. Na hora da colheita, aí é muito fácil descobrir qual é o trigo e qual é o joio. É bem diferente, não tem como se enganar. E, então, você colhe primeiro o joio e joga-o no fogo. O trigo, recolha no meu celeiro. Isso aqui vai dar pão, aquilo ali dá doença, então eu vou queimar". O joio é uma semente que causa náusea, ânsia de vômito, é uma planta que faz mal. Não só é diferente do trigo, mas ela faz mal. A nossa vida, diante de Deus, é muito breve. E tem um provérbio no Antigo Testamento que diz: "Para Deus, julgar na hora da morte é muito fácil, porque na hora da morte nós aparecemos diante de Deus exatamente como nós fomos" [ref. Pr 20, 8-11]. Exatamente. Não há desculpa. Nós somos, diante do olhar transparente de Deus, realidade. "Eu sou isto. Estes são os frutos". Ou é trigo ou é joio, não existe meio termo. As nossas ações ou criam vida, respeito, solidariedade, acolhida, paz, justiça... Ou criam morte. Não tem meio termo! Ou somos humanos ou desumanos.
Nós poderíamos também ficar assustados. "Meu Deus, às vezes olhamos em volta e só vemos trevas". Deus não se preocupa com isso, e Jesus vai contar duas outras parábolas. O Reino de Deus é como a semente de mostarda – não a mostarda que vemos e compramos no supermercado; na Terra Santa, naquela região do Oriente Médio, a mostarda é um tipo de cacto, e a semente parece pó. Ela é fina, parece poeira, você não dá nada por aquilo. Se uma pessoa traz um punhado daquela semente, é capaz de você jogar fora, em qualquer canto. Mas quando se dá conta, começa a nascer uma planta com raízes tão profundas, um cacto que cresce tanto... Você corta e ele brota de novo. As rolinhas amam fazer ninhos no meio de suas ramas – por isso Jesus fala: "Os pássaros do céu". E Ele diz que o Reino de Deus é como essa semente: uma sementinha de nada que dá uma planta forte, nada pode acabar com ela. Porque é de Deus, e o que é de Deus não se destrói.
Jesus também compara o Reino de Deus com uma mulher que mistura, na farinha, o fermento. Naquele tempo, não havia fermentos químicos, mas sim o que eles chamavam de "semente de fermento" – você coloca uma quantidade de farinha em uma garrafa ou vasilha com água, essa farinha azeda, vai produzindo uma série de bactérias e, então, cria essa força; você pega um pouco disso, põe na farinha nova, vai misturando, põe água, leite e faz o pão. O pão demora para crescer, mas essa força do fermento não para, não dá para parar, e ele faz o pão crescer. É a mesma ideia: o Reino de Deus tem essa força, então toda boa ação que uma pessoa faz, que uma comunidade faz, que um país faz, gera vida. E é uma vida que permanece, porque ainda que a história passe, para Deus, a história é presente – tudo, todos os nossos atos e ações. Na hora da morte, Deus irá ver, diante do olhar Dele, as nossas ações – ações que, diante de Deus, aparecem como o Sol. Durante a noite, nas trevas, o inimigo semeou joio; mas os filhos do Reino brilharão como o Sol". Esta é a imagem do Evangelho.
Toda vez que nós mentimos, que faltamos com a verdade, que enganamos os outros, nós estamos criando morte. Hoje temos uma situação horrorosa, não só no Brasil, no mundo todo: as fake news. Fake quer dizer mentirosa: notícias mentirosas, notícias falsas, que você espalha dizendo que é a maior verdade do mundo, mentindo, alterando números, inventando mil e uma coisas para difamar as pessoas. E com que finalidade? Esconder os teus crimes. Isso é muito grave! Pessoas que inventam, falam as maiores barbaridades como se fossem os maiores gurus do mundo; são capazes de influenciar grupos políticos, ministérios, até mesmo o presidente da República. Não dê ouvido! A mentira mata! A mentira leva à morte. Dizer que cloroquina não faz mal é mentira, ela pode fazer mal sim. Uma pessoa pode ser tratada com cloroquina, mas em hospital, sob responsabilidade médica, com controle cardíaco constante. Você não pode dizer que "se não faz bem, mal também não faz". Isso é mentira! A OMS falou: "Descartem". Então dizer que não faz mal, é mentira. E muita gente que acredita na mentira pode se dar mal com isso...
Esses são os criadores de morte, esse é o "mentiroso e assassino". Mentirosos e assassinos nós encontramos em todos os lugares, só que alguns podem fazer mais mal que outros... Vamos sempre ficar atentos à verdade, buscar fazer o bem, buscar a vida. Vida, não ódio, não violência, não armamento. As pessoas têm que se respeitar e se amar, ao menos se tolerar. Mas não sair por aí atirando nos outros – nem a polícia poderia fazer isso. Se nós criamos uma sociedade de respeito, de tolerância, os frutos aparecem, a violência diminui, a saúde das pessoas aumenta, o nível do povo se eleva. Com o bem, nós construímos; com o resto, vem só destruição. E nós estamos vendo muita destruição...
Vamos pedir a Deus pelo nosso Brasil. Que esses inimigos, essa gente das trevas, dos "gurus da morte", não prevaleçam sobre o nosso povo, sobre este "campo bom" que é o povo brasileiro – povo que tem como patrona, como padroeira, a Virgem Negra Aparecida. Que não prevaleça, sobre o nosso povo, as forças do mal.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 16º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 19/07/2020 (Missa às 10h).
Que seu coração seja terra fértil!
12/07/2020
Hoje nós temos o início do terceiro grande sermão de Jesus. O povo hebreu tinha os cinco livros do Pentateuco como base e guia da sua fé. Esses livros são a Gênesis, o Êxodo, o Levítico, Livro dos Números e o Deuteronômio. Esses livros compõem o que eles chamavam de Pentateuco, a lei. Então, São Mateus que vê em Jesus aquele que dá a lei verdadeira do Pai, que comunica a Palavra do Pai, vai, no seu Evangelho, mostrar 5 grandes sermões de Jesus. O primeiro é o das bem-aventuranças. O segundo, o missionário. E agora, no capítulo 13, as parábolas. E a primeira dessas parábolas é a do semeador.
Só que nós temos que perceber uma coisa muito interessante no início desse trecho que nós passamos batido, porque corremos logo para ver a parábola. Do mesmo jeito que, no início do Sermão da Montanha, Jesus sobe na montanha, se senta, os discípulos se colocam em volta dele, e é interessante ver como o texto fala: “abrindo a boca, falou” – a gente fala “ai, que gozado, só pode falar abrindo a boca”, mas isso, naquele tempo, era para dizer que a coisa que Ele ia falar era muito importante. De fato, Jesus vai fazer nada menos que o Sermão das Bem-Aventuranças. Aqui [Mt 13,1-23] nós temos mais ou menos a mesma coisa: Jesus sobe num barco, se senta, os discípulos estão perto dele, e dali Ele fala para a multidão, que está toda em pé – e o que significa em pé? Prontidão. Na missa nós fazemos alguma coisa parecida? Fazemos! Quando, logo depois do Evangelho e da homilia, nós ficamos de pé e proclamamos o Creio. É a adesão da fé. Então, aquelas pessoas estavam de pé ouvindo Jesus que ensina. Jesus, lá no Sermão das Bem-Aventuranças, é o legislador – Ele vai dar a nova lei, a lei eterna do Reino. Agora, Jesus é o mestre, aquele que ensina, com modelos e exemplos. Muitas dessas parábolas vão ter uma explicação depois. Essas explicações nascem das comunidades cristãs que anunciavam o Evangelho para outras pessoas, então eles tinham um “roteirinho”. Então esses “roteirinhos”, quando o Evangelho foi escrito, foram colocados junto e aí aparecem como se fossem um grande discurso de Jesus.
Então, Jesus fala do semeador – por que Jesus fala do semeador? Ué, porque era uma língua que aquele povo entendia. Jesus podia falar de astronauta? Não! Nem Jesus sabia que ia ter astronauta, não é? Jesus fala da vida e dos costumes do povo. Usa, inclusive, muitos exemplos da história de Israel. E aqui ele usa uma imagem, uma situação que todo mundo conhece: todos os anos, mais de uma vez por ano, às vezes, aquele povo fazia plantação. Então, eles entendem bem o que Jesus está falando, e Jesus conta desse semeador. Quando Jesus fala do semeador, aquele povo entende, e Jesus também, que antes de semear a semente, aquele homem trabalhou a terra. Aquele homem passou o arado, e o arado, naquele tempo, era triste. Se a pessoa era rica, ou tinha alguma coisa, ia um burrinho puxando o arado. Se não, quem ia puxando o arado era a mulher! Um arado de madeira enfiado na terra, a mulher ia puxando e o marido ia guiando o arado. Então, preparavam a terra e, no preparar a terra, o que você faz? Você tira os tocos, você tira as pedras, e vai amontoando no canto, vai amontoando nas bordas do campo, não deixa lá no meio do campo, vai colocando lá fora, não é? E você arou todo o campo, o que você vai fazer? Você vai ficar andando em cima do campo todo? Não, você vai caminhar só num lugarzinho para não ficar pisando no campo inteiro e esse caminho vai ficando meio de terra batida. Aí o sujeito vai jogar a semente. Eles faziam toda uma série de orações quando iam, antes de ir e quando jogavam a semente. Tem um salmo que fala disso, não é? “Nós vamos chorando jogando a semente e voltamos cantando com os braços cheios depois dos feixes da colheita!” [Sl 126]. O homem enfiava a mão nesse – no interior de São Paulo a gente falava bornal, é uma sacolinha de pano – enfia a mão, pega aquele monte de semente e joga. Naquele tempo não tinha máquina para semear, era jogando mesmo. Você joga aquele monte de semente. Você joga onde? Na terra boa! Ninguém vai jogar a semente lá no meio do mato. Mas quando você joga, algumas sementes chegam a cair lá onde você amontoa as pedras. Algumas chegam a cair nesse caminho que você fez ali de terra batida para não estragar o campo para lá e para cá, algumas caem até ali. Lá onde tinha os tocos, começa a nascer um matinho, uns espinheiros, tem até uma terrinha boa porque era a terra que você preparou, algumas sementes que caem por ali também vão crescer. E Jesus vai falar que, na nossa vida, ouvir a Palavra de Deus é que nem esse homem que semeia. Ele joga abundantemente – o semeador. Ele não é pão-duro com as sementes. Se ele quer uma colheita boa, ele tem que pôr muita semente, senão não nasce. Então ele enche a mão e joga para que a terra fique cheia de sementes. E essa semente começa a brotar. Então, abundância, não ter medo de anunciar o Evangelho – o Evangelho vai anunciado sempre! São Paulo vai nos dizer: “oportuna e inoportunamente”. Não ter medo de falar do Evangelho! Então, anunciar o Evangelho, e não só de boca, viu? Anunciar de boca é conversa mole. Temos que anunciar com as nossas ações, levando a sério as palavras do Evangelho.
Então esse semeador vê que caem sementes lá. Ele não vai correr atrás daquelas sementes porque não dá, não tem sentido. Ele sabe que, muitas vezes, o trabalho que ele fez vai ser inutilizado. Quantas vezes nós fazemos projetos, planos, tantas vezes não dão certo. Nós temos que continuar sendo generosos em anunciar a Palavra de Deus, e viver o Evangelho, porque essas sementes darão fruto. E Jesus alerta para os perigos para a semente – a semente somos cada um de nós, é o coração de cada um de nós! Ou, vamos dizer assim: o terreno é o nosso coração. Nós, muitas vezes, temos um terreno que não foi trabalhado, então está lá todo cheio de mato, cheio de espinhos, a terra não foi afofada, a terra fica fraquinha... Ou, então, fica uma terra dura, a semente bate e fica ali, seca. Ah, passarinho ama semente seca! Então, nós temos que olhar o nosso coração. Jesus vai dizer que há pessoas que se entusiasmam, mas é só da boca para fora, é só ali dois dias, acabou o retiro, dois dias depois não lembra mais, vem na missa “ah, não lembro mais o que o padre falou”, estão nem aí com nada. Tem outros, ainda, que recebem a Palavra, mas, na primeira dificuldade, “ah, eu escutei essa palavra, eu li essa palavra no Evangelho, olha que bonito” e a outra pessoa “ah, deixa isso para lá”, aí já desiste. Primeira oposiçãozinha já desiste! Existem outros que escutam o Evangelho, escutam a Palavra de Deus, mas estão tão preocupados com as coisas da vida, do dia-a-dia, que não dão nem tempo para ouvir direito a Palavra, para rezar, para colocá-la profundamente no coração. Daí os problemas da vida fazem esquecer de tudo, mas Jesus vai nos mostrar que a Palavra de Deus é potente. Do mesmo jeito que nós ouvimos lá na Primeira Leitura [Is 55,10-11], em que o profeta Isaías nos fala que Deus diz “a minha Palavra é como a água da chuva que desce, cai do céu, faz brotar a semente, e dá colheita e alimento para o agricultor”. A minha Palavra é a mesma coisa! Eu a mando para o mundo e ela não vai deixar de produzir fruto porque é a Palavra de Deus. Por isso, quando o semeador joga, a semente cai no terreno bom e ela dá fruto segundo a capacidade de cada um. Para alguns, uma semente vai dar cem sementes novas. Para outro, sessenta. Para outro, trinta. Deu trinta, tem que ter inveja do que deu cem? Não! Ele deu tudo que ele podia. O que deu cem, tem que desprezar o que deu trinta? Não, porque ele deu tudo que ele tinha, e ele sabe que o de trinta também deu tudo e o melhor que ele tinha. Esse é o caminho. Isso é buscar, no dia-a-dia, colocar em prática o Evangelho, refletir: “Jesus disse isso. Como é que eu estou fazendo isso? Eu estou imitando essa Palavra de Jesus? Ela está realmente transformando a minha vida?”.
Uma questão que continua muito forte, e espero que continue mesmo, é essa contra o racismo – racismo contra os negros, mas que pode ser também ampliado, todos os tipos de discriminação contra as pessoas. Tem uma Palavra de Jesus: “Vosso Pai é um e vós sois todos irmãos, herdeiros do mesmo Pai”. Jesus não disse “os bons, os honestos” – ou aqueles que se supõem honestos, não disse “os amarelos” ou “os que têm muitos filhos”, não. Todos. Todos vós sois irmãos. E aí a gente vem para a vida, porque sem a vida, o Evangelho é conversa mole! Se o Evangelho não muda as nossas ações, não questiona as nossas ações, os nossos pontos de vista, o Evangelho, na nossa vida, está sendo como aquelas sementes que ficam caindo aí, lá no meio da pedra, do espinho, do terreno seco que morre e vem o diabo e carrega embora, nem deixa dar raiz nem nada. Nós temos que cuidar para não ser esse tipo de semente. A semente boa é aquela que afunda na terra, bebe a água, lança raízes, não tem medo de morrer, e nasce, dando frutos de igualdade, solidariedade, serviço, acolhida, justiça, paz. Esses são os frutos. Então quando eu ouço “vós sois todos irmãos” – isso é o Evangelho – e eu começo a achar que tem gente de segunda classe, que preto vale menos que branco e que pode ir para a favela que dá lá mil tiros “pode matar, não tem problema”: isso não é cristão, isso não é do Evangelho. Eu não mudei o meu coração se eu aceito isso. Não mudei meu coração. Eu tenho que aprender que eu tenho que ser como Jesus. “Vós sois todos irmãos”: todos. Não existem pessoas de segunda classe. Eu não posso, como cristão, aceitar uma pessoa, aceitar um governante que prega a morte, o ódio, o racismo, a LGBTfobia, e vê as mulheres como gente de segunda classe. Eu não posso ser como semente que cai lá nos cantos, e morre. “Isso aqui nunca vai dar flor porque a terra não é boa, está no meio do espinho, isso aqui nunca vai dar flor!”. Pior ainda se você é coração duro. A terra dura faz isso: vem os passarinhos e comem toda a semente, nem chega a dar raiz! A Palavra de Deus, nesses campos assim, é inútil, perdida. Nós temos que ser como terra boa. Como eu disse, ser terra boa dói, custa. Nós temos que abandonar muita coisa. Nós temos que abandonar às vezes até as nossas convicções! “Mas foi meu pai que me ensinou assim, meu avô sempre falava isso, e agora eu escuto Jesus que diz que eu não posso pensar desse jeito! Como que eu vou fazer?”. Joga fora o que seu avô ou seu pai disse, que muitas vezes pode ser, por exemplo, racismo, e abrace a Palavra de Jesus, porque é na Palavra de Jesus que você vai encontrar a vida! “Ah, eu desprezo as pessoas, eu acho que tem que matar esse bando de vagabundo mesmo, esse povo aí só vive dando miséria para o Brasil...”: isso não é do Evangelho.
“Vós sois todos irmãos!”, então se pergunte: o que essa Palavra está pedindo para eu mudar? “Mas eu sempre ouvi isso, sempre aprendi isso!”, mas Jesus, o que Ele fala? A porta estreita nos obriga a jogar fora tudo aquilo que não serve. Se você tem que atravessar uma porta estreita, de repente você tem que largar para trás mochila, sapato, às vezes até a sua roupa você tem que ir largando para trás para conseguir passar naquele vãozinho danado que vai te esfolando todo – mas se você não passar por ali o bicho te pega lá atrás – para você conseguir a liberdade e a vida lá longe. O Evangelho custa. O Evangelho não é barato, não. O Evangelho não é conversa mole. Por causa do Evangelho muitos e muitas, velhos, homens e mulheres, e muitas crianças morreram. Para seguir Jesus, aceitaram a morte. Quanto nós realmente aceitamos nos questionar? Quanto nós realmente aceitamos jogar fora para ser realmente discípulos de Jesus, capazes de dar fruto e flor? Essas são perguntas que têm que ficar no nosso coração, porque, sem essa pergunta, nós nunca aprenderemos a ser terra boa e Jesus quer que todos nós sejamos terra boa.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 15° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 12/07/2020 (domingo, missa às 10h).
Exerçamos o poder de servir aos irmãos
05/07/2020
Nós estamos diante de uma das páginas mais bonitas do Evangelho [Mt 11, 25-30]. Jesus faz o discurso missionário que nós até começamos a ouvir no domingo passado. Ele envia os discípulos em missão e eles voltam felizes, contando tudo que aconteceu. E Jesus, vendo a alegria deles, louva e exulta o Pai. É interessante ver que esta mesma palavra foi usada no caso da Virgem Maria: “meu espírito exulta em Deus, meu Salvador”. Jesus nos ensina a louvar o Pai. Ele olha a realidade e vê a ação do Pai nesta realidade. E onde Ele reconhece a ação do Pai? Justamente na pequenez. Eu te louvo, Senhor do céu e da terra, porque revelaste estas coisas aos pequenos e as escondestes aos sábios.
Não podemos nos enganar nunca. Deus mostra a Sua Salvação através daqueles que, no mundo, “não contam”. Estes dias, eu vi um vídeo realmente pedante. Talvez alguns de vocês também tenham visto. Duas senhoras, muito bem vestidas, falando que não devemos dar marmita ou ajudar os sofredores de rua porque são pessoas que devem ser responsabilizadas, pessoas que gostam de estar na rua. Só pode falar uma asneira dessas pessoas que nunca sofreram na vida. E se dizer que sofre, é mentira. As pessoas não vão para a rua porque querem. Elas vão para a rua porque não são aceitas mais pela família, porque estão sozinhas na vida, porque não conseguem mais pagar aluguel, perderam emprego, perderam tudo. Temos também o problema do pessoal que usa drogas, que bebe demais. E isso não é sem-vergonhice, isso não é vagabundagem. Só um mundo horroroso cria isso. Existe uma frase terrível de um profeta que fala: “vai vir o extermínio para estas vacas de Basã, que vivem nas maravilhas e não estão nem aí com os pobres”. Pelo contrário, ainda os chamam de irresponsáveis. Deus não faz isso.
Nós podemos nos perguntar hoje: onde está Deus? Deus está doente, Deus está com COVID-19. Deus está nos hospitais. Deus está abandonado nas ruas. Deus está nas comunidades. Deus está em toda pessoa que sofre. Mas todos nós não somos imagem de Deus? Somos. Mas somos imagem de Deus quando nós agimos como Ele. Quando nos esquecemos de nós mesmos e nos aproximamos de quem sofre, de quem precisa de nós, sem outras justificativas. Sem quês nem porquês. Porque o coração de Deus é assim. Jesus diz “bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra”. E nisto, Jesus está falando de exercício de poder. A mansidão, no exercício do poder, significa entender o poder como serviço.
Por que nós temos tantos problemas de corrupção no Brasil? Porque muitos dos nossos políticos não têm a consciência da distinção clara (que nem luz e noite, que nem água e óleo) do que é o bem público (o bem comum) e o bem próprio. Com o que eu ganho, eu faço o que eu quero. Mas com o que é do povo, eu não posso tocar nem uma moeda. O que é do povo deve ser administrado para o bem do povo, pois é do outro. Essa distinção, muitas vezes, não é clara na cabeça de muitos de nossos governantes. Toda vez que ouvimos falar de corrupção é porque estas pessoas não fazem o correto. E na maioria das vezes, não fazem porque não querem. E aí está a gravidade da coisa, e isso é crime: não fazer a distinção e se apropriar do que é do outro.
Exercer o poder na mansidão é ser todo voltado para as necessidades do outro. Mas não de qualquer outro, senão poderiam dizer sobre um rico empresário. Mas não, porque este já tem os meios dele. O manso olha a parte de baixo da sociedade. Olha o que o COVID revelou, mas que todos nós já sabíamos. Olha a gravidade do saneamento básico. Nós temos milhões de brasileiros vivendo sem água encanada, sem água potável, sem esgoto. Fazendo ainda palafitas em cima de esgoto. São questões terríveis. O SUS, que é o melhor sistema de saúde pública do mundo, ele capenga. Por quê? Possivelmente, porque a gestão não é a mais adequada. Tem gente que ainda acha que aquilo é deles. Mas é do povo. E deve ser administrado para o bem do povo.
Olha que engraçado: estamos falando, inicialmente, do Sagrado Coração de Jesus e a gente vem falar de Administração Pública. A mansidão de Jesus mostra que um discípulo Dele que esteja no poder – porque nós temos que administrar a sociedade humana, o cristão tem que estar dentro da política, os católicos tem que estar dentro da política – exerce isso em função do povo, sem se apropriar das coisas do povo. Quer escândalo maior que esse de querer pegar a verba destinada para uso com o COVID? Ainda tivemos outra denúncia de gente metendo a mão no dinheiro da merenda escolar. Que coisa absurda! Aquilo é do povo. Ninguém pode tocar o que é propriedade do outro. Do contrário, você justamente deveria ir para a cadeia. Você não pode pedir para um funcionário fantasma assinar uma folha de pagamento que recebeu um salário e te entregar parte. Isso é crime. Você está enganando o povo ao dizer que precisa daquele funcionário e não precisa de coisa nenhuma, pois é apenas uma forma de enfiar dinheiro no bolso de modo criminoso. Você está roubando o povo. E isso não é menos crime do que roubar milhões porque a estrutura é exatamente a mesma. É diabólica do mesmo jeito.
Nós temos, como pessoas, como católicos, que fazer a diferença diante de um mundo desse, diante de situações deste tipo. Não é só punir os culpados – e têm que ser punidos mesmo –, mas nos negar a compartilhar e desculpar situações deste tipo. Ser mansos e humildes de coração. Ser devoto do Sagrado Coração de Jesus significa olhar o mundo e toda ação de comando como serviço ao outro. Especialmente ao outro que sofre.
Adorar o Sagrado Coração de Jesus é se colocar no caminho de Jesus, manso e humilde. Um discípulo de Jesus, que quer segui-lo, coloca-se neste caminho. E se possui qualquer tipo de comando – e pode ser o padre, o bispo, o papa, um deputado, um vereador, um coordenador de uma associação de bairro, o dono de uma empresa, de um pequeno negócio aqui da nossa rua –, um católico tem que fazer a diferença. Porque nós professamos a nossa fé em Jesus. Como disse São Paulo, você tem o espírito de Jesus se você age como ele. Do contrário, pode pendurar 500 crucifixos no pescoço que, se não age como Jesus, você não é Dele. O Espírito Dele não está em você se, no exercício do poder, seja ele qual for, você não é uma pessoa preocupada com o bem do outro, se você não se nega a se apropriar do outro. Ou nós somos honestos e vivemos estes valores ou não somos cristãos. O Sagrado Coração de Jesus nos chama a viver de um determinado modo. E quando nós traímos isso, nós não somos Dele. Nós temos que ter isso sempre muito claro.
Depois, temos a outra fala de Jesus que vai terminar este pensamento. “Ninguém conhece o Filho senão o Pai. E ninguém conhece o Pai senão o Filho”. Jesus diz “ninguém”. Nem Moisés, nem Buda, nem Isaías, nem Jeremias, nem Gandhi. Ninguém. Somente Jesus. Jesus é a revelação do Pai. Com as atitudes de Jesus, nós vemos quem é Deus Pai. Porque Jesus tem as mesmas atitudes do Pai, Ele é igual ao Pai. Então o Pai exerce autoridade Dele na mansidão, como Jesus.
O poder de Deus é a humildade. E olha que outra coisa engraçada: a Virgem Maria, em seu canto, vai dizer “olhou a humildade de sua serva”. Nós não podemos nunca nos enganar. Nosso Deus é o Deus da cruz. Nosso Deus é o Deus dos pequenos e dos últimos deste mundo. Como disse um sacerdote outro dia, nosso Deus é um Deus falido. Não é Júpiter. Não é Krishna. É Jesus crucificado. Este é o nosso Deus, que desce nos porões da humanidade e que quer salvar ela toda, inclusive as vacas de Basã. Porque Deus é misericordioso. E Ele salva lá de baixo para não excluir ninguém. Ele tem os olhos e o coração com os que estão em posição inferior para que o mundo inteiro seja salvo.
Vamos pedir ao Senhor Jesus que Ele nos ensine, como cristãos, a sermos mansos e humildes. Para aqueles que têm, exercer o poder e autoridade como serviço aos outros. E o humilde é aquele que é capaz de escutar, que é capaz de não buscar só os seus pontos de vista, mas procurar sempre o bem do povo.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 14° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 05/07/2020 (domingo, missa às 10h).
Pedro e Paulo: alicerces da nossa fé
28/06/2020
Nós estamos no último domingo de junho, mês das Festas Juninas e destes três grandes santos: Santo Antônio, São João Batista e São Pedro. E hoje a Igreja celebra a Festa de São Pedro e São Paulo, que a tradição diz que morreram no mesmo período, entre o ano 64 e 67 d.C., sob o império de Nero, que fez uma terrível perseguição contra os cristãos. Esse imperador se tornou modelo dos tiranos que, ao longo da história, perseguem os cristãos. Quando lemos, no livro do Apocalipse: "Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta, porque é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis" (Ap 13, 18b), e pegamos o nome de Nero em grego, ao somar as letras temos o número 666. Todos aqueles que perseguem os cristãos, que fazem mal e destroem o povo, que não amam o povo, não se preocupam com as dores do povo, todos eles são a besta fera. Todos. Nero é o modelo, mas todos os perseguidores são bestas feras. Nosso povo está morrendo; no Brasil, já passamos de 56 mil mortos. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas... Para bom entendedor, meia palavra basta.
Vamos falar de São Pedro. Pedro foi o primeiro apóstolo chamado por Jesus, segundo os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Dentro do grupo dos apóstolos, ele sempre teve uma grande liderança. E Jesus reconhece e consagra esta liderança. Pedro, depois da morte de Jesus, vai reunir os apóstolos e ser o ponto de referência para as igrejas nascentes daquela época. São Paulo, quando estava nas primeiras comunidades convertidas do paganismo, teve um problema com os cristãos vindos do hebraísmo, que queriam que os cristãos que vinham do paganismo abraçassem a lei de Moisés, com todos os seus ritos, todas aquelas cerimônias, purificações e, sobretudo, a circuncisão dos homens. Paulo dizia: "Isso é coisa da lei antiga", e houve uma grande polêmica. E qual foi a decisão da comunidade? "Vamos a Jerusalém conversar com Pedro e os outros".
Pedro foi, depois da ressurreição e da ascensão de Jesus, imediatamente, reconhecido pela sua liderança, autoridade dada pelo mesmo Jesus: "Guia os meus discípulos; confirma a fé dos meus discípulos". Essa é a missão de Pedro. E não só de Pedro, mas também de seus sucessores. Nós temos 265 sucessores de Pedro. O Papa Francisco é o 265º de uma sucessão ininterrupta que, ao longo dos séculos, fez ver muitas luzes e sombras. Na história dos papas, nós encontramos muita luz, muita santidade, grandes nomes, mártires, beatos, santos; encontramos também muita miséria, pecados, brigas... Por outro lado, vemos a coisa mais importante: a fidelidade de Deus por seu povo. Na santidade ou na fraqueza, Deus guia sua comunidade na unidade reconhecida em torno desta figura, o Papa. Às vezes, a comunidade caminha mais devagar; às vezes, mais depressa; às vezes, há grandes avanços, ela se abre para as missões; às vezes, se fecha muito; às vezes, se atualiza, como no Concílio Vaticano II; depois, parece que puxa um pouco os freios... Porém ela é sempre guiada pelo Espírito Santo, que assiste este homem que se torna sinal de unidade para toda a Igreja. "Vamos até Pedro", "Vamos conversar com Pedro". E é muito interessante ver como São Pedro e a comunidade que estava junto com ele definem: "Decidimos o Espírito Santo e nós".
Jesus prometeu a Pedro – e nós cristãos, católicos e ortodoxos, acreditamos que também ao Papa e aos bispos – a missão de confirmar, guiar a fé do povo cristão para que não erre, para que não caminhe contra o Evangelho. Às vezes, podemos até ser lentos, mas nunca nos desviarmos do caminho. Esta é a promessa que Jesus fez: "As portas do inferno" – as portas do mundo, da maldade, das trevas, da corrupção, dos pecados mais baixos que podem existir – "não prevalecerão", não serão capazes de destruir a comunidade dos discípulos de Jesus. Essa é a promessa alicerçada em uma pessoa: Pedro, e em seus sucessores – Pedro e o colégio dos apóstolos; o Papa e os bispos. Nós temos um ditado antigo na Igreja: onde está Pedro, aí está a Igreja. Porque o Papa e os bispos não vivem sozinhos; a Igreja é a comunidade. Quando esta comunidade está reunida com aqueles que Jesus colocou para serem mestres e guias do Seu povo, ela não se perde do caminho do Evangelho.
Hoje também temos a celebração do martírio de São Paulo. Paulo é uma figura fulgurante, uma maravilha de pessoa. Ele era um homem muito convicto, fanático do judaísmo, um fariseu formado em uma escola muito autorizada, a escola de Gamaliel. E começou a perseguir os cristãos, ir atrás, descobrir os ninhos desses "hereges" para colocá-los na cadeia, mandar torturá-los. Quando mataram Santo Estevão, ele estava lá; colocaram nos pés dele os mantos do povo que estava ali para apedrejar Estevão; ele estava de acordo com aquela morte. Porém, os caminhos de Deus são bem diferentes dos nossos... E no meio do caminho de Paulo, Jesus deu uma bela rasteira nele. De perseguidor, ele se transforma em grande anunciador do Evangelho da Salvação, do Evangelho da liberdade dos filhos e filhas de Deus!
Se a Igreja é o que ela é hoje, devemos isso a São Paulo. Ele rompeu barreiras! Em uma atitude realmente profética, mas um profetismo que talvez "fure" toda a história da Igreja, ele anunciou a liberdade que Jesus nos trouxe, a liberdade de filhos, não escravos de leis, de doutrinas: livres filhos de Deus. Há uma imagem de Jesus que diz: "Aquele que me segue, que passa pela porta" – e Jesus se coloca como a porta, o dono de toda essa realidade que é o Reino de Deus – "entrará e sairá, e encontrará pastagem". Esta é a imagem que está no coração de São Paulo: liberdade. O Reino de Deus, o Reino anunciado e vivido por Jesus até a morte, é um reino que não cria escravos, não cria fanáticos, não cria monstros capazes de matar o outro para defender suas ideias. Era isso que os fariseus faziam, era isso que os hebreus da época faziam, matavam quem não seguia a lei. Jesus prefere morrer a matar, e São Paulo vai anunciar essa liberdade. O Reino de Deus é liberdade: a porta está sempre aberta e sempre tem pastagem. Liberdade! E ninguém escapa desta bondade infinita de Deus, nem as ovelhas que estão ali dentro, no aprisco, nem as ovelhas que caminham em volta, no campo livre, porque tudo é o Reino de Deus, a liberdade é o Reino de Deus.
Segundo a tradição, São Paulo foi condenado à morte e decapitado. Esse era um privilégio dos cidadãos romanos. Mas se Paulo não era de Roma, e sim da cidade de Tarso, como ele era cidadão romano? As tropas romanas, quando saiam para a guerra, passavam por várias cidades. Naquela época, as cidades não eram como as nossas. Nós vamos para São Paulo, voltamos para Santo André, passamos por São Bernardo, por Mauá... Isso não existia. Primeiro que as cidades eram bastante longes umas das outras, e elas também eram fechadas com muros. Então, quando uma tropa estava passando, se fechassem os portões, a tropa tinha que ir embora, não podia entrar na cidade para se abastecer com água e comida. Era um verdadeiro ato de guerra. E se essa tropa voltasse vitoriosa, ai daquela cidade! Algumas cidades, porém, abriam as portas, davam comida, repouso e água para os soldados. E se eles voltassem vitoriosos, davam prêmios a esta cidade. Foi o que aconteceu com Tarso. As tropas romanas passaram por lá e eles abriram suas portas, deram ajuda aos romanos, e as tropas seguiram com esta promessa: "Se nós formos vitoriosos, a vossa generosidade não será esquecida". Os romanos eram muito leais ao que falavam, e quando voltaram, vitoriosos, deram a todos os cidadãos de Tarso o título de cidadãos romanos.
Ser cidadão romano significava um mundo de privilégios. Um deles, era poder ser julgado pelo imperador – como se fosse o Supremo Tribunal Federal aqui no Brasil, a Corte máxima. Era um privilégio dos romanos. Por isso São Paulo, lá no fim dos Atos dos Apóstolos, quando o governador pergunta: "Você quer ir para Jerusalém ser julgado?", vai dizer: "Não. Eu sou cidadão romano, apelo para Cesar", usando de um direito que ele, como cidadão de Tarso, tinha. Infelizmente, esse direito também era um modo de dizer: "Nós somos melhores que os outros"... Mas isso garantiu a São Paulo a possibilidade de morrer decapitado – sem sofrimento, como eles acreditavam.
São Pedro, porém, era judeu, e não tinha privilégio nenhum. Ele foi crucificado – segundo a tradição, de cabeça para baixo – em um monte próximo ao Vaticano. E os restos dos ossos encontrados perto de 1950, nas escavações da Basílica de São Pedro, são muito curiosos, porque não temos nenhum osso dos pés de Pedro. Os romanos se importavam com a pessoa enquanto ela estava viva; após a morte, o corpo era de quem estava por ali. E, nas execuções, o povo, os amigos podiam estar perto. Mas eles tinham pouco tempo para resgatar os corpos, senão os romanos iam lá, arrancavam todos dos suplícios e enterravam em valas comuns. Na pressa, eles cortavam os pés e carregavam o resto do corpo. Provavelmente, foi o que aconteceu com São Pedro. Ele, então, foi enterrado em uma colina que tinha ali perto, chamada Collis Vaticanus, próxima ao circo de Nero. E, em torno deste pequeno túmulo, simples, dos pobres, imediatamente começa o que hoje chamaríamos de devoção: os cristãos de Roma e de outros lugares vão visitá-lo. Mais para frente, no ano 320, quando o imperador Constantino dá liberdade religiosa aos cristãos, ele manda construir uma grande Basílica em cima desse túmulo; faz um trabalho gigantesco, mas não mexe no túmulo. Depois, nos anos 1500, quando aquela Basílica já estava a ponto de cair, o Papa Júlio II manda derrubar tudo e começa a nova Basílica Vaticana, aquela que nós conhecemos hoje. Não temos grandes registros; provavelmente, mexeram nos ossos e, muito possivelmente, colocaram-nos em um local perto do túmulo original. No fim dos anos 1940, início dos anos 1950, reencontram esses ossos e fazem o reconhecimento. Papa Paulo VI disse: "Nós temos a certeza de que os ossos de Pedro estão aqui". Lá, debaixo do altar da Basílica do Vaticano, ali está o que restou dos ossos de São Pedro.
Pedro representa a Igreja de Jerusalém, o judaísmo que se converte, o povo hebreu que esperava nas promessas de Deus. Aos pés da cruz, Maria representa esses hebreus. Maria era judia e, em algum momento, ela abraçou o discipulado de Jesus. E ali, aos pés da cruz, ela mesma representa esta comunidade dos hebreus fiéis, dos pobres de Deus que esperavam na promessa feita a seus pais. Já São João Evangelista vai representar a nova comunidade, que veio depois do paganismo. Os dois, debaixo da cruz; os dois que se dirigem a Jesus: Maria e João – os judeus convertidos e os outros povos que se converteriam ao cristianismo. De algum modo, podemos dizer que, ali, debaixo da cruz, nós também estamos.
A nossa fé se apoia sobre a fé e o testemunho dos discípulos e destes dois apóstolos: Pedro, os judeus; Paulo, os pagãos. Dois apóstolos, dois discípulos de Jesus, cada um a seu modo, que são coroados com a coroa do martírio: poder derramar o próprio sangue por causa do seguimento de Jesus. Essa é uma graça que não é dada a todos. Porém, seguir os passos de Jesus é uma graça que o Espírito Santo nos dá. Vamos pedir ao Espírito de Deus que possamos, realmente, seguir o Evangelho que esses dois apóstolos e os outros discípulos anunciaram e que, hoje, o Papa e os bispos nos garantem, e confirmam a nossa fé nesse seguimento.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolos (Ano A) – 28/06/2020 (domingo, missa às 10h).
Não tenham medo!
21/06/2020
Hoje, 12° Domingo de Tempo Comum, nós estamos lendo o Evangelho de Mateus e São Mateus tem uma compreensão sobre Jesus: para ele, Jesus é o novo e definitivo legislador. O primeiro legislador foi Moisés e, na Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, se diz ‘até hoje não apareceu um profeta como Moisés’. Mas São Mateus vai dizer: apareceu um profeta, não igual, mas infinitamente maior que Moisés, porque ele é Deus conosco. Então, ele vai fazer um paralelo. A lei do povo hebraico constava de cinco livros, chamados Pentateuco: Genesis, Êxodo, Números, Livro de Josué e Deuteronômio. São Mateus vai apresentar Jesus com cinco grandes discursos. O primeiro e o mais conhecido é o Sermão da Montanha. Nós estamos agora, no capítulo 10 de São Mateus, lendo o Discurso da Missão, um dos cinco grandes discursos de Jesus no Evangelho de Mateus.
Jesus envia os apóstolos para anunciar o Evangelho, dá várias instruções e depois vai dizer essas frases que lemos nesse Evangelho: vão e não tenham medo! Vocês têm que anunciar a Palavra de Deus, para isso, vocês foram chamados. Tem uma passagem do profeta Jeremias em que Deus diz para ele: eu coloco as minhas palavras na tua boca e você vai, diante de quem eu te mandar, e não tenha medo, porque se você tiver medo deles, eu farei você ter medo. São as mesmas palavras de Jesus: não temam os homens, não temam as autoridades desse mundo, não temam as pessoas que estão fora do caminho, anunciem o Evangelho sem medo, porque se vocês tiverem medo, se vocês se desviarem para salvar a própria pele, vocês vão ter que acertar as contas comigo. É a mesma ideia de Jeremias. Por quê? A vocação que Deus nos dá não é nossa. Quando Jesus nos chama para pregar o Evangelho, Ele não está nos dando uma honra, não está fazendo com que sejamos melhores que ninguém, Ele está nos dando uma missão: anuncie para a comunidade em que eu te colocar, anuncie ali o Evangelho sem medo, porque sou eu que estou te mandando para anunciar a minha palavra, não os seus interesses, não os seus medos, não as suas inseguranças, mas o Evangelho! E isso pode custar a sua vida, porque Jesus não engana... Se Jesus contar só a parte bonita da história, Ele é um enganador, mas Ele não engana, Ele diz: vocês vão receber 100 por 1 nesse mundo, muita gente vai escutar vocês, o povo de Deus é generoso, mas, escutem bem, vai ter quem persegue, vai ter quem mata e muitos de vocês serão perseguidos, expulsos das igrejas, vão ser mortos e, até depois da morte, ainda vão ser amaldiçoados. Jesus não esconde, porque Ele mesmo é o exemplo. Jesus, para fazer a vontade do Pai, para ser fiel ao Pai, não faz pactos nem conchavos, não procura os centrões da vida. Jesus é fiel mesmo que seja abandonado por todos, mesmo que seja acusado falsamente, mesmo que seja contado entre os piores criminosos do seu tempo. Jesus não está preocupado com honra, com nome ou fortunas, Jesus está preocupado com a fidelidade do Pai. A fidelidade do Pai é que todos tenham vida e anunciar e promover isso pode te levar a cruz. Esse é o anúncio de Jesus. E Ele nos diz: não tenham medo! A nossa vida está nas mãos de Deus. A nossa vida é salva em Jesus. A nossa vida não acaba aqui, por isso a ressureição de Jesus para nós é a garantia de que nós estaremos nas mãos de Deus. E, se nós estamos nas mãos de Deus e a nossa vida é vida gloriosa nas mãos Dele, podemos gastar a vida desse mundo pelo bem dos outros. É isso que Jesus nos diz: não tenha medo, promova a vida, faça o que você pode para que as pessoas sejam felizes, tenham comida, tenham instrução, tenham casa. A vida cristã é uma vida muito concreta, porque se o nosso anúncio não toca a vida concreta no nosso dia a dia, então é conversa mole. E conversa mole, eu posso escutar em qualquer lugar, ainda mais agora que o pessoal fica em casa nessa pandemia, basta ligar a internet. Tem até que nisso saber escolher bem para não se vender para lorotas que anunciam por aí. Então, tenham a coragem de anunciar o Evangelho!
Esses dias eu recebi uma notícia de um pessoal de Brasília que dava solidariedade aos bispos auxiliares – sabem que Brasília está sem arcebispo, né? Ele foi transferido para Salvador como Primaz do Brasil. E os bispos auxiliares, então, estão lá na diocese sem um arcebispo. E eles mandam, diz, essa nota de solidariedade aos bispos auxiliares que não permitiram que um grupinho de baderneiros, dos 300 que não passam de 30, se acampassem diante da Catedral de Brasília. Os bispos foram ameaçados por esse grupo, um grupo armado, que produz mentiras, que ataca os poderes constituídos do nosso país. Não aceitar compromisso com essa gente pode criar, para você, perseguição. Quem defende a morte, não pode ter lugar entre os discípulos de Jesus, não porque nós não aceitamos – Jesus quer salvar a todos, inclusive essas pessoas –, mas essas pessoas sozinhas se excluem do caminho do Reino, porque o Reino quer vida para todos, vida igual para todos, começando pelas periferias do mundo, por aqueles que mais sofrem, por aqueles que menos tem, por aqueles que são marginalizados e excluídos pela sociedade. O Evangelho fala para a vida e é só falando para a vida que nós podemos transformar a nossa realidade.
Hoje também é dia de São Luiz Gonzaga. Ele é um santo dos anos 1500, foi de uma família muito rica e poderosa do norte da Itália. Era um nobre e renunciou tudo para se tornar jesuíta, religioso e, no seu tempo, explodiu a peste. Ele era muito novo, tinha não mais que 24 anos, e foi ajudar a cuidar das pessoas – naquele tempo, não existiam os conhecimentos mínimos de higiene sanitária que nós conhecemos, um dia ele encontrou um homem morrendo, pegou o sujeito, colocou para dormir e ele morreu ali, na cama dele. Depois, ele pegou o homem, foi enterrar e tudo isso e voltou a dormir na mesma cama, pegou a peste e morreu. Isso é para ver que o que vale é o bem do outro, a tua vida vale quanto o bem do outro. E São Luiz Gonzaga é também chamado padroeiro dos seminaristas. Hoje no fim da missa, nossa comunidade vai enviar para a Paróquia Santo Antônio o ícone vocacional. Nós, neste ano, estamos pedindo a Deus vocações. Nós falamos e pedimos a Deus por todas as vocações, mas, neste ano, especialmente nós estamos pedindo a Deus vocações sacerdotais. Nossa diocese precisa de sacerdotes e a comunidade dos jovens da Paróquia Santa Teresinha é chamada, a comunidade dos jovens da Paróquia Santo Antônio é chamada, porque Jesus é fiel ao seu povo, Ele chama. Jovens, tenham a coragem de se colocar ao menos uma vez na vida essa pergunta: será que o Senhor Jesus está me chamando para o ministério sacerdotal? Se Ele estiver, e você vai saber se está, não tenha medo, tenha confiança. Servir o povo de Deus é uma graça, é um bem, realiza a nossa vida, dá sentido ao nosso caminho. Vamos ouvir a palavra, vamos pedir ao Espírito Santo que nos fale, que nos dê coragem. E se você, pai e mãe de família, tiver um filho ou uma filha que te diz eu gostaria de ser padre ou eu gostaria de ser religiosa, apoie! ‘Ah, mas é meu único filho’. Se Deus chama, é Dele! Apoie as vocações. A mãe e o pai de um sacerdote é mãe e pai de todos os sacerdotes. Você não vai perder um filho ou uma filha, você vai ganhar centenas de filhos e filhas. Vamos pedir a Deus que ele mande muitas vocações para a nossa diocese e que dê a nós, sacerdotes, a graça de poder anunciar o Evangelho sem medo.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 12º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 21/06/2020 (missa às 10h).
Seguir os passos de Jesus
14/06/2020
Com a segunda-feira depois de Pentecostes, nós entramos novamente no Tempo Comum. "Comum" não significa que ele vale menos; este é o tempo da Igreja enquanto povo que caminha seguindo os passos de Jesus.
Na Igreja, temos o Tempo do Advento, que é a preparação para a vinda de Jesus, um tempo de alegria contida, como nos últimos dias do oitavo mês de gravidez de uma mulher. Naqueles dias, nós caminhamos com Maria, que está para dar à luz. Nasce Jesus! Cantamos com os anjos "Glória a Deus nas alturas e paz aos seres humanos" – que Deus ama. Depois vêm os magos. E, então, nós entramos no começo deste Tempo Comum, vamos seguir Jesus passo a passo. Depois vem o Tempo da Quaresma e da Páscoa, que começa na Quarta-Feira de Cinzas e termina com o Domingo de Pentecostes. Nesses 90 dias, nós acompanhamos as últimas semanas de Jesus; na Semana Santa, quase dia por dia, acompanhamos os passos do Senhor; no Tríduo Pascal é praticamente hora por hora; na Sexta-Feira Santa celebramos a Paixão do Senhor; passamos o sábado com o altar desnudo, sem flores, sem nada, lembrando o frio do túmulo onde Jesus foi colocado para, então, explodir de alegria na noite do Sábado de Aleluia, que encerra aquele momento, pouco antes do nascer do sol, quando Jesus triunfa da morte! E continuamos nessa alegria por mais 50 dias até chegar Pentecostes, a efusão do Espírito e a Igreja que é enviada pelo mundo – Tempo Comum, tempo de caminho.
Nós também usamos cores diferentes. Nos tempos do Advento e da Quaresma, as vestes do padre são roxas; no Tempo Comum, a cor é verde; no Tempo do Natal e na Páscoa, a cor é o branco; no dia de Pentecostes, vermelho, o fogo de Deus e o sangue dos mártires. E durante o ano todo nós também celebramos as várias memórias daqueles cristãos e cristãs que chamamos de santos: gente como nós que levou a sério o Evangelho, e que a Igreja nos propõe como modelos. O primeiro de todos, sem igual, é a Virgem Maria, que é, para nós, sempre, a primeira seguidora de Jesus, aquela que mostra para a Igreja e para cada um de nós, o tempo todo, os passos de Jesus. Ela está sempre nos dizendo: caminhe por aqui, o caminho de Jesus é este, siga estes passos, Ele está andando por aqui. Os santos e as santas são cristãos, como nós, que viveram colocando em prática os valores do Evangelho. E a Igreja diz: se você imitar essa pessoa na sinceridade, vai aprender a seguir os passos de Jesus. Porque, seja no culto e devoção à Virgem Maria, seja no culto aos santos, tudo o que nós queremos é aprender a seguir os passos de Jesus.
Jesus é o nosso Salvador, é Ele quem nos salva. Maria e os santos cantam a salvação de Jesus; Maria e os santos nos apontam: caminhe por aqui, porque aqui estão os passos de Jesus. Isso nos ajuda a entender a devoção à Mãe de Jesus e aos santos e santas da Igreja. Tem muita gente santa e têm muitos santos no céu. Santa Teresinha – essa monja que morreu com 24 anos e é doutora da Igreja, uma moça tão jovem que é luz para a Igreja – dizia: "Há muitos santos que nós não conhecemos; e, talvez, muito maiores do que aqueles que conhecemos". A vida de santidade está espalhada no meio do nosso povo. Toda pessoa que ama Jesus, que ama o próximo, que se interessa pelo bem da vida do outro – seja cristão ou não cristão – está no caminho de Jesus, às vezes até sem saber. Quem faz o bem, desinteressadamente; quem faz o bem seguindo sua consciência – isso nos ensina o Concílio Vaticano II – está no caminho de Cristo; de algum modo, é Igreja de Cristo.
Seguir Jesus é a finalidade de todo o nosso caminhar, de toda a nossa liturgia, de todas as nossas devoções, de todos os nossos sacramentos: seguir Nosso Senhor Jesus Cristo! O que nos une a todos os cristãos é a fé em Jesus, nosso único Salvador. E é um absurdo, ao afirmarmos isso, quando alguns católicos vêm dizer: "E Nossa Senhora?". Maria não salvou ninguém; Santo Antônio não salvou ninguém; Santa Teresinha não salvou ninguém. E isso não é invenção do padre João, está lá nas cartas de São Paulo: "Quem morreu por vocês? Pedro? Paulo? Apolo? Não, o único que morreu por nós foi Jesus". Maria nos ensina a seguir Jesus, e se queremos ser realmente devotos da Virgem Maria, temos que levar muito a sério o Magnificat, que é um canto revolucionário, quente como as bem-aventuranças de Jesus. Tal Mãe, tal Filho! Como dizia São Paulo VI, o maior Papa dos últimos 500 ou 600 anos: "A verdadeira devoção à Virgem Maria é seguir os passos de Jesus". Maria é toda de Jesus, e ela nos diz: siga os passos de Jesus, caminhe deste jeito aqui, seguindo os passos Dele. Essa é a verdadeira devoção mariana. Se nós, católicos, tivéssemos muita clareza nisso, não haveria tanta confusão na cabeça dos nossos irmãos protestantes.
Jesus, como nos conta o Evangelho de hoje [Mt 9, 36 — 10, 8], mandou seus 12 apóstolos anunciarem a chegada do Reino. E é muito interessante: doze. Doze eram as tribos de Israel. Jesus, claramente, está iniciando um novo povo de Israel. E o que nos chama a atenção é que Ele não manda seus discípulos falarem primeiro com os sumo-sacerdotes ou com o grupo dos fariseus, os bons religiosos daquele tempo; não, Jesus não está preocupado com essa gente. "Vão primeiro às ovelhas perdidas da casa de Israel". A salvação de Deus começa pelas margens. Hoje, podemos dizer que a salvação de Deus começa pelas periferias. A salvação de Deus começa pelos excluídos porque é só desse jeito que todos podem ser salvos, mudando do avesso nosso modo de compreender: comece na periferia a ensinar a liberdade, a justiça, a paz, a solidariedade; e, assim, todo o corpo terá paz, justiça, solidariedade. Quando nós começamos pelas bordas nós vamos mudando o mundo! E vamos nos tornando aquilo que era missão dada por Deus ao povo de Israel no deserto; Jesus vai dizer que esse povo traiu sua própria vocação: a vocação daquele povo era ser santo, ser uma luz para os outros povos. Mas eles se tornaram escravizadores, como os outros povos; adoradores de ideologias; venderam-se ao deus mamona – não todos, mas muitos. E, assim, traíram a vocação que Deus havia dado a eles.
Nós também temos que ficar atentos, porque corremos o risco de nos afastar deste que é o grande chamado de Deus para nós, cristãos de hoje. Jesus fala para nós – eu, você, para nossa comunidade: anuncie aos outros que o Reino de Deus está próximo. Próximo significa que está aqui, no meio de nós. Como? Quando eu amo as pessoas, quando não faço discriminação, quando eu não sou racista. No Brasil, há um grande racismo velado, que nega suas raízes. Olhe as periferias: quantas pessoas negras estão lá? Mais de 54% da nossa população é negra ou descendente de negros, não é possível que um número tão alto seja tão discriminado! Nós temos que ter consciência disso. Olhando as periferias, lembre-se: "Vão às ovelhas perdidas". Hoje: olhem a situação das periferias. Lá existe violência, a educação é fraca, o saneamento básico é péssimo, a saúde é pouca; vamos trabalhar nisso, vamos melhorar essas situações, vamos dar vida digna a essas pessoas e reconhecê-las como irmãos e irmãs, com os mesmos direitos e dignidade que nós. Assim, estaremos curando nossa sociedade e expulsando os demônios que vêm criando sofrimento no meio do povo. Toda vez que a Igreja anuncia isso, está anunciando o Reino de Jesus.
O Reino de Deus começa aqui! E se não o plantarmos e tivermos coragem de anuncia-lo aqui, que frutos colheremos depois? Uma planta só nasce e dá fruto se plantamos a semente; se você não colocar nenhuma semente aqui, que fruto vai querer colher lá? Vamos ter a coragem de colocar sementes do Reino no nosso meio, e vamos pedir a Deus que nos ajude a fazer esse caminho.
O Evangelho de hoje também chama nossa atenção para as vocações. Jesus chama os doze para anunciar o Evangelho ao povo, à nossa comunidade, à nossa Diocese, a esta paróquia! E Ele diz: "Peçam ao dono da vinha que mande operários para sua messe". Vamos rezar! Nossa Diocese, neste ano, o ano da pandemia, está celebrando o Ano Vocacional Extraordinário. Parece que Deus nos deu mais tempo para rezar... Então vamos pedir, implorar a Deus, a Jesus, o Bom-Pastor, que cuida das suas ovelhas – as mais fracas, Ele mesmo carrega; as mais fortes, caminham junto Dele. Vamos pedir que Deus mande vocações entre os nossos jovens. Eu tenho 59 anos; mais 15 anos e faço 75; cadê o outro padre? Tem que sair desta comunidade o meu sucessor! Jovens: Deus está chamando vocês! Jesus lhe chama pelo nome: Pedro, João, Tadeu. Jesus chama pelo nome, do mesmo jeito que Ele me chamou pelo meu nome. Ele sabia que eu era pecador, ele sabia meus defeitos. Ele conhece tudo isso, mas não somos nós que escolhemos, é Ele que escolhe. E se é Ele que escolhe, Ele vai lhe dar força! Ele vai lhe dar força para você contar para sua mãe, para o seu pai... Jesus nos dá coragem para enfrentar pai e mãe. Às vezes demora; eu levei 6 anos para ir para o seminário – Jesus me chamou quando eu tinha 15 anos e só entrei para o seminário aos 21; trabalhei em banco, fiz Tiro de Guerra, comecei a fazer Faculdade de Filosofia por conta, participei do grupo vocacional... Porque Jesus chama! Sem mérito nosso, Ele chama para o povo Dele. Tenha coragem! Se Jesus lhe chama para o sacerdócio, não tenha medo. E Ele chama! Jesus não vai deixar sua Igreja sem padres, não vai deixar nossa Diocese sem padres, não vai deixar esta paróquia sem um sucessor. Coragem! Se Jesus lhe chama, tenha a coragem de dizer: "Senhor, eu estou aqui. Fraco, pecador, limitado; mas a obra é Tua. Envia-me".
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 11º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 14/06/2020 (missa às 10h).
A Eucaristia está em nosso dia a dia
11/06/2020
A Eucaristia é um milagre de Deus. Deus quer estar entre nós de uma forma sensível, de modo que nós possamos experimentá-lo. E a vida de Jesus é toda de entrega e de doação por nós, porque Deus nos ama. São João vai dizer: “Deus amou tanto o mundo, que mandou Seu filho para que todo que nele crê tenha vida eterna”. E Jesus quer permanecer, profundamente, unido conosco e Ele nos dá esse sinal que é também presença real. Por exemplo, uma placa de contramão somente indica, mas ela não é a contramão. A Eucaristia não é apenas um sinal, é a real presença de Jesus. Jesus, na última ceia, nos dá essa garantia: “eu estarei convosco presente”.
Primeiro, ele já havia dito que onde dois ou mais estiverem reunidos em Seu nome, Ele estaria no meio deles. A Sua Igreja, a Sua comunidade de discípulos está reunida onde duas pessoas ou mais estão unidas em nome Dele. Aí está a Igreja e Jesus quer estar presente no pão que esta comunidade celebra e divide, não sendo apenas uma memória do passado. A Eucaristia não é uma simples repetição de um gesto de dois mil anos atrás. A Eucaristia se faz presente aqui e agora, na nossa vida do dia a dia, no isolamento da pandemia, com a nossa vida, os nossos sofrimentos, as nossas alegrias. Jesus se torna presente e, no pão e vinho que oferecemos, ele assume toda a nossa realidade, entra em contato conosco. E tudo isso nós apresentamos ao Pai para que esse pão e vinho se tornem Jesus entre nós.
Jesus não é uma memória, é agora! É ato, não é uma coisa do passado ou uma tradição. Jesus disse “os seus pais comeram o maná do deserto e morreram”. Isto no passado. O pão que Jesus dá é vida agora. E dar o sangue não significa cortar o braço e colocar o sangue de um lado e carne do outro e comer. Não, essa é uma forma de expressão. Comer o Corpo e beber o Sangue significa ter, em si mesmo, a própria realidade de Jesus. Pedir para si mesmo que tenhamos os mesmos sentimentos, os mesmos desejos, as mesmas indignações, as mesmas compaixões, a mesma acolhida que Jesus tinha pelas pessoas. Comer o Corpo e beber o Sangue significa assumir, na própria vida, a vida de Jesus. Então, a Eucaristia não é simplesmente um corpo, é a vida de Jesus. Claro que o Corpo também faz parte, mas é toda a vida Dele que se entrega para nós para que aprendamos com Ele, que se faz pão para nós, nos convida a sermos pão para o outro, a ser vida para os irmãos. Porque tudo isso é muito bonito, mas se não se encarna na nossa vida, não tem sentido nenhum.
Hoje, por exemplo, no meio de uma pandemia, o que é dar a vida pelo outro? Uma forma é ficando em casa, evitando o contágio, não só por mim, mas também para não ser uma ameaça para o outro. Estar atento para alguém da minha família, da minha vizinhança. Às vezes, alguém que está na porta da frente do nosso apartamento pode estar precisando de alguma coisa. Às vezes, é uma pessoa de idade que não pode sair e não tem ninguém que possa fazer uma compra para ela. Às vezes, a pessoa não tem nem o que comer. Preocupar-se com o outro neste tempo difícil é viver, no hoje, a Eucaristia. Doar-nos para os outros e lembrar que Jesus não faz distinção de pessoas. Nós que fazemos. Ousamos dizer: “você pode e você não pode”. E Deus não faz isso. Se Jesus não faz isso, nós temos que aprender a não fazer também e acolher as pessoas, começando pelos últimos porque, facilmente, nós nos esquecemos deles.
Deus quer salvar a todos, acolhe a todos e quer vida para todos. Começando pelos que mais sofrem, dos que têm menos vida. Para que todos tenham vida. A vida da Eucaristia tem que chegar para todos. Esse é o amor de Jesus. Não é uma memória, é um fato. Nos convida e nos desafia sempre. Toda vez que nós comungamos, Jesus nos chama outra vez: “faça o que eu fiz, mude o seu coração, jogue fora o que não presta, abrace o caminho da vida que vai desabrochar em vida eterna, porque já começou a ser vida nova nesse tempo”. Essa é a verdade de Jesus e é isso que celebramos na Eucaristia: a vida nova, que é vida verdadeira de Jesus. Jesus está aqui, nos chamando à conversão, a amar como Ele.
Deus é bem espertinho. Amar é muito mais fácil do que odiar. Dar a vida é muito melhor do que matar. Deus quer a vida, a alegria, a abundância. E a Eucaristia que celebramos sobre esse altar nos lembra isso e realiza isso em nós todas as vezes que Jesus se entrega. Ele se dá todo para nós, sem reservas e sem medo. Ele se entrega e nos convida a nos entregarmos para os outros, no amor e no serviço. Uma pequena gota de catequese: na Eucaristia, no momento em que o sacerdote consagra, por graça de Deus e por força do Sacramento da Ordem, o sacerdote, naquele momento, misteriosamente, age na pessoa de Jesus. É Jesus que age ali! Existe uma oração de império, um pedido: “Pai, manda o Teu Espirito para que este pão e este vinho sejam Corpo e Sangue de Cristo”. A Eucaristia é obra da Santíssima Trindade. Pai, que envia o Espírito para que o pão e vinho se tornem Corpo, Sangue, vida total de Jesus, que se entrega para nós e para vida do mundo inteiro. É isto que nós celebramos aqui no altar.
Vamos pedir ao Senhor que possamos amar como Ele ama, servir como Ele nos serve na Eucaristia para que possamos, realmente, sermos Corpo de Cristo, comunidade reunida no Seu amor.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo (Ano A) – 11/06/2020 (missa das 19h30).
Trindade Santa: Deus é amor
07/06/2020
Hoje a Igreja celebra o mistério da Santíssima Trindade. Nós podemos ficar divagando sobre a Santíssima Trindade com altos conceitos de teologia, mas que, no fim das contas, tentam só escavar um mistério que vai sempre muito além de nós. Mas nós podemos também nos dobrar sobre o Evangelho, que, aliás, é a pedra fundamental de toda a vida e doutrina cristã. O que sai disso, vira e mexe, dá problema.
Quem nos revelou a Santíssima Trindade? A Santíssima Trindade é uma revelação de Jesus. No Antigo Testamento, não adianta procurar a Santíssima Trindade, porque essa revelação nos foi feita por Jesus! A partir da revelação de Jesus, nós vamos olhar o Antigo Testamento vendo ali sinais que podem indicar isso que depois Jesus vai nos revelar. Essa revelação é de Jesus. Deus são três pessoas: ao Pai, que nós chamamos primeira pessoa da Santíssima Trindade, nós atribuímos a criação; ao Filho, nós atribuímos a redenção, a salvação do mundo; e, ao Espírito Santo, a santificação ou plenificação de todas as coisas. O Espírito Santo leva o mundo com todas as suas mazelas, dificuldades, grandezas, alegrias, esperanças, pecados; vai nos levando, devagarinho, àquela altura que Jesus e que o Pai querem que a humanidade chegue. O Espírito Santo é essa força de Deus que cumpre a vontade do Pai. Nós falamos a vontade do Pai como se Jesus e o Espírito não tivessem vontade, mas as três pessoas divinas sempre agem juntas. O Pai cria o mundo, cria o universo, cria todas as coisas no Filho, com o poder do Espírito. Jesus é a palavra eterna do Pai, e, pela força do Espírito, se esvazia, se torna um de nós, caminha pelas nossas estradas, é morto, ressuscita e retoma a glória que tinha antes da criação do mundo. Esse é o mistério da salvação, da redenção. E Jesus faz isso obediente ao Pai, com a força do Espírito. E o Espírito Santo é a força que cria o universo. Ele é a força que faz com que a Virgem Maria tenha um filho que é, também, divino. O Espírito Santo é o poder de Deus que age através de Jesus nos milagres, é o Espírito Santo que dá forças para Jesus suportar a Paixão, a morte, e opera em Jesus a ressurreição. Ele leva ao universo a união com Deus.
São Paulo nos diz que o Pai quer que o mundo, todos os poderes, sejam colocados debaixo dos pés de Jesus. O último poder a ser submetido aos pés de Jesus será a morte. E, por fim, Jesus mesmo se entrega ao Pai. Isso tudo na força do Espírito: o Espírito que abraça o Pai e o Filho e, com eles, forma uma única divindade, único Deus. O Espírito vai nos ter junto com a Trindade neste grande abraço divino, por misericórdia, por graça, porque Deus é bom. No Antigo Testamento, para Moisés, Deus se revelou como aquele que é, aquele que foi, aquele que será. O que significa isso? O Deus fiel, o Deus que não volta atrás, o Deus que paga até a conta de quem está devendo para Ele – isto é fidelidade.
São João vai nos dizer que Deus é amor. Jesus vai dizer: “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei; não há amor maior que dar a vida por aqueles que se ama. Eu e o Pai somos um. Eu sou o caminho verdadeiro para a vida. A vida é o Pai, na força do Espírito.” Então, quem ama, já vive em Deus, porque Deus, que é amor, está agindo em nós, agindo na comunidade. E Deus é luz, onde não existe sombra nenhuma. E o Evangelho mesmo de São João vai dizer que a luz brilha no meio das trevas, e todo aquele que se aproxima da luz, que é Jesus, tem a vida. Esse é o mistério da Santíssima Trindade. Não existe outro Deus acima da Trindade; Deus é um. Não existem outros deuses. Deus é um!
Nós, com a nossa filosofia, com os nossos pensamentos humanos, elaboramos ideias sobre Deus; porém, sempre projetando as nossas ideias, as nossas falhas, os nossos defeitos em Deus. Nós somos fracos, Deus é forte. Nós somos limitados no nosso conhecimento, Deus é onisciente. E assim a gente vai fazendo: olha a nossa fraqueza, vê nossa grandeza. A gente vê a glória dos poderosos e diz que Deus é glorioso. Isso é tudo invenção nossa. Deus é Jesus. Olhando Jesus, agindo como Jesus age, amando como Jesus ama, procurando, realmente, ser entrega de vida para os outros, nós conhecemos Deus. Não na teoria, não na nossa imaginação, não na nossa filosofia. Mas o Deus da vida que Jesus, e só Ele, pode revelar, porque só Ele vê o rosto do Pai na eternidade. Vamos pedir a Deus poder sempre, sempre, sempre adorar a Trindade, Deus uno em três pessoas. Nós iniciamos todas as nossas orações invocando a Santíssima Trindade: “em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo” sempre. Nós abençoamos sempre em nome da Trindade. Ele é o nosso Deus. Nosso Deus é a Trindade.
Muito bem, vamos fazer os nossos comentários. Essa semana aqui é uma semana estranha. Mais uma triste notícia que chegou aí esses dias foi que alguns padres de algumas emissoras católicas foram lá conversar com o presidente para pedir verba em troca de apoio. A CNBB soltou uma nota de repúdio a esse tipo de atitude. A Igreja Católica não faz barganha. Nós preferimos fechar uma rádio a nos associar a um regime que se mostra genocida. A Igreja Católica, a CNBB, não autorizam ninguém a isso. Então, nós queremos manter a nossa liberdade diante do Estado para poder anunciar o Evangelho, porque o Evangelho é livre, o Evangelho não se compra, não se vende. Jesus não tem preço. E é grave que alguns padres, alguns grupos tenham tido essa atitude vergonhosa.
Nós também estamos vendo um aumento constante do número de mortos com COVID-19. Nós estamos, já, a quase um morto por minuto. Mil quatrocentos e quarenta minutos nós temos em 24 horas. Nós passamos da marca de mil e duzentos, quase um morto por minuto, por causa do COVID-19. Vamos pedir a Deus que tenha piedade do seu povo. Hoje também vamos falar do documento que nosso bispo emanou na semana passada (30/05), com 60 normas para uma possível reabertura de nossas paróquias. O bispo não mandou reabrir. Nosso bispo, com muito bom senso, diz para cada padre ver a realidade da sua comunidade: a realidade, a situação, a saúde do próprio padre, a situação de idade, a situação sanitária da própria comunidade, para que, com segurança, se possa reabrir as igrejas. Nós temos lá 60 regras para poder agir. Nós, aqui na nossa comunidade, fizemos uma reunião virtual com os coordenadores do conselho pastoral, e com os coordenadores das várias pastorais que estão ligadas à Liturgia, à celebração das missas nos domingos. E, por unanimidade, nossa comunidade decidiu não abrir. Nós vamos fazer uma reavaliação em primeiro de julho, nós vamos tomar uma série de providências, vamos preparar a igreja para o momento da reabertura. Nós decidimos não fazer isso antes de agosto. Então, antes do primeiro de agosto, a comunidade Santa Teresinha não reabre. Por quê? Nós temos muitos anciãos, muitos membros das equipes de Liturgia têm mais de 60 anos, também não podemos arriscar crianças e jovens. A nossa igreja teria capacidade, seguindo as regras, de colocar aqui 150 pessoas, mas 150 pessoas já é uma grande aglomeração. O padre, mesmo, tem quatro elementos de risco, então vamos devagar. E o critério é a curva. Enquanto os números continuarem subindo, e cada dia está subindo mais, nós não vamos reabrir. Se, em agosto, a curva já estiver abaixando, nós vamos esperar para ver quando a coisa é mais segura. Então, no começo de agosto, nós vamos reavaliar. Nós vamos ter duas reavaliações: dia primeiro de julho, depois, imediatamente antes do início de agosto. Se a curva continuar ascendente, nós vamos continuar fechados. É melhor nós estarmos seguros em casa, seguros celebrando e poder continuar alimentando a nossa fé do que ter a responsabilidade e o medo de contaminar pessoas. Os critérios de reabertura são muito bem feitos e muito exigentes. A necessidade de usar máscaras, as pessoas ficarem todo o tempo sentadas, distantes, com medida de segurança, não pode ter mais do que um número específico. Se tiver 50 pessoas lá na porta esperando e deu o número limite, o pessoal tem que voltar para casa, volte semana que vem. Por exemplo, uma família não poderia ficar sentada toda num mesmo banco. Cada um na distância de um metro e meio a dois metros um do outro. Também há a necessidade de higienização da igreja depois de cada missa. Higienização significa o que? Passar desinfetante nos bancos, passar pano na igreja inteira. A gente fala “nossa, dá para fazer!”. Aí a gente pergunta: quem vai fazer? Se as senhoras que ajudam a limpeza da igreja têm mais de 60 anos? Aí a coisa fica complicada. Então, avaliando todas essas questões, vendo direitinho, nós chegamos a essa decisão. Nessa semana próxima, nós vamos nos reunir com os padres da região sobre as medidas que cada um de nós está tomando. Vamos rezar.
Vamos aproveitar esse tempo para ler a Escritura. Várias pessoas me pediram: “Padre, quando é que o senhor vai falar de Bíblia para nós?”. Ainda não temos o dia, mas essa semana eu vou começar a gravar capítulos sobre a Escritura para que nós possamos, devagarinho, conhecer um pouco mais da Bíblia. Isso pode demorar ainda muito tempo; não muito tempo para começar, mas muito tempo para continuar. Se a gente fizer 5 minutos, 10 minutos por semana, falando um pouco da Bíblia, um pouco do mundo da Bíblia, tentando explicar os livros... nós temos capítulos até o ano 2050! Muito bem! Então, vamos agradecer a Deus pela sua bondade. A bondade do Pai em nos revelar, em Jesus, o mistério do próprio coração de Deus. Três pessoas. Uma única divindade.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Santíssima Trindade (Ano A) – 07/06/2020 (missa das 10h).
A força do Espírito nos conduz
31/05/2020
Festa de Pentecostes! Vamos falar um pouquinho de doutrina? O Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade; é Deus, como o Pai e o Filho. Ele é o dom de Deus, é o amor de Deus que se doa. E é esta potência, esta pessoa que abraça o Pai e o Filho de uma forma tão intensa que os três são um só Deus. Esse é o mistério da Trindade. Nós, na teologia, dizemos uma frase: "O Espírito Santo é a personificação de todos os atributos divinos: é a divindade em Deus, a onisciência em Deus, a onipresença em Deus, a onipotência em Deus". O Espírito perscruta as profundezas, o íntimo da própria Trindade.
É a potência do Espírito que cria. A ordem é do Pai: o Pai cria no Filho pela força do Espírito. O Espírito permeia toda realidade, a criada e a eterna; Ele perpassa tudo. Ele é a força divina que mantém todo o Universo, do mesmo modo que é a unidade na Trindade. O Espírito Santo opera em cada uma das criaturas de Deus, para que, em cada um de nós, possa aparecer a imagem de Jesus. "Criemos o ser humano à nossa imagem e semelhança". À imagem de Cristo: viver e amar como Cristo amou, a ponto de dar a vida por aqueles que amamos. À semelhança da Trindade: vivermos na unidade, um só coração, uma só alma, todos procurando o bem comum – como diz São Paulo na segunda leitura [1Cor 12, 3b-7. 12-13]. Esse é o projeto de Deus para nós.
O Espírito Santo é ação. Ele é dinâmico. Está além. O Espírito se manifesta em ações: Ele esquenta, Ele amolece, Ele refrigera, Ele se hospeda na nossa vida, na nossa alma. Ele nos transforma. Ele nos leva a agir como Cristo. Ele acende o amor de Deus em nós. Ele guia a Igreja para o fim que Deus Pai quer. O Pai quer que todos se salvem, e o Espírito Santo guia a humanidade a isso. Estamos em processo, e o processo é longo. Cada um de nós sabe como é difícil o caminho de conversão, mas é o Espírito de Deus que vai trabalhando até que, em nós, transpareça a imagem de Jesus. Para isso, temos que abrir o nosso coração; temos que buscar, constantemente, a conversão: ler o Evangelho, observá-lo, confrontar-nos com as ações, os pensamentos e as falas de Jesus, e permitir que essas ações, falas e pensamentos quebrem o nosso coração de pedra e façam, realmente, com que ele se converta em um coração de vida. Todo esse caminho é feito pela força do Espírito Santo.
A Igreja é impulsionada, no decorrer da história, pela força do Espírito. Muitas vezes, a Igreja aparece, para o mundo, como uma enfermeira agonizante. Agonizante porque temos pecados, falências, misérias, traições... Quantas vezes, até como Igreja, não nos esquecemos do Evangelho? O Papa Francisco insiste em nos chamar: "Voltemos ao Evangelho, mudemos nossas ações". E, dentro da própria Igreja, temos muita gente que diz: "Não, isso é conversa mole". Como pode ser "conversa mole" voltar ao Evangelho? Então nós vemos todas essas dificuldades; mas, se olharmos ao longo da história da Igreja, vemos também que existe uma força que leva esta comunidade a anunciar o Evangelho da Salvação.
Os Atos dos Apóstolos dizem que os apóstolos falavam "em línguas" [ref. At 2, 1-11] Nós temos que lembrar que os Atos dos Apóstolos foram escritos por volta dos anos 80, 90, cerca de 60 anos depois da morte e ressurreição de Jesus. E, já nesse momento, tínhamos cristãos espalhados por todo o mundo conhecido, o chamado Império Romano. Em todos os lugares, o Evangelho começava a ser anunciado, com pessoas e para pessoas de cada lugar. São Lucas descreve a totalidade do Império Romano, que era praticamente todo o mundo conhecido do Ocidente, para mostrar que o Evangelho estava sendo anunciado nesses vários lugares pelas pessoas desses lugares. O Evangelho entra na vida das pessoas onde quer que elas estejam para, ali, naquela situação, transformar esse anúncio de amor, de paz, de união, de serviço, de solidariedade em realidade eclesial, uma comunidade de irmãos e irmãs que buscam seguir sempre os passos de Jesus. Essas são as línguas: o mundo inteiro, que ouve e anuncia Jesus.
O Espírito Santo é essa força. Ele age na Igreja também por meio dos sacramentos e dos seus ministros consagrados, especialmente o Papa e o colégio dos bispos. Não existe o colégio dos bispos sem o Papa nem o Papa sem comunhão com o colégio dos bispos: eles são uma só realidade. E todas as vezes que o Papa e os bispos rezam e atualizam o anúncio do Evangelho e a vida da Igreja para o tempo presente, eles são guiados pelo Espírito. Isso nós vemos desde o começo da Igreja, já no Concílio de Jerusalém, que é relatado nos Atos dos Apóstolos, mas também em todos os concílios. Em cada época, o Evangelho se encarna, e o Papa e os bispos buscam essa encarnação. Hoje nós temos alguns grupos tradicionalistas, saudosistas, que se reportam ao Concílio de Trento, um dos maiores concílios da Igreja. Ele respondeu muito bem às necessidades dos anos 1500 – tanto que é chamado de Contrarreforma Católica, quando a reforma protestante estava incendiando o norte da Europa e a Igreja precisava pensar essa realidade; então ela fez esse grande concílio e respondeu para aquele tempo. Nós tivemos também o Concílio Vaticano I, que tentou responder a um problema grave, também do seu tempo, que era a unificação dos estados italianos e o desaparecimento do chamado Estado Pontifício (graças a Deus!); naquele momento, também era importante reafirmar a autoridade do Papa, então o Papa Pio IX, em comunhão com os bispos, proclama a infalibilidade pontifícia.
E em 1962, realmente iluminado pelo Espírito Santo, o Papa João XXIII decidiu convocar o Concílio Vaticano II para atualizar a Igreja. As respostas de 1500, ótimas para aquele tempo, já não estavam respondendo mais. Aquela liturgia de corte respondia para aquele tempo; para os homens e mulheres do séc. XX, já não respondia mais. Jesus é o mesmo, a liturgia é a mesma, a eucaristia é a mesma; mas têm que ser celebrados de modo que respondam às necessidades de hoje. Temos que abraçar os desafios deste tempo. E o Espírito de Deus guia a Igreja, apesar de termos algumas pessoas que gostam de colecionar velharias... De vez em quando, nós encontramos pessoas que têm mania de guardar tranqueiras; infelizmente, também dentro da Igreja temos que ter paciência com alguns grupos que gostam de guardar quinquilharias que já não dizem mais nada. Porém, o Espírito Santo, com paciência, vai renovando tudo, com os movimentos de atualização, de modernização da vida; movimentos reacionários não resolvem. E o Espírito Santo renova sempre! O Espírito Santo nos mantém sempre vivos, sempre aptos a responder, hoje, aos desafios da nossa realidade com a Palavra do Evangelho. O Evangelho não muda; a eucaristia é sempre a mesma; os sacramentos, imutáveis; sempre respondendo às necessidades e às realidades do tempo atual.
Hoje também vamos falar do documento que nosso bispo emanou ontem (30/5), com 60 normas para uma possível reabertura de nossas paróquias. As condições são muitas, de muita prudência e, em alguns casos, muito restritivas. Por quê? Porque estamos em um momento terrível da pandemia. O número de casos não está baixando, e as projeções de estudiosos são que, em agosto, tenhamos mais de 120 mil mortos por causa da covid-19 no Brasil. Isso é um desastre! Nós estamos vendo a incompetência, o descaso, o deboche do governo federal sobre essa questão, enganando o povo com a história da cloroquina, medicamento que está mais do que provado que não serve, que é perigoso... Isso é enganar o nosso povo! Nós temos que pedir que o Espírito de Deus ilumine nossos governantes, ilumine o Supremo Tribunal Federal, dê coragem aos nossos deputados e senadores, para que possam realmente buscar o melhor para o Brasil, pensando no povo.
Meus discursos, às vezes, são levemente políticos, mas houve um sinal muito feio, horrível, que tem conotações realmente autoritárias, ditatoriais: beber leite em público. Esse é um sinal nazista, uma linguagem assustadora! Nós não podemos, como cristãos, aceitar uma situação dessa. O nazismo e o fascismo se baseiam na doutrina de que existem pessoas melhores do que outras. No mundo alemão da época de Hitler, essas pessoas melhores eram os arianos, grandes consumidores de leite. Esse é um sinal nazista! Vamos nos conscientizar de que estamos diante de uma situação grave, muito grave. Vamos pedir a Deus que tenha piedade do seu povo.
Jesus diz no Evangelho: "Que todos tenham vida". Todos. Jesus não diz: "que os brancos tenham vida", "que os ricos tenham vida", "que os donos da tecnologia tenham vida", "que os senhores que podem mandar astronaves para o espaço tenham vida"; Jesus diz: todos! E todos quer dizer todos: brancos, negros, amarelos, vermelhos; homens, mulheres; todas as raças, todas as nações, todos os seres humanos. Se nós, cristãos, católicos sobretudo, não somos capazes de nos confrontar com o Evangelho nessa frase, não somos católicos na prática; temos só um verniz católico, mas não o somos. Jesus diz: "Que todos tenham vida"; nenhum governo autoritário defende a vida de todos, nenhum. E quando esses governos dão sinais e símbolos claros da sua ideologia, nós católicos, nós cristãos não podemos aceitar! Nós temos uma consciência; nós responderemos diante de Deus sobre essa consciência. O Evangelho está diante de nós, e nós não podemos brincar com isso. Mas o Espírito de Deus há de guiar o nosso povo! Há de iluminar aqueles que podem, com sua autoridade, ajudar o povo a ter, realmente, uma democracia, onde todos possam viver de forma digna.
Voltando às instruções do nosso bispo, são 60 normas de muita prudência: só 30% do espaço da igreja poderá ser ocupado, as celebrações devem ser curtas, pessoas do grupo de risco (com mais de 60 anos, pressão alta, diabetes, em tratamento de câncer, que foram operados a menos de dois anos, bem como jovens com 15 anos ou menos) devem ficar em casa... Nós ainda vamos avaliar como e se iremos reabrir a Paróquia Santa Teresinha, porque um dos critérios é o próprio padre, e o padre da vossa paróquia está com 59 anos, é diabético e hipertenso, o que justificaria a não reabertura da igreja. Mas, em todo caso, ainda vamos conversar com nossos ministros. Nossa comunidade também tem um grande número de idosos, então temos que, realmente, pensar, com prudência e bom senso, sobre como abrir, de que modo abrir, se abrir.
Enquanto não tivermos uma vacina, o risco de contágio é permanente. No Brasil, temos quase meio milhão de infectados, o que significa que muita gente ainda vai morrer... Os números são alarmantes. Vamos pensar, vamos rezar e vamos, juntos, buscar o que é melhor para nossa comunidade, para cada um de vocês.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Domingo de Pentecostes (Ano A) – 31/05/2020 (missa das 10h).
Jesus: conosco até o fim dos tempos
24/05/2020
Hoje a igreja celebra o Domingo da Ascensão. A ascensão de Jesus marca o final da Sua presença física entre nós. Jesus passou a Sua vida terrena vivendo como nós. Deus desceu das alturas, se esvaziou de si mesmo até se tornar um de nós. Caminhou pelas nossas estradas; um de nós! Amou com amor humano, com coração humano. Sofreu com dor humana. Deu a vida humana para todos nós. Com a ascensão, Jesus retoma a Sua condição anterior à encarnação. Esse é o mistério do verbo encarnado. Deus, que desce do céu, se esvazia – nós chamamos de kenosis, esvaziamento – se torna um de nós, morre; é morto, assassinado! Depois ressuscita e retoma a glória que tinha antes da criação do mundo.
Esse momento marca, também, o início da vida da comunidade enquanto guiada pelo Espírito de Jesus. Semana que vem, nós vamos celebrar Pentecostes – aí é o momento que a igreja sai para o mundo. Mas a ascensão de Jesus deixa esta comunidade com uma presença misteriosa. Jesus diz: “Eu estarei convosco. Eu estou convosco até o fim dos tempos!”. A comunidade dos discípulos de Jesus nunca fica sozinha, nunca fica abandonada, porque Ele está presente no nosso meio. Ele está presente na Sua palavra, Ele está presente na Eucaristia, Ele está presente na Sua comunidade reunida, Ele está presente em todo ser humano que sofre. A igreja é chamada, por vocação, a ser testemunha dessa presença constante de Jesus no meio dela. Nós dizemos, na teologia, na Pastoral, nos Documentos do Concílio: a igreja, constantemente chamada à conversão, significa constantemente buscar ouvir e seguir Jesus que está aqui, no nosso meio; nos chama, nos desmascara, para indicar para nós o único caminho, que é Ele mesmo. Nós muitas vezes pensamos “ah, Jesus isso, Jesus aquilo...”, mas quando nós vamos nos aprofundar na Sua Palavra, nós descobrimos quanto nós estamos longe e quanto nós não conhecemos Jesus. Por isso, devemos colocar as Suas palavras na nossa vida para que Ele realmente possa ir tomando forma em nós – esse é o poder de Jesus entre nós: transformar-nos, com a força do Espírito, à sua imagem.
Hoje a igreja também celebra o 54º Dia Mundial da Comunicação Social. Por isso, nós lembramos hoje, aos pés do Círio Pascal – Jesus é a luz do mundo – os meios de comunicação, que são essa maravilha que Deus permitiu que a inteligência humana construísse, descobrisse, aprimorasse; nos leva informações, instrução, evangelização. Como tudo nas mãos do ser humano, servem para o bem, e, infelizmente, podem ser usadas de um péssimo modo. Porém, isso não tira o valor e a qualidade desses meios. Graças a esses meios de comunicação, hoje, no meio de uma pandemia como esta, talvez a maior pandemia da história, nós podemos nos comunicar, nos fazer presentes. Quantos de nós já tinham um pouco deixado de vir na Missa, não é? Estão nos seguindo. Quantos de nós não conheciam o nosso Bispo? E quantas transmissões ao vivo nós estamos tendo aqui com o nosso Bispo Diocesano, com outros padres da Diocese, com outros padres do Brasil, com outros padres do mundo? Anos atrás, nós não podíamos ver o Papa Francisco ao vivo como nós vimos no dia da bênção Urbi et Orbi, na Praça de São Pedro. É uma maravilha o que Deus concedeu ao nosso conhecimento. E esse nosso conhecimento, esses meios de comunicação, estão indo fora, não estão mais na Terra. Nós temos um satélite, uma pequena nave, o Voyager 1, que já passou dos limites de Plutão. Está indo no espaço; nós não sabemos para onde mais. E vai captando notícias, informações, mandando para nós. Meios de comunicação. Maravilhas. Vamos pedir ao Senhor que nós possamos sempre buscar o melhor desses meios.
Hoje, aqui no Brasil, em meio à pandemia, especialmente, se torna fundamental o uso dos meios de comunicação. Como dizia, infelizmente o ser humano pode fazer bom uso de tudo e mau uso de tudo. Hoje nós temos o desafio das fake news, notícias falsas, notícias inventadas, mentiras feitas e construídas para enganar e distrair o povo, criar opinião errada, justificar monstruosidades. Nós temos que, sempre mais, verificar o que nós estamos ouvindo, verificar o que nós estamos recebendo para saber se isso é verdade ou não. Essa é a dupla face de tudo nas mãos dos seres humanos.
Vamos pedir ao Senhor que nos dê discernimento para podermos sempre buscar a verdade, notícias certas, notícias seguras, para poder fazer o bem e ajudar as pessoas a encontrar a verdade. Verdade que é uma só: Jesus Cristo morto e ressuscitado.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Ascensão do Senhor (Ano A) – 24/05/2020 (domingo, missa às 10h)
Espírito Santo, vinde iluminar-nos!
17/05/2020
Nós continuamos lendo o discurso de despedida de Jesus na última ceia no Evangelho de São João. E Jesus promete enviar-nos o Espírito, o Defensor, o assistente judicial. Um assistente que nos defende contra a maldade deste mundo. Nós temos que pensar que estes textos, especialmente o Evangelho de São João, terminaram de ser escritos por volta do ano 90 d.C. E, neste período, as comunidades cristãs eram perseguidas duramente. Segundo a história, o único apóstolo que ainda estava vivo era São João. E, mesmo assim, não foi porque ele não sofreu martírio – a tradição diz que São João teria sido jogado dentro de óleo fervendo e, milagrosamente, não teria morrido. Já havia passado a perseguição de Nero, nos anos 60, quando morreram São Pedro e São Paulo e vários outros cristãos. Então nós temos grande perseguição contra os cristãos já neste período.
E o Espírito Santo é a presença de Deus em nós, que nos defende do mundo. Jesus diz: “quando vos levarem para os tribunais, não fiquem preocupados com o que vocês irão dizer, como vão se defender, pois o Espírito Santo falará por vós”. Então, nós precisamos sempre abrir o coração, pedir a Deus que mude nossa vida, que transforme as nossas ações para que nós possamos realmente seguir o Senhor. Nestes dias, nós também temos visto, aqui no Brasil, toda essa dificuldade e polêmicas como, por exemplo, de um Ministro da Saúde que, novamente, sai do cargo no meio desta pandemia. Estamos vivendo também uma crise política vergonhosa. Nenhum país do mundo, no meio de uma verdadeira guerra que está sendo esta pandemia, procura e cria uma crise política. Orientações de ministros, governadores e prefeitos de um lado e do Executivo do outro, com coisas contraditórias. O povo fica completamente perdido. Nossa imagem e reputação, no mundo inteiro, está indo para o lixo. O Brasil, que era respeitado por sua diplomacia, que buscava acordos e pacificar as situações, agora é lugar de piada.
Vamos pedir a Deus que mande o Seu Espírito para abrir o coração dos nossos governantes, para que pensem no povo e deixem de lado questões e polêmicas. Pensem na vida do povo, porque é isso que importa e os governantes estão lá para isto: para agir em nome do povo como um todo e não somente de alguns que se manifestam na frente do Planalto.
Basta olhar o nosso povo, os hospitais entrando em colapso, as mortes chegando sempre mais perto de nós. Não cuidar do povo é vender-se ao Espírito do mundo. O mundo não conhece o Espírito porque não conhece Jesus. Jesus não só respeita o povo. Jesus está disposto a dar a vida pelo povo. A força para defender o povo, para fazer o bem pelo povo, vem do Espírito. Então vamos pedir ao Senhor que ilumine o nosso povo, ilumine os nossos governantes, para que busquem o bem de todos nós.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 6º Domingo da Páscoa (Ano A) – 17/05/2020 (domingo, missa às 10h).
Deus é Jesus
10/05/2020
O Evangelho de hoje [Jo 14, 1-12] é muito denso. Nele, temos duas revelações de Jesus. Primeiramente, Ele está com seus discípulos na última ceia e dá Suas instruções finais. Ele sabe que o cerco se fechou; que, entre Seus apóstolos, um já O traiu; Ele sabe que é o fim. São Suas últimas palavras, e Ele diz: "Eu vou para o Pai e vou preparar um lugar para vocês. Se não fosse assim, eu vos teria dito". Esta é uma revelação de Jesus: a morte nos conduz para o lugar do Pai – não um lugar como aqui e ali; o lugar é a presença do Pai, estar na presença Dele, na eternidade. Nossa vida não é cancelada com a morte, não desaparece com o último suspiro; nossa vida permanece diante do Pai. Esse é o lugar de Jesus, Ele está à direita do Pai. Então nós, no momento da morte, entramos no lugar onde Jesus está. Ele é a porta, Ele nos coloca diante do Pai. Essa é a fé dos cristãos! Isso nos anima, até mesmo, a dar a vida pelos outros, pois a morte, para nós, não é mais um problema, um limite; o nosso destino é a presença do Pai.
Tomé, então, pergunta: "Se não conhecemos o caminho, como vamos para lá?". E Jesus diz esta frase: "Eu sou o caminho verdadeiro para a vida". Pode ser que você conheça de outro jeito: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". Esse modo de falar é grego; um hebreu nunca poderia dizer essa frase, da mesma forma como nós, brasileiros, não podemos usar algumas expressões americanas. Nós não falamos, por exemplo, vou "mercadar", e sim "vou ao mercado". Assim, em grego, pode-se dizer: "Eu sou caminho, verdade e vida", mas em hebraico se diz: "Eu sou o caminho verdadeiro para a vida".
Mas, afinal, o que Jesus está nos dizendo com essa frase? Que não existe outra via. Na semana passada, Ele disse: "Eu sou a porta", e que todos que vieram antes Dele eram ladrões que não amavam as ovelhas. É a mesma coisa: não existe outro caminho! Serviço, humildade, fraternidade, solidariedade, acolhida do outro, justiça, paz, vida digna, "vida em abundância": esse é o caminho de Jesus. Todos aqueles – todos! – que proponham outra via que não seja essa estão fora do caminho de Jesus, mesmo que se confessem cristãos – e pior ainda, cristãos católicos. O caminho de Jesus é somente este: amor, serviço, solidariedade, justiça, paz, vida em abundância para todos – não para uma classe, não para minorias ou maiorias, não para metade da população: para todos! Essa é a via de Jesus. E, em Seu modo de agir, Ele mostrou que era isso o que buscava.
Depois, Felipe, que simboliza o mundo grego, diz: "Mostra-nos o Pai". Querer ver Deus: esse era o anseio de todos os povos, não só do povo hebreu. Moisés ousou pedir a Deus: "Mostra-me o Teu rosto", e Deus falou: "Ninguém pode ver o Meu rosto e permanecer vivo, nenhuma criatura pode ver o Meu rosto e permanecer viva". O próprio Elias, quando Deus se manifesta para ele, cobre o rosto, pois não se pode olhar para Deus. Todos os povos falaram sobre Deus, projetando Nele as nossas limitações. Nós somos fracos; Deus é imensamente forte, Ele conduz o Universo. Nós somos limitados; Deus não tem limites. Nós somos finitos, morrermos; Deus é infinito! Conhecemos pouco as coisas; Deus é onisciente. Mas, com isso, só estamos projetando uma imagem de nós mesmos elevada a um nível absurdo. E, muitas vezes, cometemos o erro de querer colocar o que inventamos com nossa filosofia, nossas religiões e teologias dentro de Deus, dentro de Jesus, o que gera uma grande confusão...
Jesus diz: "Felipe, estou há tanto tempo com vocês e ainda não me conhecem? Quem me vê, vê o Pai; eu estou no Pai e o Pai está em mim; eu e o Pai somos um". Jesus revela o Pai: Deus é Jesus. Suas ações, Seus pensamentos, Suas opções, Seu modo de agir, as pessoas de quem Ele se aproxima, as coisas que Ele desmascara: isso é ação de Deus. Jesus é Deus. Então nós não temos que criar uma "superimagem" de Deus e colocá-la sobre Jesus. É o contrário. Devemos olhar para Jesus e dizer: "Deus é assim". Nos gestos, palavras e opções de Jesus: aí está Deus. Mesmo que isso não nos agrade; mesmo que isso nos deixe completamente confusos e perdidos. Por exemplo, quando pensamos no trono de Deus; o trono de Deus é a cruz! Onde está o coração de Deus? Junto dos pobres, dos doentes que Jesus se aproximou, das pessoas que eram colocadas de fora até pela religião. Jesus está perto do estrangeiro, dos doentes, das pessoas que os "bons religiosos" olham com maus olhos e excluem, daquelas pessoas que os "bons religiosos" desprezam e chamam de pecadores. Jesus está lá, junto delas. Essa forma de agir de Jesus quebra o nosso modo – errado – de pensar que Deus só gosta dos bons, das pessoas "de bem"; que, perto Dele, o pecado e o pecador não chegam. Jesus mostra exatamente o contrário! Ele acolhe, ama o pecador. Jesus nos encoraja! Jesus quebra a mentira que o maligno colocou em nosso coração. Ele diz: "Não tenham medo, tenham confiança! Creiam no Pai, creiam em mim". Jesus derruba a mentira que o pecado original colocou em nosso coração quando desconfiamos de Deus e do outro. "Confiem no Pai, confiem no próximo". E Jesus mostra: Ele perdoa Pedro, Ele acolhe os pecadores, Ele salva um assassino. Qual desconfiança ter? Que medo ainda ter de Deus?
É muito interessante ver, no Antigo Testamento, que Deus diz ao profeta: "Eu amo meu povo como uma mãe. As minhas vísceras tremem de amor pelo meu povo". Só uma mãe sabe o que é isso, pois ela tem útero. Deus nos ama com esse amor materno, um amor forte, indestrutível – ainda que haja mães que não amem seus filhos desse jeito. E Deus diz isso ao profeta, pois conhece o coração humano: "E ainda que houvesse uma mulher na face da terra que não amasse o fruto de suas entranhas, Eu não deixo de amar o meu povo". Essa é a mensagem, é isso que Jesus faz e mostra. Deus nos ama com amor de mãe e nos dá confiança para seguir os passos de Jesus.
Vamos pedir ao Senhor a graça de poder ver sempre a verdadeira imagem de Deus, que é Jesus. Aprender Dele quem é Deus. Ter força e coragem para poder fazer os mesmos gestos – não repetir gestos de dois mil anos atrás em outro lugar e outro tempo, mas ser, hoje, pessoas que amam, acolhem, são solidárias, lutam pela justiça e pela paz. Hoje e todos os dias nós podemos fazer isso, e assim estaremos fazendo a vontade de Deus – até os que não creem em Jesus. Quem pratica a justiça, o bem e a solidariedade está no caminho de Jesus.
Vamos pedir à Virgem Maria; ela, que teve a coragem de abraçar a vontade e o caminho de Deus, um caminho que a levou por estradas dolorosas; ela teve coragem porque confiou em Deus, não duvidou: Deus é fiel! Vamos pedir a ela que nos mostre o caminho de Jesus e nos ajude a caminhar por ele.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 5º Domingo da Páscoa (Ano A) e Dia das Mães – 10/05/2020 (domingo, missa às 10h).
Ser como o Bom Pastor
03/05/2020
Gosto muito de fazer perguntas para o povo, mas como não tem povo, eu vou fazer a pergunta e eu mesmo dou a resposta... Qual é o nome de Jesus? Jesus poderia ter um nome da época, eles chamavam assim os filhos “Jesus bar-José”, Jesus filho de José, e todo mundo acreditava que José era o pai de Jesus, ou então Jesus de Nazaré. Na cidade de Nazaré, ele era conhecido como Jesus o carpinteiro. E o que quer dizer Jesus Cristo? Cristo não é o sobrenome de Jesus? Não! Cristo é um título. Cristo significa ungido. Dizendo Jesus Cristo, nós estamos dizendo Jesus, o ungido. Ungido de quem? O ungido do Pai. Ungido com o que? Com o Espírito Santo. O Espírito Santo é a unção do Pai. Jesus é aquele que tem o Espírito. Jesus Cristo, Jesus o ungido, Jesus aquele que nos dá o Espírito. Isso é um pequeno esclarecimento sobre o nome de Jesus: Jesus Cristo não é nome e sobrenome, Jesus Cristo é nome e título. Um título messiânico, ungido de Deus.
Nós ouvimos hoje essa leitura muito bela, a Segunda Leitura [1Pd 2,20b-25] mostra quais são as atitudes do pastor. O pastor cuida mesmo sofrendo e não ameaça, ele dá a vida pelos seus. O pastor assume as dores que o seu povo está sentindo, sente na sua carne as dores daqueles que sofrem. Só Deus poderia inspirar Pedro a dizer essa frase maravilhosa: “Pelas suas feridas, pelas suas chagas nós fomos curados”. O Bom Pastor sofre, se dedica, às vezes é perseguido, porque ele quer cuidar bem das suas ovelhas. E, no caso de Jesus, não só perseguido, mas assassinado, com uma morte infame, por amor aos seus, porque Ele ama os seus. E Jesus diz “Eu sou a porta”. Perguntamos, porta? Esse sentido de porta é uma linguagem simbólica: quem tem a porta de um lugar, tem todo o lugar. Isso quer dizer que Jesus é o céu, Jesus é a vida, Ele é a porta, quem entra tem vida, porque Ele dá vida. Ele não tem só a porta, não é porteiro, vamos dizer assim, da vida eterna ou da nossa vida, mas Ele é toda a nossa vida.
Uma coisa interessante do Evangelho [Jo 10,1-10], Jesus fala que o Bom Pastor chama as ovelhas pelo nome. Deus não é como os grandes deste mundo – hoje especialmente, mas estranhamente no tempo do Rei Davi se fez a mesma coisa, as pessoas são números. Davi mandou fazer um recenseamento, porque queria saber quantos hebreus tinham e Deus o puniu. Os filhos e filhas de Deus tem nome e sobrenome, não são números de estatística, não são mais 3 mil mortos, mais 250, são pessoas, são vidas, são histórias... Quando nós dizemos que Deus conhece cada um de nós no mais íntimo do nosso ser, nos nossos pensamentos, nos nossos desejos, nos nossos pecados, na parte mais obscura que nós trazemos dentro de nós, isso é para dizer que Deus nos ama e nos conhece. Para Deus, para Jesus, nós não somos um número, nós somos filhos e filhas. Como a mãe e o pai conhece o nome de cada filho, conhece o caráter de cada um, mas se você perguntar para uma mãe ou para um pai qual deles você ama mais? Eles vão dizer que amam a todos, mas você vê que, para cada um, esse amor se manifesta de um modo e todos os filhos vão dizer sou amado pelos meus pais. Triste é a pessoa que não tem essa experiência, mas ela vai ficar na saudade dessa experiência. Deus é assim, Ele ama a cada um e se importa com a vida cada um. Deus não diz “ah tem 20 milhões vamos acabar com 200 mil”. Deus não é um monstro. Os governantes deste mundo são monstros às vezes, quando pensam e agem como Davi que quis contar os hebreus para cobrar impostos e saber com quantas pessoas ele podia contar no caso de guerra. Não era sinal de amor. Do mesmo modo, muitas vezes nós percebemos as atitudes dos nossos governantes que não são de amor nenhum pelo povo: descaso, deboche, falta de iniciativa, não se preocupar se o número dos desempregados aumentam ou não, se todos tem casa ou não, se a educação está melhorando, se a saúde pública está chegando a toda a população, incluindo aquela mais pobre que não tem outras condições para cuidar da própria saúde. Podem me dizer: “mas, padre, isso não tem nada a ver com o Evangelho!”. Tem, e tem muito, porque Jesus, o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas, que se compadece de cada uma de suas ovelhas, mostra a todos os pastores, a todos os governantes, a todos os líderes religiosos como ser pastor. E se nós não estamos sendo pastores: Jesus diz quem não é pastor é ladrão, não tem meio termo. E quanto mais responsável você é, tanto mais grave a sua culpa se você não cuida do seu povo, se você não ama seu povo. Quem cria divisão, ódio, quem impede as pessoas de pensar, é ladrão, não é pastor, não sabe guiar as suas ovelhas.
Vamos pedir a Jesus, especialmente neste tempo terrível que estamos passando, de pandemia, onde nós nem podemos ir à igreja, que Ele nos dê bons guias, bons pastores, que pensem no povo, que pensem na quantidade de cidadãos brasileiros que estão morrendo, que isso doa coração deles, que eles não demonstrem por nós pouco caso e deboche. Como eu disse outras vezes, o nosso povo não merece isso. O nosso povo é bom, o nosso povo é trabalhador, o nosso povo precisa de bons dirigentes e o modelo é Jesus, que se compadece pelo povo e é capaz de dar a vida pelo povo. Vamos pedir ao Senhor que nos ajude.
Vamos pedir também que a nossa população se conscientize do perigo que nós estamos correndo em não usar os vários modos de cuidado diante desta pandemia: usar máscara toda vez que sair de casa, ficar em casa, lavar as mãos, ajudar uns aos outros... Nós temos o WhatsApp, nós temos a possibilidade de mandar uma mensagem, às vezes, nossa avó está sozinha e precisa ficar sozinha, porque nós podemos ser uma ameaça para ela, mas mandar uma mensagem, fazer uma chamada de vídeo. Não podemos esquecer as pessoas, principalmente aquelas que estão sozinhas, e devemos nos ajudar do melhor modo possível pedindo a Deus, especialmente pelos mais pobres, para os quais esta situação de ficar em casa pode significar ficar num cubículo de 2 m x 2 m, ou para aqueles que a palavra casa não existe, porque vivem na rua. Vamos rezar e fazer o que podemos por essas pessoas. O modo que temos aqui na paróquia é ajudar com os mantimentos para as famílias pobres, é uma pequena ajuda. Nós não conseguimos dar aqui na igreja uma habitação melhor, mas ao menos um pouco de comida nós podemos. Procuremos fazer aquilo que podemos fazer.
Que o Bom Pastor que é Jesus, nos ensine todos os dias a seguir os seus passos.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo da Páscoa (Ano A) – 03/05/2020 (missa às 10h).
A eucaristia é a presença viva de Jesus
26/04/2020
Este Evangelho [Lc 24, 13-35] é muito conhecido: o Evangelho dos Discípulos de Emaús. O que estava acontecendo? Eles viram o fracasso; seguiram Jesus (não eram os apóstolos, mas estavam entre os outros discípulos de Cristo), colocaram Nele muita esperança – tanto que vão dizer: "Ele era aquele que nós pensávamos que iria libertar Israel, mas já faz três dias que essas coisas aconteceram". Esses homens, como Maria Madalena, quando foi ao túmulo prestar homenagem a um cadáver; como o discípulo amado e Pedro, que correram e viram os panos caídos no chão, mas, no fim das contas, sabe-se lá o que aconteceu... Todos estavam, no primeiro momento, voltados às suas ideias antigas, fixas; não conseguiam, de jeito nenhum, abandonar o olhar daquele túmulo, daqueles pensamentos, ilusões, sonhos que tinham. E esses discípulos disseram em que acreditavam: "Nós esperávamos que Ele fosse o libertador de Israel". Eles continuavam com a velha ideia: Ele ia reformar o culto do templo, ia transformar Israel na maior nação da Terra, ia subjugar os povos, começando pela expulsão dos romanos.
Velhas ideias. Velhos desejos. Velhos ideais. Talvez até justos – que povo gosta de viver na opressão? As ideias não eram más, eram justas; o templo estava cheio de sacerdotes que nem acreditavam na vida eterna... Eles esperavam coisas boas, mas coisas muito pontuais: nesta realidade, neste mundo. Jesus trouxe algo novo! E é compreensível que esses homens não conseguissem entender imediatamente, apesar de Jesus ter falado várias vezes: "Eu não vim para ser servido, Eu vim para servir, para dar a vida". Era difícil romper essa mentalidade velha.
Jesus caminha com eles, sabe-se lá por quantos quilômetros. Naquele tempo, as pessoas andavam a pé, em estradas de terra – a região da Judeia é um deserto. Esses homens não estavam passeando, estavam indo embora: "Acabou o sonho, foi tudo uma ilusão... Vamos voltar para nossas antigas coisas, nossas antigas tarefas. Vamos baixar novamente a cabeça e viver sob o jugo de Roma, de Herodes". Jesus caminha com eles, e o coração deles está tão angustiado por esses sonhos que se acabaram, pelo "aqui e agora" de todas as coisas, que não conseguem nem mesmo reconhecer Jesus.
E Jesus diz: "Como vocês são lentos". Este texto nos dá uma chave de interpretação. Se você perguntar a um hebreu ortodoxo se determinada passagem é sobre Jesus, ele irá responder: "Não, é sobre outra coisa". Para eles, os salmistas, os profetas, Moisés... Todos estão falando de outra coisa, porque eles não acreditam na ressurreição. A ressurreição de Jesus vai jogar uma luz completamente nova nas escrituras. O que antes estava escondido, o que antes não era claro, o que antes talvez nem fizesse sentido, agora faz! É uma luz nova, é uma interpretação viva! E basta uma frase da escritura se cumprir para que toda a escritura se cumpra.
Então Jesus vai ensinar os discípulos a reler a Palavra – e esta é a experiência cristã: reler a escritura dos hebreus com a luz da ressurreição, uma luz que eles não têm, porque não creem em Jesus. Aqueles homens vão, então, perceber essa luz: "Olha, ele está falando isso, mostrando aquilo, demonstrando aquela outra coisa... Nossa, ele tem razão!". E continuam andando até chegarem em casa. Para os hebreus, a hospitalidade é um dever sagrado; todo bom hebreu acolhe o peregrino. E diz a escritura que a noite vinha chegando, estava entardecendo. Nós temos que pensar no que significava viajar à noite, 2 mil anos atrás, sem luz, no meio de um deserto: você está à mercê de tudo! Se não tiver lua, você não vê nada, fica no breu. É importante lembrar disso. Então eles falam: "Está caindo a noite, fique conosco".
Esse convite nos lembra outra passagem: Abraão, meio-dia, deserto. Na hora mais quente do dia, ele vê três homens vindo, lá longe. Ele morava perto de uma árvore enorme, um tipo de oásis. E o que ele faz? Corre, ajoelha-se diante daqueles homens e pede: "Por favor, sentem-se aqui, na sombra desta árvore, vou preparar algo para vocês". É o bom hebreu, que acolhe o hóspede. Recebendo-os, Abraão acolheu anjos. Na tradição cristã, isso vai ser diferente: "Acolhendo o pobre você está acolhendo Jesus". Temos também a história de São Martinho de Tours, que era um soldado cristão. Ele estava andando a cavalo no meio da neve quando viu um pobre na estrada, quase nu, batendo o queixo de frio. São Martinho, então, cortou seu manto pela metade e deu àquele pobre. Durante a noite, viu o mesmo pobre em sonho, mas com as chagas de Cristo, todo vestido com pedras preciosas, dizendo: "Naquele pobre, você me acolheu". Temos ainda a história de São Francisco com o leproso. Ele tinha horror a leprosos! E, um dia, um leproso pediu: "Misericórdia, me dê uma moeda!". São Francisco, vencendo a si mesmo, desceu de seu cavalo, deu a esmola e deu um beijo no leproso antes de subir de volta no cavalo. Quando se virou para ver o leproso, não o viu mais. A tradição franciscana sempre viu neste leproso o próprio Jesus. Então esse gesto de acolher o peregrino, acolher o necessitado, ajudar o pobre, é ajudar a Jesus. Isso entrou para a tradição cristã de forma muito forte, em nossas ações.
Depois, os discípulos sentam-se com Jesus. Era um gesto de acolhida oferecer repouso, alimento, água para o hóspede. E era um gesto de grande honra pedir ao hóspede que abençoasse os alimentos. E o que acontece? Pode ser que esses homens até estivessem lá na última ceia, nós não sabemos... Fala-se dos 12, mas não se sabe quantas pessoas a mais poderiam estar ali ou se os apóstolos contaram a outras pessoas como foi. O importante é que ali, na hora da bênção, essa pessoa que eles não tinham reconhecido faz um gesto que, agora, eles reconhecem! Um gesto feito várias vezes: na multiplicação dos pães, na última ceia... E na hora em que Jesus reparte o pão e o entrega, os olhos deles se abrem. Isso é uma graça de Deus! Ninguém chega à fé sem a graça de Deus. É só a misericórdia de Deus que nos dá a fé. Porém, todos podemos fazer o bem, isso está no coração humano. E Deus nos julgará pelo bem que fizemos, como diz a carta de São Pedro [1Pd 1, 17-21].
Então esses homens reconhecem: "É Jesus!". E naquele instante, Jesus não está mais com eles. Está, mas de outro jeito: no pão repartido. A eucaristia, para nós, é a presença viva de Jesus! Não é só corpo e sangue; nós não temos um cadáver dissecado em cima de um mármore. É a vida Dele, é tudo! Está ali, na eucaristia que nós recebemos, no pão que esses homens viram Jesus partir. E o interessante: a essa hora, a noite já tinha caído, e esses homens, iluminados por essa luz nova, "a luz que brilha nas trevas", vão voltar 11 km até Jerusalém. Eles contam para os apóstolos o que aconteceu: "Nós vimos!", e os apóstolos confirmam: Ele apareceu a Pedro! Sobre esta aparição a Pedro, nós sabemos apenas a afirmação dos apóstolos. Provavelmente, nesta aparição, Jesus concede a Pedro o perdão, confirma sua fé e lhe dá a autoridade sobre a Igreja: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja".
Vamos pedir ao Senhor que nos dê esta graça de ver Jesus. Nós nos enganamos tantas vezes com o modo de pensar deste mundo, com todas as coisas que nos acontecem... E perdemos de vista o sentido da nossa fé. A nossa fé não olha só para esta realidade, a nossa fé ilumina esta realidade, com esperança, com o amor de Deus e com a busca por fazer o que nos é possível dentro das várias situações. Às vezes, como agora, neste tempo de pandemia, eu não posso sair por aí; mas alguma coisa eu posso fazer: posso rezar com minha família, posso ler mais a Bíblia; posso estar atento para saber se a vizinha ou o vizinho do lado, que às vezes moram sozinhos, às vezes são idosos... Se eles precisam de alguma coisa. Podemos fazer tanto! Nós temos tantos meios de comunicação. Quantas pessoas nós podemos encorajar com uma palavra? Um "bom dia", neste tempo, é um respiro: "Nossa, aquela pessoa lembrou de mim!". Quanto nós podemos fazer... E cuidar uns dos outros: ficar em casa! Fazer o possível para estar em casa!
Nós também estamos diante de um momento muito difícil para o Brasil. Muito! Vamos rezar para que nossos governantes, realmente, pensem no bem do nosso povo. Tem um filme que fala sobre a Rainha Elizabeth I, da Inglaterra; diante dos vários problemas, ela sempre coloca esta frase: "O bem do meu povo". Não o dela, mas o do povo. Que nossos políticos, que nosso Judiciário, que nosso Executivo e os próprios brasileiros busquem o bem DO POVO, e somente o bem do povo.
Jesus entregou a própria vida pela salvação de todos. Não poupou nada, nem Sua própria vida. Vamos pedir ao Senhor esta graça de poder usar a nossa vida para o bem dos outros.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo da Páscoa (Ano A) – 26/04/2020 (missa às 10h).
Felizes aqueles que acreditaram sem terem visto
19/04/2020
As leituras de hoje nos chamam a olhar para nossa fé, para nossa esperança. A Primeira Leitura [At 2,42-47] fala de um primeiro momento na vida das comunidades de Jerusalém. É um momento que mostra solidariedade. Todos tinham tudo em comum: vendiam o que possuíam, depositavam tudo aos pés dos apóstolos. As coisas eram repartidas segundo as necessidades de cada um, e não havia necessitados. Eles viviam em oração, eram bem queridos por todos porque mostravam a alegria da salvação. Isso foi um primeiro momento. Mas um momento, podemos dizer, de extrema ingenuidade. Este modelo econômico – se podemos chamar assim –, ou modelo comunitário, funcionou bem por um tempo porque depois que ninguém tinha mais nada, veio uma escassez enorme sobre a região da Judéia e as comunidades começaram a passar grande necessidade. E aí, então, nós temos o outro modelo econômico que é aquele proposto por São Paulo.
São Paulo promoveu uma grande coleta entre as várias comunidades cristãs espalhadas no mundo pagão e enviou isso para os irmãos de Jerusalém. São Paulo dizia: “cada um dê segundo a alegria do seu coração.” E essa forma deu resultado. Assim, muitos vieram em socorro, ajudaram com o que era necessário, e esta se tornou a forma como a Igreja sempre cuidou das pessoas, dos fiéis, dos pobres: buscando sempre a solidariedade entre os irmãos, de modo que cada um possa contribuir com aquilo que pode, com aquilo que pede o seu coração, estando alegre nesta doação. Colaborando para que todos possam ter o necessário.
A carta de Pedro [1 Pd, 1,3-9] nos coloca a questão da grande misericórdia de Deus, que nos fez renascer pela morte e ressurreição de Jesus. E é bonito ver essas palavras: “sem ter visto o Senhor vós O amais, sem O ver ainda, Nele acreditais. Obtereis aquilo em que acreditais, a vossa salvação.”
Crer. A fé não precisa de sinais. A fé não é colocar Deus à prova. A fé é entregar-se, confiante, nas mãos de Deus. Não é uma fórmula para nos livrarmos das dificuldades e das dores da vida, afinal, estas virão sempre! Basta ver a vida do próprio Jesus: foi a vida de uma pessoa pobre. A pessoa que foi perseguida já na infância, a qual viveu em uma cidade pequena e que, depois, quando sai para anunciar o Evangelho, é hostilizado por muita gente. Muitas pessoas creram Nele, mas muitos rivalizaram com Ele, difamaram-no e, no final, mataram-no. Nós sempre temos que ter isso diante dos olhos porque senão nós caímos em uma fé muito mágica: “rezei um rosário, Deus tem que me dar isso.”; “Como é que eu rezo sempre e Deus não me dá aquilo?”. Essa magia é caderneta de poupança espiritual e isso não tem o menor sentido. Isso não é fé, isso é barganha. E Deus não se compra.
Depois, nós temos o Evangelho de João [Jo 20, 19-31], que fala de São Tomé, o primeiro fruto da ressurreição. Jesus aparece para os apóstolos e já tinha aparecido para Maria Madalena, na manhã do domingo. Mas eles não acreditaram muito! Jesus aparece, estando eles com as portas fechadas, mas Tomé não estava no local. Vale ressaltar a questão das portas fechadas. Ele não entrou pela porta, Ele não atravessou a parede. Jesus não era um fantasma. Jesus está no meio deles. Isso nós chamamos de teofania, manifestação de Deus. Deus surge em nosso meio, nessa realidade que não é o mundo de Deus. O mundo de Deus é a transcendência. E diz aos apóstolos: “a paz esteja convosco.” Paz, em hebraico, é shalom, o shalom de Deus. É alegria, é fartura, é bem social, é casa, é comida. Na época, é curral cheio de filhotes, é colheita boa, é viver bem com a esposa, viver bem com os filhos, viver bem com os amigos, não ter guerras, é todo o bem que se pode desejar para uma pessoa. Não é só esse sentido vazio quase que damos para a paz atualmente. Paz não é a ausência de guerra entre um país e outro. Não! A palavra hebraica diz muito mais que isso. E através de Jesus ressuscitado, essa paz passa a ser a paz de Deus.
Jesus ressuscitado é algo diferente. Não é esse corpo comum nosso. Tem algo diferente. Por exemplo, os discípulos de Emaús não O reconheceram imediatamente, andaram quilômetros conversando com Ele. Maria Madalena, no início, conversou com Ele e não viu quem era Ele. Mas algo nos faz ver que é Ele. “Olhem as marcas nas minhas mãos, olhem o furo no meu lado – a lança que abriu o coração de Jesus – sou eu!”. Os santos místicos dizem que Jesus está eternamente crucificado diante do Pai. A glória que Jesus carrega consigo não anula os sinais da crucifixão. O ressuscitado é o crucificado. E Ele intercede por nós diante do Pai, com o sangue da Sua crucifixão, que está glorioso diante do Pai.
É interessante também ver que Jesus sopra sobre os apóstolos: “recebei o Espírito Santo.” Nós temos que lembrar que cada pessoa divina manifesta a trindade toda. Jesus é a imagem do Pai e é aquele que dá o Espírito. A Sua presença nos comunica o Espírito. E, aqui, Jesus transmite o Espírito com autoridade divina. Dizer “a quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados. A quem não perdoardes, não lhes serão perdoados” não significa uma atitude mecânica de perdão. “Ah, o padre ou o bispo escutam os pecados e decidem se vão perdoar ou não!” Isso é uma leitura mecânica, fraca, teologia de migalhas. Jesus dá aos seus apóstolos a plena autoridade divina para perdoar os pecados. Jesus é o perdão dos pecados. Ele dá para a Sua Igreja, na pessoa dos seus ministros, bispos e sacerdotes, o Seu poder. É o poder de Deus de perdoar os pecados. A Igreja depois vai disciplinar como fazer isso, mas é o poder divino. Deus dá à Sua igreja o maior dom Dele mesmo, o perdão dos pecados.
Nós temos, por força da ressurreição, o perdão de Deus. E isso não é pouco: é poder realmente confiar em Deus, como irmãos e irmãs, como filhos e filhas. Depois nós temos São Tomé que, como bom judeu, não aceita palavras. Ele está amarrado nas suas antigas tradições. Ele quer um sinal, faz um desafio. Ele duvida: “eu quero ver o sinal!” E Jesus novamente se manifesta aos apóstolos, com Tomé junto. Aparece, mostra para ele os sinais da ressurreição. E nós temos aqui a maior profissão de fé dos evangelhos. Tomé chama Jesus de “meu Deus”. Tomé proclama Jesus igual ao Pai. É a maior profissão de fé que nós temos. E Jesus lhe disse: “acreditastes porque Me vistes? Bem aventurados os que creram sem terem visto.” Essa frase se coliga imediatamente com a carta de São Pedro: “sem ter visto o Senhor vós O amais; sem O ver ainda, Nele acreditais.”
Jesus se manifesta na nossa vida em acontecimentos, na Sua palavra, na eucaristia, na reunião dos irmãos, na fé com que Ele está nos unindo neste período de quarentena. Talvez nós estejamos muito unidos, mais do que possamos pensar. A nossa fé em Jesus está nos reunindo de uma forma silenciosa, recolhida, nos fazendo pensar e refletir o que significa poder encontrar os irmãos e as irmãs. E ao mesmo tempo que sentimos essa profunda união entre nós, sentimos também que Jesus está em nosso meio. Mesmo estando distantes, Ele não nos abandona e Ele nos reúne em comunidade com aqueles que creem Nele. Vamos pedir ao Senhor que nós realmente possamos viver como discípulos do crucificado ressuscitado.
Jesus carrega consigo a nossa história e ela está ressuscitada diante do Pai. Jesus, com Seu Sangue, implora a misericórdia do Pai. E o Pai não nega nada que Jesus lhe pede. Essa tem que ser a nossa alegria. Essa é a nossa fé e isso tem que nos animar também durante este tempo estranho. Não digo difícil, mas sim estranho, de quarentena. Nós estamos há pouco mais de um mês em quarentena. Vamos pensar que existem pessoas no mundo que ficam quatro ou cinco meses dentro de casa porque não podem sair, porque fora de casa tem três metros de neve e nada se move. E não é o fim do mundo. O nosso caso é para o bem dos irmãos e das irmãs. E se a comunidade de Jerusalém repartia os seus bens e foi ajudada pelas coletas das comunidades cristãs do paganismo, vamos lembrar também que nós precisamos, ainda e muito, da solidariedade de todos para com os pobres. Ontem, nós entregamos 114 cestas para os pobres. Existe muita necessidade. Nós, às vezes, não nos damos conta. Às vezes, para nós, 50 reais não é nada. Minha irmã é uma diretora de escola estadual. E são as escolas estaduais que estão entregando o valor dos 50 reais da merenda das crianças. E ela estava nos falando que dá realmente uma dor profunda ouvir pais e mães de família dizendo “muito obrigado, esses 50 reais vão nos ajudar muito”. Nós não temos ideia do que é a necessidade das pessoas mais pobres. Vamos ajudar, meus irmãos. O pouco, que seja, é grande, é muito nas mãos de Deus. Com a vossa caridade nós conseguimos alimentar estas famílias. Não vamos deixar nossos irmãos sem a necessária ajuda neste momento.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2º Domingo da Páscoa (Ano A) – 19/04/2020 (domingo, missa das 10h)
A alegria da vida eterna
12/04/2020
O que temos nesse Evangelho [Jo 20,1-9]? Essa mulher, Maria Madalena, que seguiu Jesus por muito tempo e foi curada por ele. A escritura diz que Jesus expulsou dela sete demônios e esta mulher vai ao túmulo, como muitas vezes, nós também voltamos ao túmulo dos nossos falecidos, para prestar culto a uma memória de alguém que se foi. Ela foi também para fazer a última homenagem àquele corpo, levou perfumes para jogar em cima do corpo, mas Maria procura um cadáver, um morto, um defunto. Na experiência humana, essa é a nossa possibilidade, somos limitação e fraqueza, queremos conhecer, saber, nos interrogamos sobre muitas coisas – inclusive agora, nesse tempo do coronavírus, quantas perguntas, quantas insinuações e invenções existem, alguns falam até mesmo de um complô internacional, isso é tudo delírio e é tudo o que nós podemos, no máximo, deliramos.
Maria Madalena vai visitar esse túmulo e se surpreende quando vê que a pedra foi atirada fora. Ela entra em um túmulo e procura um cadáver, como nós fazemos, mas não o encontra. Se o cadáver não está ali, roubaram: esse é o nosso modo de pensar, é a evidência da nossa vida. Ela corre e vai avisar os apóstolos que roubaram o corpo, Maria continua na evidência da nossa vida. Jesus tinha anunciado várias vezes que iria ressuscitar, mas isso é algo novo que nós nunca tínhamos visto, portanto ela vai e diz aos apóstolos. Eles voltam ao túmulo e constatam que de fato o cadáver não estava lá. Estavam lá as faixas, do modo como os judeus enterram seus defuntos, o pano que estava sob o rosto de Jesus, mas o cadáver não está. Tendemos a insistir na nossa experiência, porém o Evangelho diz que o discípulo amado creu e acreditou, algo de novo aconteceu ali. Ele intuiu: Deus fez alguma coisa diferente, que ele não sabe o que é, mas fez.
Encontrar simplesmente um túmulo vazio realmente não significa nada, se não fossem as experiências com o Ressuscitado que os apóstolos e mais 500 discípulos tiveram depois com Jesus Ressuscitado. A vida de Deus é diferente da nossa. Deus nos revela o que é Dele. Nós, por nós mesmos, conseguimos decifrar sinais da vida, sinais de Deus e Ele deixa os seus rastros: na beleza da natureza, na beleza do ser humano, na beleza da Palavra, dos ensinamentos de Jesus, porém a verdade de Deus só Deus pode revelar, e essa verdade Jesus nos dá, pois Ele é Deus como o pai. Esta revelação, eis o último dia da criação, que é a ressurreição, a vida desse mundo continua em Deus, não acaba aqui. O túmulo vazio não é sinal de roubo, é sinal de vida nova. Todos nós em Cristo ressuscitamos na morte, essa é a novidade. Agora eu sou a ressurreição e a vida. “Hoje estarás comigo no paraíso”, Jesus não diz “a tua alma estará comigo no paraíso”, e sim “hoje você estará comigo no paraíso”. Hoje, não daqui um mês ou daqui um ano, não daqui 500 anos, hoje! Pois a morte nos abre para a eternidade de Deus. O hoje de Deus não conhece fim, essa é a revelação que Deus nos faz em Jesus e essa revelação vai nos iluminar, todo o caminho do povo hebreu, toda escritura, todo o caminho da humanidade e, nós podemos dizer, toda a existência do cosmo. Deus e a sua realidade aparecem dentro da nossa vida e nos faz participantes da vida Dele.
Vamos pedir ao Senhor para vivermos realmente dessa alegria. Quando sabemos que nossa vida é eterna, uma vez concebidos não morreremos mais. A morte, como diz muito bem a
liturgia, é a transformação. Desfeito esse corpo nos é dado no céu um corpo imperecível. Não devemos nunca perder a esperança e, por essa vida nunca ter fim, podemos até arriscá-la a dar mais vida para os que sofrem, pelos que não tem vida, que não tem dignidade, aqueles que estão a margem de tudo que o mundo injusto cria pra sofrer, isso Deus não quer. Deus quer que essa vida, que continua, seja usada e gasta para o bem de toda humanidade, isso Jesus nos ensinou e é isso que devemos fazer. A todos vocês uma boa Páscoa!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor (Ano A) – 12/04/2020 (domingo, missa das 10h)
A ressurreição é a revelação da vida eterna!
11/04/2020
Minhas irmãs e meus irmãos, a ressurreição de Jesus é a novidade de Deus, a revelação do Pai. Jesus, com Sua morte e ressurreição, inaugura o último dia da criação. De propósito, a primeira leitura [Gn 1, 1. 26-31a] termina no 6º dia – "Houve uma tarde e uma manhã: sexto dia".
Nós vimos Deus irromper na nossa história de um modo que só Ele pode fazer. Só Ele pode nos deixar boquiabertos com algo que nós nunca poderíamos imaginar. É a ressurreição que vai nos fazer reinterpretar toda a vida de Jesus; e não só a vida de Jesus, mas toda a Sagrada Escritura; e não só a Escritura, mas toda a vida do povo de Israel; e não só isso, mas toda a história humana. Tudo agora tem uma nova luz! A ressurreição é o selo, é a revelação do Pai, que aprova perfeitamente, totalmente as ações e gestos de Jesus, Suas palavras, Seus sentimentos, Suas opções. Toda a Sua vida é revelação do Pai. Esta última revelação se mostra na ressurreição. Ressurreição que ilumina não só os hebreus, não só os discípulos, mas toda a humanidade. A Palavra de Deus, a promessa de Deus é para sempre!
Nós esperamos ainda a última revelação, que Jesus já nos anunciou: o dia em que Ele voltará para julgar o céu e a terra. E esta palavra de Jesus, palavra final sobre a história, será uma palavra de misericórdia. Tudo que é diferente disso não é de Deus.
O Pai nos deu Seu Filho, cujo sangue intercede por nós diante Dele. Não há mais medo! É o primeiro anúncio que o anjo faz às mulheres, e que Jesus faz às mulheres: "Não tenham medo!". O novo dia da criação nasce com a total confiança em Deus. A confiança que o pecado, lá atrás, no Éden, tinha destruído; a confiança que foi jogada fora quando Adão manifestou para Deus: "Eu tive medo e me escondi". Esse medo, incutido no nosso coração pelo inimigo, Jesus destrói, dissolve com a Sua ressurreição. A morte não é o fim! A morte é porta para a ressurreição, é vida! A vida neste mundo tem continuidade imediata na ressurreição. Essa é a revelação de Jesus, essa é a revelação do Pai. O que acontece com Jesus, é o Pai que revela. Jesus, sendo Verbo Eterno, mostra quem é o Pai. No Evangelho de João, Ele vai dizer: "Eu tenho poder para dar a vida e retomá-la" [ref. Jo 10, 18]. Deus é o Senhor da vida; Ele tem a chave da vida e da morte, a chave de toda a história; Ele é Aquele que dá sentido a todas as coisas. Essa é a nossa fé!
Por causa da ressurreição, nós proclamamos Jesus como Senhor. Por causa da ressurreição, nós seguimos os passos de Jesus. Por causa da ressurreição, muitos homens, mulheres, até crianças, ao longo da história, morreram, preferindo aderir a Jesus, aceitar Jesus em vez dos poderes e das mentiras deste mundo. Deus nos deu vida eterna, é para isso que nós nascemos. Isto é algo que deveríamos meditar muito: uma vez que fomos concebidos, viveremos para a eternidade. Essa é a revelação que Jesus nos fez, essa é a porta que Ele nos abriu, esse é o caminho que Ele mesmo se faz para nos conduzir ao Pai. Ele é ponte, Ele é via para o Pai.
Vamos pedir ao Senhor que nos dê ânimo, coragem – é por isso que o cristão não é uma pessoa triste, é uma pessoa que não perde a esperança. Nem a morte nos leva ao desespero, porque sabemos: a glória de Deus nos espera! Por isso nos empenhamos no mundo, e nos empenhamos até arriscando a vida, porque não temos medo! Esta vida passa; esta vida pode ser doada; mas a vida de Deus, ninguém pode tirar de nós! Todos nós seremos abraçados pelo amor eterno do Pai no momento da nossa morte.
Vamos pedir ao Senhor que alimente e ilumine sempre a nossa fé no Cristo Ressuscitado. Amém!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Vigília Pascal (Ano A) – 11/04/2020 (Sábado Santo, missa às 19h30).
O inocente foi crucificado
10/04/2020
Ler a Paixão, especialmente segundo João, nos mostra, de uma forma muito viva, as forças que jogaram contra Jesus. O Sinédrio, que seria a corte suprema de Jerusalém, e o povo de Israel já tinham determinado que Jesus iria morrer. Já estava tudo decidido. Desde quando Jesus havia expulsado os vendilhões do templo, eles já tinham preparado as suas artimanhas, talvez preparado o processo inteiro. Essa gente não quer ouvir a verdade. O que essa gente quer é simplesmente se livrar de uma pessoa que poderia ameaçar o poder deles, o poder do templo. ‘Se esse homem continuar a fazer os sinais que faz, ele vai levantar toda a nação, virão os romanos e destruirão o nosso lugar sagrado.’ O povo hebraico era um povo muito religioso, porém o templo não era só lugar de religião, era também lugar de política e de economia. Essas pessoas não queriam perder o seu poder porque eles sabiam e esperavam que um messias fosse reformar o culto e iria mudar toda a estrutura do templo, mas eles não queriam correr risco nenhum.
É muito interessante ver essa coisa terrível que acontece com Judas. Num certo momento, Judas entra para o mundo das trevas, o mundo da noite. Ele sai da luz e aparece esse absurdo: a traição. Dentro do círculo mais íntimo dos amigos de Jesus, dos seus discípulos, dali sai um traidor. Um homem que entrega Jesus de graça. Depois oferecem dinheiro para ele, mas a princípio Judas entrega Jesus de graça. O Evangelho de São Marcos é cru nesse detalhe – de graça. O que teria acontecido no coração desse homem vai ser um mistério que nós conheceremos no dia do juízo. Talvez tenha se decepcionado, talvez quisesse criar uma revolta popular, talvez simplesmente fosse como disse o próprio Evangelho de João: um ladrão que não estava nem aí com nada. Quem sabe? Deus sabe. E o fato é que esse homem entrega o mestre sem nem um quê nem por quê.
A outra figura que nós temos nesse Evangelho é a de Pedro – Pedro entusiasta, Pedro que muitas vezes chega a contrastar com Jesus: ‘Senhor, não fale isso que o você está falando’, quando Jesus anuncia que vai ser morto em Jerusalém. ‘Não faça isso, tire isso da sua cabeça’ e Jesus diz: ‘longe de mim, satanás. Você não fala a vontade de Deus. Você é para mim pedra de tropeço’. Pedro, durante a última ceia, primeiro não quer que Jesus lave seus pés; depois quer que lave os pés, as mãos e a cabeça. ‘Eu vou morrer por ti!’, e Jesus diz ‘hoje, antes que o galo cante, você vai me negar 3 vezes’. É muito interessante nós percebermos – o texto em português não deixa isso claro, mas o texto grego deixa – que as três negações não são iguais. A primeira, quando ele entra no pátio, é quase uma desculpa. A serva pergunta: ‘mas você não é um deles?’ e ele diz ‘eu não’. A segunda é bem mais clara: ‘eu acho que vi você no meio deles’ ‘não, não, não, não, não. Não!’. A terceira vez é até com xingos: ‘você estava no jardim com eles’. Um outro Evangelho diz que Pedro disse insultos: ‘não conheço esse homem! Eu não sei nada disso!’. Ele vai tomando consciência e o seu não vai se tornando cada vez mais radicado. Ele não quer ter nada com aquele homem. Isso nos assusta porque diante da morte, diante da ameaça, até os que parecem mais fortes tremem. Anos depois Pedro vai testemunhar a sua fé em Jesus sendo crucificado em Roma, aproximadamente 30 anos depois. Mas, naquele momento, ele mostra o que pode acontecer com cada discípulo. ‘Não nos deixeis cair em tentação. Livrai-nos do mal.’. Na hora da verdade, quando somos perseguidos, a grande tentação é negar Jesus – seja com uma desculpa, seja de uma forma um pouco mais consciente, ou até livrando-se completamente, amaldiçoando o outro. Às vezes não é fácil seguir Jesus. Nós temos que pedir realmente, de coração: não nos deixeis cair em tentação. Pedro depois será perdoado.
A outra figura dessa tragédia, dessa trama, é Pilatos, o governador da região. Foram colocados ele, seus antecessores e seus sucessores, no lugar do rei. É ele que comanda a Judeia. Porém Pilatos tinha, junto do imperador, um amigo que era quem o protegia – como nós dizemos em português, era ‘as costas quentes’ de Pilatos. Este homem tinha sido conselheiro de Tibério por muitos anos. Mas, de repente, com uma trama de palácio, uma série de acusações, este homem foi posto fora, caiu em desgraça. Então Pilatos não tinha mais o seu protetor junto do imperador. E os romanos eram pessoas muito religiosas também. Pilatos também não era um homem muito bonzinho. Não foi o pior dos governadores – durante o seu governo, a Palestina conheceu um período de relativa paz. Mas também não foi dos melhores, ele mandou crucificar muita gente. Então o homem não era brincadeira. Mas o Evangelho, os evangelistas, se esforçam para mostrar que Pilatos estava disposto a soltar Jesus, porque aquelas acusações que apresentavam contra Jesus eram infundadas. Ele percebeu que o negócio ali era uma jogada, mesmo porque os hebreus podiam apedrejar as pessoas até a morte, era um direito que eles tinham. A lei dele concedia isso. Porém eles não queriam que Jesus fosse morto como um herege, eles queriam que Jesus fosse morto como um inimigo do estado, um inimigo de Roma, um subversivo. Eles queriam acabar completamente com o nome e a fama de Jesus. Então, eles pressionam Pilatos. Nós vamos vendo, ao longo desse diálogo de Pilatos com Jesus, em outros evangelhos: Jesus é mandado pra Herodes, volta e conversam. Por quê? Pilatos não está convencido desses motivos. Porém a máquina do poder tem as suas malhas, as suas forças. E então, os sumos sacerdotes chantageiam Pilatos: ‘esse homem disse que é rei’ e se proclamar rei é um crime contra o estado. Pilatos vai conversar com Jesus, volta e diz: ‘ó, acho que não é isso que vocês estão falando, não.’ Aí eles jogam a última carta: ‘se você não crucificar esse homem, você não é amigo de César.’ Amigo de César era o título, o nome, o apelido com o qual era chamado o antigo protetor de Pilatos que não estava mais junto de Tibério, o imperador e a esse ponto Pilatos cede, ele é fraco. Se ele não entrega aquele homem, ele vai cair nas mãos do imperador. Então Pilatos salva a própria pele e entrega um inocente à morte. Ele tinha visto que aquele homem era inocente. Os jogos do poder são terríveis, monstruosos.
Nós temos sempre que ver isso: Jesus carrega sobre si os nossos pecados. Em Jesus traído, preso, flagelado, acusado, crucificado, aparece, no corpo Dele, a maldade que nós somos capazes de fazer. Nós somos capazes de pegar o inocente e triturar para defender os nossos interesses. Por isso que, na cruz de Jesus, no seu corpo, aparecem os nossos pecados, aparece o que nós somos capazes de fazer com um inocente – e pior: com o filho de Deus. Jesus bebe um cálice amargo, muito amargo. Ele mostra que aceita beber esse cálice. No início, quando Ele diz: ‘quem procurais?’, e o respondem: ‘Jesus o nazareno.’ Ele responde: ‘Sou eu’, essa primeira expressão é a expressão que o sumo sacerdote, uma única vez por ano, pronunciava, no santo dos santos, o nome de Deus. Primeira pessoa do singular do verbo ser: eu sou. Por isso as pessoas caem para trás quando ouvem Jesus: é a presença de Deus e contra Deus ninguém pode ir. Aí Jesus pergunta de novo: ‘quem vocês procuram?’, e eles dizem: ‘Jesus o nazareno’. ‘Já disse, estou aqui, sou eu’, não é mais aquela expressão que Ele tinha usado antes. Ele livremente, conscientemente, se entrega diante dessa maquinação de morte. A sua entrega é uma entrega de amor, de liberdade, mas também de denúncia, porque aquilo que vai acontecer com ele é o que fazem os poderes do mundo. É aquilo que é capaz de fazer o coração humano. Na cruz de Jesus se revela o que nós somos. Os monstros que nós temos dentro de nós aparecem lá. Nas Suas feridas, aparece quem somos. Por isso que a escritura vai dizer ‘pelas suas chagas, fomos curados’. Ali nós encontramos misericórdia, que é exatamente o que não esperamos. Qual pai, vendo o filho ver injustamente massacrado como foi, não destruiria esses monstros? E, ao invés, nós temos essa lógica absurda do Pai que perdoa. E temos essa mesma lógica absurda de Jesus que se apresenta diante do Pai com as suas chagas pedindo perdão para nós pecadores. Que mistério! Que contraste entre a visão e o modo de agir de Deus e o modo de agir do ser humano. Mas como Jesus disse: ‘todos aqueles que buscam, através de um caminho de discípulos, mudar e transformar o seu coração para ser como Jesus, estes e estas serão chamados filhos e filhas de Deus e não temerão, por nada, a morte.’ Porque a vida vivida como Jesus é uma vida que não desaparece com a morte. Ao contrário: se torna vida gloriosa. A cruz é a fotografia em negativo da glória de Deus. Na cruz, somos salvos, revelamos o que nós somos e as monstruosidades que somos capazes de fazer, mas ali já aparece também a fidelidade infinita de Deus. O amor, a misericórdia e o perdão de Deus não têm limites. A última palavra da história será pronunciada pela boca de Jesus Glorioso: essa palavra será misericórdia. Esse é o coração de Deus. No fim, tudo irá bem. Deus tem a última resposta, e a última resposta é resposta de amor e de vida. Porque Deus não pode negar a si mesmo, Deus não trai, Deus não mente.
Vamos nos colocar diante da cruz de Jesus. Jesus que é colocado no sepulcro. E aqui se revela também o coração das pessoas. José de Arimateia e Nicodemos tem que, de algum modo, sair à luz do dia. Um deles vai diante de Pilatos, nada menos do que isso, pedir o corpo de Jesus. E Nicodemos ajuda a preparar esse corpo. É muito estranho que nenhum dos doze está ali, nem as mulheres que seguiam Jesus, só esses dois desconhecidos, talvez judeus muito piedosos que não queriam ver o corpo desses amaldiçoados ali pendurados no dia da Páscoa, pessoas que talvez, mais tarde, provavelmente, se tornaram verdadeiros discípulos de Jesus. Mas, naquele momento, estão ali para tirar, o quanto antes, essa memória.
Vamos permanecer hoje e amanhã na contemplação desse silêncio, desse vazio. O túmulo mostra que não tem mais nada, acabou. Naqueles três dias, sexta à noite, sábado até a madrugada do domingo, uma antiga tradição da Igreja diz que toda a fé da Igreja permaneceu viva apenas no coração da Virgem Maria. Nós não sabemos como Maria viveu aqueles momentos. Vemos Maria de novo em Pentecostes, com os discípulos, 120 discípulos de Jesus. Mas, naquelas horas, a Igreja sempre contemplou Maria nesse momento terrível de dor e solidão. Ao mesmo tempo que Maria é aquela que disse sim à vontade de Deus, ela, mais uma vez, abraça essa vontade absurda e incompreensível, mas ela sabe que Deus é fiel, Deus não nos abandona, a última palavra é Dele. Essa fé sustentou Maria durante aqueles três dias. Essa fé acendeu a fé da igreja quando podem dizer ‘ressuscitou’
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Tríduo Pascal - Sexta-feira Santa / Paixão do Senhor (Ano A) – 10/04/2020 (sexta-feira, celebração das 15h).
Jesus nos torna um dos apóstolos em cada Eucaristia
09/04/2020
Na Última Ceia, Jesus já tinha percebido que o cerco em volta Dele tinha se fechado. Seus inimigos já tinham as cartas todas marcadas, estranhamente. São Marcos apresenta esta passagem de uma forma crua. Judas foi até os anciãos do tempo e disse: “eu vos entrego Jesus, sem pedir nada em troca”. Uma coisa assustadora. Então Jesus sabe que, até entre os seus, um já tinha virados as costas. O cerco estava pronto. Jesus, então, reúne-se com seus apóstolos em uma celebração que não foi a da Páscoa, pois esta seria no dia seguinte. Naquela hora, Jesus, ceando com seus apóstolos, faz algo de novo. Ele toma sinais da ceia judaica – o pão da bênção – e muda a bênção. Aquilo não era mais a lembrança da fuga do Egito. Aquilo é o Corpo de Jesus que, horas depois, será entregue na cruz e três dias depois ressuscitará. Ele pega o cálice – que era o cálice mais importante da celebração e passava de um para o outro – e também a bênção sobre ele é mudada: este não é mais o sangue do Cordeiro, este é o sangue da Aliança Eterna, que seria derramado na cruz horas depois. Sangue que intercede por todos nós diante do Pai, na eternidade. Sangue que lavou os nossos pecados e que nos redime gratuitamente.
Deus nos salva não porque somos bons, mas porque Ele é bom. Ele é misericórdia e bondade. E a Eucaristia que nós celebramos não é uma memória do passado. Ela é aquele momento em que Jesus celebra a Eucaristia com os seus. A morte e ressurreição de Jesus tem esse poder: rompe a barreira do tempo e faz com que a Eucaristia que nós celebramos agora seja uma com aquela celebrada com os discípulos. Nós começamos a fazer parte da vida de Jesus, que se entrega por amor para os seus discípulos. E nós somos aqueles discípulos. Em todos os tempos, em todos os lugares onde se celebra a Eucaristia – o mesmo e único sacrifício sempre. Jesus, de geração em geração, atualiza e realiza este único momento de Salvação que é a entrega de Si mesmo pela Salvação de todos e não somente de seus discípulos.
Hoje nós estamos no dia que chamamos de Lava-pés. E para recordar isto, nós colocamos ali a bacia, a jarra e a toalha. Nós estamos em uma situação realmente difícil. É a primeira vez, em muitos séculos, em que nós não podemos fazer a celebração do Lava-pés. Mas o que significa o Lava-pés? Quando nós lemos a Última Ceia no Evangelho de São João, nós nos damos conta que aqui nos capítulos 13, 14 e 15, nós não temos a instituição da Eucaristia – Este é o Meu Corpo, Este é o Meu Sangue. Por quê? Porque São João fez o seu grande discurso sobre a Eucaristia no Capítulo 6, que nós chamamos de Pão da Vida. São João deslocou a sua genial meditação sobre o mistério da Eucaristia. São João mostra, porém, um outro gesto que Jesus fez naquela última ceia e que mostra o mesmo sentido da Eucaristia. Jesus se levanta, coloca a toalha em volta da cintura e vai lavar os pés dos discípulos. Quem lavava os pés do hóspede naquela época? Normalmente, o escravo velho, que não servia para mais nada pois não tinha mais forças para trabalhar em atividades no campo, com animais, em construções ou, até mesmo, nos trabalhos domésticos. Era o escravo mais inútil que existia na casa. A este escravo se confiava esta tarefa: lavar os pés dos hóspedes. Jesus assume esta posição. Ele não está se colocando em uma situação de distinção. Pelo contrário, está se colocando na situação do servo imprestável.
E começa a lavar os pés dos discípulos. Claro que Pedro se mostra indignado: “Mas como!? Você é para nós Senhor e mestre. Não vai lavar os nossos pés de jeito nenhum”. E Jesus vem com esta frase estranha: “Se eu não lavar os teus pés, você não terá parte comigo”. Jesus está dizendo que os seus discípulos têm que aprender com Ele até o fim. Os discípulos não podem se subtrair aos ensinamentos de Jesus por mais absurdos que eles possam parecer. Do mesmo jeito que aquele gesto de Jesus era estranho, a sua escandalosa morte na cruz vai ser algo absurdo.
A Eucaristia traz consigo todos estes sinais. Inclusive servir como se fosse o último, para todos. Jesus lavou os pés de todos e, entre eles, estava Judas. Jesus lava os pés de todos os pecadores. Nenhum é excluído porque Deus salva a todos. E a misericórdia de Deus é mais justa do que a nossa justiça, que é vingativa. Deus não mede como nós medimos. Deus mede com as suas medidas que, para nós, são absurdas. Jesus, se colocando como o último, Ele está mostrando que a Eucaristia é pão de vida para todos. Jesus está mostrando que a cruz é caminho para todos. Que o Pão da Eucaristia, Pão da Vida e a cruz, que é caminho para a ressurreição, são uma coisa só: Vida Eterna, que é o que Jesus nos deu com Sua morte e ressurreição. E essa realidade nós temos na Eucaristia que nós celebramos. Todas as vezes em que nós celebramos a Eucaristia, Jesus se torna parte das nossas vidas. E nós entramos para o seu convívio, assim como os doze discípulos. Nós somos mais um apóstolo, mais uma discípula, mais um seguidor. Cada um de nós e toda a comunidade dos discípulos estamos em volta daquela única mesa.
Louvemos e agradeçamos a Deus que, na Sua bondade, nos dá a realidade do Seu Filho hoje, não uma memória do passado. Jesus vivo, agora, em nosso meio, com toda a Sua vida. Na humilde espécie do pão. Na humilde gota do vinho. A grandeza de Deus, a Sua glória se faz presente totalmente, de modo que nós dizemos que este pão não é mais pão, é Jesus. E este vinho, não é mais vinho, é o sangue do Senhor entregue por nós. Louvemos e agradeçamos ao Senhor por tão infinita graça.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Ceia do Senhor (Ano A) – 09/04/2020 (quinta-feira, missa das 19h30).
Ser fiel conduz à salvação
05/04/2020
A cruz é um mistério. É tudo o que nós não esperamos como glória de Deus. Mas no Evangelho de Mateus, particularmente nesta passagem [Mt 27, 11-54], aparece o que é o poder deste mundo. O poder que massacra, que destrói, que não é capaz de dar vida; que dá morte, subjuga, escraviza, cria mil e uma armadilhas para o povo, de modo que o povo não pense, corra atrás do que os poderosos mandam e não tenha mais capacidade de ser livre. Os poderosos se apresentam com grandes marchas, grandes paradas... Se fazem proclamar até deuses! E, no fim, não são nada além de pessoas que doam a morte, que criam a justiça como querem, mudam as leis para ocultar e justificar seus próprios crimes. Parece que o mundo não mudou muito...
Jesus, ao contrário, é a justiça de Deus, é o poder de Deus. O mundo não consegue conceber poder que seja humildade, que seja serviço, serviço desinteressado; poder que é capaz de doar a vida pelo bem dos outros. O poder deste mundo não entende isso, não é capaz de aceitar, porque se aceitasse, o mundo seria o Jardim do Éden.
É muito interessante notar que, quando Jesus está crucificado, as pessoas que O desafiam usam a mesma expressão do maligno no momento das tentações: "Se és filho de Deus, desce da cruz". É a mão do maligno que movimenta essas pessoas, que justifica até mesmo suas monstruosidades. Porque eles sabem que estão fazendo um absurdo, sabem que Jesus é inocente. Pilatos é um covarde, que cedeu a uma chantagem, teve medo da revolta. Ele sabia que não tinha nenhum motivo para condenar aquele homem, mas lava as mãos: "Façam vocês". Esse é o poder que não se compromete, que não muda o mal, que só quer se manter na própria cadeira.
Jesus nos ensina, e Deus Pai nos ensina: é na fidelidade até a morte que está a salvação. A salvação do justo está em manter-se fiel Àquele que detém a salvação. A vida neste mundo consiste em servir, em entregar-se, porque a justiça de Deus é maior do que a justiça dos homens, e a misericórdia de Deus é mais justa do que a nossa vingativa justiça.
Jesus se mantém fiel ao Pai, e é esta fidelidade que nos mostra, realmente, que Ele vem do Pai. Nada pode afastar Jesus da vontade do Pai; nisso, Ele nos mostra, realmente, que é o verdadeiro Adão, o verdadeiro homem, aquele que Deus Pai quis desde a eternidade. Jesus mostra o rosto do Pai: o Pai é fiel, Jesus é fiel. E Jesus nos convida, como discípulos, a também nós sermos fiéis, sem medo, com coragem, sendo capazes de sofrer perseguições e até a morte por causa do bem e da justiça. Porque a vida humana vale mais do que todos os poderes deste mundo.
Vamos pedir a Jesus um pouquinho dessa força para podermos ser fiéis, porque a recompensa é a companhia do Pai!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor (Ano A) – 05/04/2020 (domingo, missa das 10h).
Com Jesus, a vida eterna
29/03/2020
Como em outros evangelhos, Jesus aqui [Jo 11,1-45] desafia Marta a abandonar a velha tradição sobre ressurreição que os hebreus tinham. Os hebreus acreditavam, e acreditam até hoje, que o corpo, na medida que se decompõe, se recompõe em uma dimensão chamada Sheol e ali espera o último dia. Jesus quer que Marta abandone essa velha tradição hebraica. Nós temos que pensar que ainda existem outros grupos judeus que não acreditavam e não acreditam até hoje na ressurreição dos mortos. Isso é viver sem esperança. Porém os outros que creem na ressurreição, creem nesse ato do último dia – esse potente ato de Deus que tirará todo mundo dos túmulos.
Mas Jesus desafia Marta a entrar em uma visão nova. E a visão nova, qual é? A vida de amor que se tem nesse mundo, a vida dos discípulos de Jesus, daqueles que amam o próximo, daqueles que buscam seguir os passos de Jesus não se interrompe nem com a morte. A nossa vida, mesmo na morte, continua. É vida em Deus, é vida em Jesus. Não tem um "depois". O último dia é a cruz de Jesus. Nele, na cruz, Deus julgou o mundo. Deus cumpriu o juízo final, o julgamento está ali. Quem adere a Jesus está na vida. A morte é só um momento a mais na nossa vida. Dói, tem a saudade, a distância, a dor, mas a vida não acaba. Não termina ali, ela continua na vida em Cristo, a vida eterna. Nós entramos na vida de Deus, este é nosso desafio. É um desafio para nós também, não é somente para Marta, porque não é fácil.
Nós muitas vezes passamos a vida inteira esperando a ressurreição sem saber quando vai ser o último dia. Mas o último dia acontece todos os dias na cruz de Jesus. O julgamento final acontece todos os dias na cruz de Jesus. A vida eterna nos é dada todos os dias na cruz de Jesus.
Jesus disse ao assassino que estava crucificado junto com Ele: 'Ainda hoje estarás comigo no Paraíso', porque, para Jesus, a vida não acaba e aqueles que crêem Nele estão com Ele na vida que não termina.
Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a realmente abraçar esse desafio que Ele nos faz: a vida não termina, ela continua e se transforma. A vida não acaba porque é vida no amor de Jesus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 5º Domingo da Quaresma (Ano A) – 29/03/2020 (Domingo, missa das 10h).
Enxergar a luz que vem de Cristo
22/03/2020
Esse Evangelho [Jo 9] é um capítulo muito bonito do Evangelho de São João. Nós temos aqui um verdadeiro processo desse jovem cego de nascença que foi curado por Jesus. E curado de um modo muito particular: Jesus faz lama e passa esse barro nos olhos do jovem. O homem foi criado do barro. Jesus fazendo isso é como se ele estivesse dizendo: eu vou terminar a criação deste moço. Desse modo, ele finaliza, como dizendo ‘está faltando um pedaço, a lama que foi posta nesse homem era pouca’. E Jesus nesse ato se declara ele mesmo o criador.
Mas em todo este Evangelho, aparece essa luta entre o cego e os outros. O cego que não via e os outros que veem. O cego que crê em Jesus e os outros que não creem. E o contraste terrível deste pobre desgraçado que vivia de esmolas, cego de nascença, e que desmascara com sua simplicidade o modo de pensar dos fariseus. Os fariseus eram homens piedosos, de muita religião, respeitados, conheciam a Lei, e defendiam a Lei a tal ponto que para defender a Lei maltratavam as pessoas. E aqui nós temos a luta entre a luz que é Jesus, representado por esse jovem, e as trevas que são os fariseus que dizem conhecer, dizem ver, dizem que são discípulos de Moisés. Em outro trecho do Evangelho, Jesus vai dizer “se vocês fossem discípulos de Moisés, vocês seguiriam a sua palavra”. Esses homens não veem e, na cegueira deles, eles querem negar a evidência da luz. E como eles fazem isso? Afirmando que Jesus é pecador e que isso não pode acontecer porque isso é impossível. Mas este homem em sua simplicidade vai desarmando tudo que os fariseus dizem. E finalmente, eles dão o golpe final: expulsam o moço da sinagoga, da comunidade. Se nós prestarmos atenção, esse julgamento lembra o julgamento de Jesus. Jesus fez sinais, curou os doentes, perdoou os pecadores, ressuscitou os mortos, e, no entanto, não quiseram acreditar. A única coisa que eles fizeram era fazer esse homem morrer, era só isso que eles queriam. Não interessava a verdade. Por isso Jesus vai dizer “se vocês fossem cegos, vocês não teriam pecado; mas como vocês dizem que veem, o vosso pecado permanece” [cf. Jo 9:41]. As pessoas não querem ver, muitas vezes, nós também corremos esse risco de nos apegar em tradições religiosas e usar essas mesmas tradições religiosas para justificar a não ajudar os outros, julgar as pessoas, querer vinganças, desejar o mal. Isso é ser cegos.
É necessário aprender realmente a olhar com os olhos de Jesus. E poder dizer como esse jovem: “Senhor, eu creio”. Mas creio em que? Nas suas Palavras e eu as colocarei em prática. Vamos pedir ao Senhor que abra os nossos olhos e nos faça ser realmente discípulos dele.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo da Quaresma (Ano A) – 22/03/2020 (Domingo, missa das 10h).
Amar os irmãos é ser fonte de água viva
15/03/2020
O que encontramos na liturgia de hoje? Primeiro: o povo de Israel fugiu do Egito. Já no Egito, viram muitos sinais de Deus – as dez pragas, a morte dos primogênitos, a celebração da Páscoa... O anjo da morte passou, exterminando os primogênitos, mas quando chegava na casa dos Hebreus e via a porta manchada com o sangue do cordeiro que estavam comendo lá dentro, passava adiante; depois o povo partiu do Egito e o exército foi atrás para pegá-lo, então Deus abriu o mar e eles passaram: Deus salvou o povo; depois eles começaram a passar fome, e Deus mandou o maná; depois o povo reclamou que tinha só aquela comida, e Deus mandou as aves do céu para eles comerem; depois ainda houve as serpentes, e Deus falou para Moisés: "Faz uma haste de bronze com uma serpente; quem olhar para esta serpente será curado". Eram sinais, um atrás do outro, da fidelidade de Deus.
Até que chegou o momento em que o povo, depois de ter visto tudo isso, teve sede e duvidou de Deus. "Deus é fiel ou não é? Deus está conosco ou não está?" – foram perguntas que eles fizeram. Eles se perguntaram: "Deus está aqui ou não está?", e Moisés bateu na pedra também com essa dúvida. A água jorrou, mas Deus ficou furioso e falou: "Nenhum de vocês vai colocar os pés na terra prometida". E o povo ficou andando no deserto por 40 anos, até que todos os que tinham saído do Egito tivessem morrido e só os filhos deles, que já eram adultos, pudessem entrar na terra de Israel. O que a Escritura ensina é isto: Deus é fiel! Não são os nossos problemas que colocam em dúvida a fidelidade de Deus. Deus é maior do que nós; o tempo Dele é maior do que o nosso.
Depois, temos o Evangelho. Há muito o que se falar dele, mas vamos ser breves. Jesus chega no poço – e é importante lembrar que este poço era propriedade de Jacó. Imaginem: Abraão saiu de Ur, da Caldeia, mais ou menos no ano 1.800 a.C.; Jacó era neto de Abraão, então estamos falando de um lugar com uma memória de mais de 1.500 anos. "Jacó esteve aqui! Ele bebeu desta água, deu para nossos animais!". É uma memória forte, uma tradição forte. E o que Jesus vai dizer? "Não é Jacó que dá a água da vida. Quem dá a água da vida é o Filho do Homem".
E há aí um jogo entre água morta e água viva. A água morta é a do poço, que não cresce, não aumenta, mas fica naquele nível, abaixa, sobe, porque não vem da fonte; os lençóis passam por baixo e alimentam o poço, mas ele não é fonte. A fonte jorra água para fora, e jorra sempre; o poço, não. Há até uma história que, se você ficar muito tempo sem tirar água do poço, aquela água fica ruim. Tem que sempre tirar aquela água porque é água morta, não é fonte. Jesus é a fonte! A tradição do povo, a própria religião do povo de Israel era água morta; tinha matado a sede, mas não era a fonte. A fonte viva é Jesus! E o que Ele diz neste Evangelho é isto, um desafio para aquela mulher: esqueça essa tradição velha, abrace a novidade, a vida eterna, que é Jesus mesmo e o Seu Evangelho.
E olha que interessante: mesmo com todas as dificuldades que a mulher tem para entender, como vimos no Evangelho, ela foi anunciar aos outros. "Este homem falou a minha situação, será que não é o Cristo?". Ela já estava professando a fé em Jesus e atraiu aquela cidade, aquele povoado para Jesus com seu testemunho. E eles deixam de beber da água morta e vão beber da água da vida eterna, a Palavra eterna que é Jesus.
Nós também somos chamados, sempre. Jesus fez de nós, batizados, fontes vivas. Ele nos deu a água da vida. E como nós somos fonte de vida? Amando os outros. É o tema da Campanha da Fraternidade, temos que agir como o samaritano: viu, teve compaixão e fez alguma coisa por aquele homem. Isso é ser cristão, não ver os problemas do mundo e não estar nem aí; ou, então, ver os problemas do mundo, até ter compaixão, mas não fazer nada. Ver, ter compaixão e fazer o que pode: isso é ser fonte de água viva, isso é derramar a água do nosso batismo, do nosso coração, sobre os outros que sofrem.
Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a caminhar sempre como fontes da água viva que Ele colocou no nosso coração.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo da Quaresma (Ano A) – 15/03/2020 (Domingo, missa das 10h).
Ler a Palavra de Deus para entendê-la melhor
08/03/2020
Vamos fazer uma pergunta fácil para as crianças que ganharam a Bíblia. É fácil porque a resposta está na mão delas. Qual que é o primeiro livro da Bíblia? É só abrir e procurar. Qual é o primeiro? Gênesis! Muito bem! E o último? O último é mais fácil ainda. Apocalipse! Muito bem! Saber isto já é um começo. A gente deveria, ao menos uma vez na vida, ler este livro da primeira até a última página. Quantas páginas têm aí? Cerca de mil e quinhentas nesta edição. Quem já leu ‘Senhor dos Anéis’ aqui? Quem já leu ‘Harry Potter’? Esses dois livros, inclusive o Harry Potter – que são vários livros –, são maiores do que a bíblia. Então ao menos quem já leu isso pode ler muito bem a bíblia. ”Mas, padre, como é que a gente lê? Às vezes, a gente não entende as coisas!”. Leia igual romance... vai lendo, um livro depois do outro. Esta é Palavra de Deus. Se um romance, muitas vezes, consegue iluminar o nosso coração, imagine a própria Palavra de Deus.
Eu gosto muito do ‘Senhor dos Anéis’ porque a primeira vez que estive em Roma foi um período difícil para mim. Eu estava com vontade de arrumar as malas, voltar para o Brasil. Eu queria continuar sendo padre, graças a Deus. Mas eu queria vir embora. E comecei a ler o ‘Senhor dos Anéis’. No filme não aparece essa frase da Galadriel. O Sam olha no espelho, vê a Pompeia sendo destruída e fala: “ah, eu tenho que voltar para lá!” Então Galadriel diz: “é exatamente se você negar o caminho que você começou que você vai fazer acontecer tudo aquilo que você está vendo”. Fechei o livro, fui conversar com um padre lá perto de Roma e continuei em Roma. E Deus me fez ficar lá mais 25 anos! Pois é, repito: se um romance é capaz de, às vezes, mudar a nossa vida, quem dirá a Palavra de Deus!
Quantas luzes nós podemos encontrar aí? Quantas lições? Quantos exemplos? Quantas orações bonitas nós encontramos na Bíblia? Muitas! E é isso que a gente tem que aprender a fazer: vamos ler. Ler igual romance e esperar que a Palavra de Deus vá nos iluminando. “Nossa, olha como isso aqui é importante! Olha como isso aqui é bonito! Olha como isso aqui está respondendo alguma coisa para a minha vida!”. E fazer isso sempre: ler a Palavra e sermos curiosos! “Nossa, o padre leu hoje no Evangelho que Jesus subiu a montanha. E depois, o que aconteceu?” Vai lá, procura o Evangelho de Mateus e tira a dúvida. “Semana passada o padre falou que ‘tem duas narrações da criação’. Como que é isso?” Vai lá, primeira página do livro de Gênesis. O padre falou que, no capítulo 1, é uma narração e no capítulo 2 é outra. “Ah, eu quero ver!” Entenderam? Ser curiosos, procurar. Ter amor pela Palavra de Deus é não deixá-la em um baú mofando, em uma estante perdida na sua casa, que vai ser a primeira coisa que você vai jogar fora quando fizer a próxima arrumação. Portanto, vamos abrir a Bíblia, ler, aprender.
Um comentário rápido sobre a leitura do Evangelho de hoje [Mt 17,1-9]. Jesus sobe nesta montanha e acontece essa coisa muito estranha: ele fica brilhante. Brilhante como o sol, diz o Evangelho. E com ele aparecem duas pessoas que conversavam com Jesus: uma que já tinha morrido há mais de mil e trezentos anos, que é Moisés; e outro que tinha morrido há setecentos anos, que era Elias. E aqui nós já temos a demonstração, no Evangelho, que após a morte nós somos vivos. A nossa morte é só deste corpo. Diante de Deus, nós estamos vivos. E esses dois homens estiveram na presença de Deus. Moisés, no monte Horebe, quando Deus deu as tábuas da Lei. E depois, Elias, no livro dos Reis. Porém, nenhum dos dois viu o rosto de Deus quando eles estavam vivos. Agora os dois estão lá, diante de Jesus glorioso e podem falar com Ele, face a face.
Jesus fala com o Pai face a face. Jesus pode isto porque ele é Deus. Um Deus que se tornou um de nós. Então tudo que Ele fala, tudo que Ele faz, tudo que Ele sente é a mesma coisa que o Pai fala, sente e faz. Porque Jesus é igual ao Pai. E tendo feito esse milagre da transfiguração, Jesus estava dando uma força grande para seus discípulos, porque dali alguns dias ia haver a crucifixão de Jesus. E neste momento, todos os apóstolos abandonaram Jesus, todo mundo foi embora, todo mundo perdeu tudo. O discípulo amado ficou lá perto, talvez porque nem soubesse o que estava acontecendo, porque se soubesse escapava também.
Então a transfiguração ocorreu para dar forças aos discípulos para esse momento difícil. Jesus mostrou a sua glória para fortalecer a fé dos apóstolos. Se a gente ler a escritura, a Palavra de Deus, nós também seremos fortalecidos por Jesus. Viver a Palavra de Deus, ler essa Palavra, para conhecer e saber quem é Jesus, conhecer a fidelidade de Deus, e poder dizer, como os discípulos: ‘Senhor, eu creio!’ Ou, então, como São Tomé: ‘Meu Senhor, e meu Deus.”
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2º Domingo da Quaresma (Ano A) – 08/03/2020 (Domingo, missa das 10h).
Lutar contra a tentação como Jesus
01/03/2020
Vamos começar a comentar pela leitura do Evangelho [Mt 4,1-11]. O espírito de Deus levou Jesus para o deserto e isso acontece imediatamente após o batismo. Jesus fica lá por 40 dias. Esse número 40 é um número simbólico, pois lembra os 40 anos do povo de Israel no deserto. Mas o deserto é um lugar da prova, como foi para o povo de Israel, mas foi também pra Adão e Eva. No deserto, o povo teve fome, teve sede, doenças, ameaças, guerras. E Deus sempre veio em socorro a esse povo, porque esse povo sempre tinha dúvidas e, ao longo da história, acabou repetindo a situação da qual eles tinham saído do Egito: a escravidão. Uma religião que reprimiu o povo.
Jesus é colocado no deserto e ali ele é submetido às mesmas tentações de Adão e Eva. E se a gente presta atenção no texto, as duas primeiras tentações se apresentam como dois desafios: "você é filho de Deus mesmo? faz um sinal!". Essa tentação vai estar sempre perto de Jesus... Os fariseus, a um certo ponto, dizem a Jesus: "Nós queremos que você nos mostre um sinal do céu". Essa é voz do inimigo na boca dos fariseus. Aí Jesus fala: "Só vão ter o sinal de Jonas, depois de 3 dias na barriga do peixe, ele foi jogado para fora. Também o Filho do Homem depois de 3 dias vai ressuscitar". Mas mesmo assim o povo não acreditou. Não adianta dar sinais. Os sinais não sustentam a fé de ninguém. A fé é algo que nasce no nosso coração por graça de Deus, não adianta forçar. Tantas vezes na nossa vida nós temos situações que de repente mudam e a gente fala "isso foi ação de Deus". A pessoa que não tem fé olha o mesmo fato e dá outra explicação. Se você não tem fé, não adianta nada. Então Jesus vai colocar de lado esses desafios.
“Se é Filho de Deus, transforme essas pedras em pães”. A resposta é fácil: é uma das tentações de Adão [Gn2,7-9;3,1-7]. Comer o fruto e se tornar semelhante a Deus significa não ter que trabalhar no Jardim, não aceitar os limites da vida. Um dos maiores dramas de hoje é exatamente saber dizer NÃO para os filhos. Muitas vezes nós não colocamos limites e, quando os filhos crescem, a vida vai ensinar e eles vão ter que aprender da pior maneira possível. Se você não colocar limites no caminho das crianças e jovens, você vai destrui-los. Se você não os prepara para a vida, o mundo vai dominá-los. E na vida muitas vezes recebemos "não". Quantas vezes queremos coisas na vida e recebemos "nãos". A vida é dura com a gente e a gente tem que superar os problemas, obstáculos. Deus está educando Adão e Eva. Mas Jesus nega aceitar respostas fáceis, porque a vida não é assim.
Depois, o diabo divide você de si mesmo, separa você de Deus. Um perigo muito grande dos dias de hoje são os meios de comunicação. Tantos padres falando por aí, e vendem como se fosse ouro escorrendo nos meios de comunicação, padre com botox, padre com calça agarrada, padre que é tradicionalista... Jesus não aceitou fazer um show religioso. O ponto mais alto do templo era o pináculo, tinha 70 metros de altura, e o diabo disse "Se joga daqui, dê um espetáculo para as pessoas, prova quem você é". Um Deus que se impõe é um Deus da morte. O Pai de Jesus é o Deus da humildade. Onde nós vemos Deus? Deus não aparece, porque é a humildade dEle. Ele não faz espetáculos. Tem uma frase que diz assim: "Deus faz um espetáculo todos os dias com o nascer do sol. A maioria das pessoas estão dormindo e nem por isso Deus deixa de fazer". Isso se chama humildade, gratuidade, abundância. Isso é Deus. "Não importa se as pessoas acreditam em mim, por que eu faço milagres viu? Do mesmo jeito que eu pulo do pináculo do templo e não morro, eu jogo você de lá e você morre.", é o Deus do terror que diz isso, não o Pai de Jesus.
O diabo faz esses dois primeiros desafios para Jesus. E Jesus recusa. E o que o diabo faz? Ele tira a máscara. Como cresce os reinos da terra? Nós temos que nos lembrar dos grandes reinos daquela época: os assírios, persas, egípcios, gregos e romanos. Os romanos estavam dominando todo o mundo ocidental na época. Esse era o poder do mundo e os governantes desses impérios se achavam deuses. Os faraós também eram considerados deus vivo, assim como o rei Alexandre Magno, imperador de Roma. E olha o que esses impérios faziam: ódio, opressão e escravidão. Não é o caminho da vida. O caminho de Jesus, o caminho da vida, é o serviço, a humildade e o fazer a vontade do Pai. Para cumprir a vontade do Pai, Jesus morreu na cruz. As três tentações estão continuamente provocando Jesus ao longo de sua vida, até o último instante, Ele ouve: "Se tu és filho de Deus, desce da cruz". Até na última hora, Jesus foi tentado. Vamos pedir ao Senhor que, nesta Quaresma, Ele nos ensine a buscar o serviço aos outros, a humildade, a não nos acharmos deuses, nós somos pó, e em tudo procurar fazer a vontade de Deus assim como Jesus faz.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 1º Domingo da Quaresma (Ano A) – 01/03/2020 (Domingo, missa das 07h30).
Viu, sentiu compaixão e cuidou dele
26/02/2020
Por volta do ano 160 a.C., aconteceu em Israel uma grande revolta, uma grande revolução chamada "Revolta dos Macabeus". Um grupo de hebreus se revoltou contra o Rei Antíoco Epifânio, que queria transformar o mundo hebraico em mundo grego, negando a religião hebraica. O que aconteceu? Teve uma grande revolta, uma grande briga, e os Macabeus ganharam. Desse movimento, surgiram dois grupos: um que acreditava que o Reino de Deus viria por meio da luta armada e outro que acreditava que o Reino de Deus viria por força da observância da lei. Esse segundo grupo deu origem aos fariseus. E o que esse grupo fazia? Observava estritamente a lei, acreditando que, no dia em que todos observassem a lei do modo como eles observavam, o Reino de Deus viria sobre a Terra.
Qual é a perversão dessa mentalidade? Eles acreditavam que o Reino dependia de nós, das nossas forças, das nossas observâncias, e isso é falso. O Reino de Deus é de Deus e vem quando Ele quiser e como Ele quiser. De fato, Jesus, no meio de nós, é o Reino de Deus – e olha o que fizeram com Ele! Não foram nem capazes de reconhece-Lo... Outro problema com esse grupo é que eles achavam que eram merecedores da salvação; por terem observado a lei, Deus seria obrigado a dar a salvação a eles. Eles negavam que o Reino de Deus é de Deus, eles negavam a graça.
O bom fariseu praticava estes três elementos centrais: oração, jejum e esmola. Só que eles tinham essa atitude de achar que eram mestres, que ensinavam os outros – e aí aparece o orgulho. "Nós é que fazemos certo, vejam como se faz, vocês fazem errado". Por isso Jesus vai dizer: "Rezam nas praças para todo mundo ver". Jesus não está criticando as grandes assembleias litúrgicas, Ele está condenando as atitudes destes que se acham os "professores" dos outros. E cuidado: muitos de nós, católicos e grupos dentro do catolicismo, caímos nesse modo de pensar e agir.
Quando faziam jejum, os fariseus colocavam cinzas na cabeça, vestiam sacos de estopa para todo mundo ver, parecia um teatro... Olha a arrogância que há nessa atitude! Os fariseus também tocavam sinos quando davam esmolas no templo, para se mostrarem e dizerem: "Olha aqui como o bom hebreu faz! Vocês, que não são bons hebreus, observem e aprendam". Jesus condena isso como hipocrisia. Ele vai dizer: "Faça as coisas para o Pai, que vê em segredo". O que isso quer dizer? É a sinceridade profunda. Quando você está sozinho, quando ninguém te vê, você não recebe elogio de ninguém; se você faz algo, faz por pura gratuidade, pois não vai receber nada em troca; você está sendo sincero, e isso Deus vê. E aí a tua oração, mesmo comunitária, vai ter sentido, porque ela nasce da sinceridade.
A tua esmola deve nascer da compaixão para com aqueles que sofrem, mesmo que ninguém veja. Compaixão. A compaixão mostra que nós ainda somos humanos. Uma pessoa que vê um sofredor de rua, um menor abandonado, um depende químico e não sente nada – pelo contrário, diz que essa gente merece a morte –, não é mais humano, muito menos cristão. Compaixão pela miséria humana, pela pobreza, pela doença, pela dor. Compaixão. Atentos! É isso que nos faz humanos. Senão somos monstros. Percebem? É dessa profunda compaixão que deve nascer todo nosso ato caritativo.
Depois, o jejum nos coloca diante da nossa miséria. Na hora da imposição das cinzas, dizemos duas frases. Uma delas é: "Converte-vos e crede no Evangelho", ou seja, caminhe. Até o fim da vida, há um caminho a ser feito; nós nunca chegamos, mas caminhamos a vida inteira para melhorar a cada dia; a conversão pode acontecer até a última hora, na hora da morte, quando caminhamos para Deus. A outra frase acaba com todo o nosso orgulho: "Do pó você veio, ao pó você retornará". Como é educativo, existencialmente, o vazio. Nós nada somos. Qual arrogância podemos ter? Qual orgulho podemos ter? Nada! Pó! Humildade, serviço, compaixão e humilhação diante de Deus: é isso que o jejum deve nos ensinar.
E tudo isso nasce de um coração sincero, de um coração novo, não de pura exterioridade. Porque essas pessoas que querem ensinar os outros, que se acham melhores e acham que Deus deve alguma coisa a elas, pegam Deus e O matam! Foi isso que fizeram com Jesus... Primeiro, chamaram-no de louco, depois de "endemoniado", depois de herege e, depois, O mataram. Os homens que diziam ensinar como seguir a Deus, mataram Deus! Então temos que estar sempre atentos. Isto é conversão: estar atentos aos nossos passos e olhar para Jesus. Eu estou andando nos passos de Jesus? Isto é conversão: pegar meu caminho e colocar nos passos dEle.
Agora vamos falar destes símbolos belíssimos que colocaram sob o presbitério nesta Missa de Cinzas. A cruz, o mistério pascal de Cristo, é a fonte da nossa salvação. Dela, nasce a nossa fé: vida, paixão, morte e ressurreição. Do lado de Jesus brota sangue e água, por isso esta jarra representa a água que dá vida eterna, que dá vida nova; é a água do batismo, a água na qual invoca-se o Espírito Santo. A vela acesa representa a vida humana, o nascimento, a vida que deve ser cuidada e respeitada – é o tema da Campanha da Fraternidade. Se seguirmos Jesus sempre, nós nos tornamos como este sal para a Terra. E a vela apagada representa o fim da nossa vida. A vida eterna é dom de Deus, é graça de Deus, e Jesus nos dá isso por força da Sua ressurreição, não por força nossa. E nós esperamos esta graça, que só Jesus pode dar – e vai dar, porque Deus é fiel e não mente: "Eu vou preparar uma casa para vocês, um lugar. E, quando estiver preparado, eu vou voltar para buscar vocês, para que vejam minha glória e estejam comigo na casa do Pai", essa é a promessa de Jesus. O momento da graça acontece no exato momento da nossa morte. Até lá, temos que ser sal para a Terra e luz para o Mundo, amando e cuidando dos nossos irmãos, dando de comer e beber, cobrindo as pessoas que sofrem frio ou mostram nudez.
Do outro lado, temos o cartaz da Campanha da Fraternidade 2020, com o lema: "Viu, sentiu compaixão e cuidou dele". É o bom samaritano, que não olha religião, rituais, nacionalidade, orientação sexual. Olha apenas o outro que sofre. "Essa pessoa precisa de ajuda", então ele se aproxima e ajuda do modo como pode. Este é o bom samaritano. O tema da Campanha este ano é "Fraternidade e Vida", vida que é dom e compromisso. O bom samaritano não só passou óleo nas feridas do homem, mas se comprometeu: levou o homem para um abrigo, curou as feridas dele e deixou comida para até quando voltasse, ou seja, não acabou naquele primeiro socorro, ele se comprometeu com essa pessoa. É isso o que devemos fazer.
E temos, ainda, no cartaz, esta que vai ser para nós, creio que de hoje em diante, grande modelo para a Igreja no Brasil: Santa Dulce dos Pobres. Nosso País pode se alegrar, pois temos nossa própria Santa Tereza de Calcutá! Irmã Dulce, para nós, é um constante chamado a servir, acolher e se comprometer com os que mais sofrem, por isso ela foi escolhida como símbolo desta Campanha da Fraternidade.
Vamos pedir a Deus que nos guie no nosso caminho.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Quarta-Feira de Cinzas (Ano A) – 26/02/2020 (Quarta-Feira, missa às 19h45).
Oferecer a outra face é ir além
23/02/2020
Uma das leis mais sábias já criadas na história está nesta frase, em que Jesus diz: "Vocês ouviram isto: olho por olho, dente por dente". Essa lei de Hamurabi, que era um rei sumério, coloca limite à vingança. Se vocês olharem lá na Gênesis, um dos filhos de Caim, que se chamava Lameque, dizia: "Por um esbarrão, eu matarei sete pessoas". Isso é a desproporção da vingança. Por isso o código de Hamurabi. O outro lhe cortou um dedo? Você não pode matá-lo, mas pode cortar o dedo dele. O outro lhe roubou um cavalo? Você pode pegar um cavalo dele, mas não vai pegar um cavalo e uma vaca. É o limite na vingança. O grande problema é que estamos falando de vingança, não de perdão. A única força capaz de quebrar o círculo das vinganças é o perdão. Não tem outro jeito. Ou você coloca uma trave no meio e quebra essa roda – e essa trave é o perdão – ou uma vingança irá gerar outra e depois outra e assim por diante, até o momento em que você não sabe nem por que está se vingando, mas continua matando e destruindo do mesmo jeito.
Jesus diz: "Nada disso! Se o teu opressor te obriga a andar 1 km, caminhe 2 km com ele. Se te derem um tapa em uma face, oferece também a outra". Com isso, Jesus não está falando para sermos bobos. Geralmente, é assim que interpretamos: ser cristão é ser bobo. Não! Ser cristão é ser livre! Ser cristão é ir além dos limites que os outros nos impõem. O teu inimigo te obriga a caminhar 1 km; se você se demonstra submisso ao teu inimigo, você caminha 1 km e para – "Fiz o que me obrigaram"; mas se você caminha com ele outro quilômetro, você está dizendo: "Ninguém tira minha liberdade, ninguém tira minha dignidade. Eu ando outro quilômetro porque quero! Eu vou além dos teus limites". Assim você está indo além, e a outra pessoa não tem poder sobre você.
Naquele tempo, quem dava tapa na cara das pessoas eram os reis, os donos de escravos, os patrões nos empregados e os pais nos filhos. Era um gesto de submissão, para colocar ordem. E a outra pessoa paralisava, reconhecendo o poder do outro sobre ele. Jesus diz: "Oferece a outra face", ou seja, "Você não é submisso! Seja livre! Não entregue a sua dignidade. Você é dono de si mesmo". Isso é ir além dos limites que o outro te impõe. Isso é ser livre. Não quer dizer que o tapa que o outro te deu foi bom nem que o caminho que ele te obrigou a andar foi uma coisa boa. Não, podem ser coisas bem ruins. Mas você vai além! Com isso, você demonstra ao outro que tem a mesma dignidade que ele. Por quê? "Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito". Deus vai além!
Existe um modo muito atual de falar isso: não violência ativa. Isso gera, inclusive, ações políticas. O grande modelo disso, no século passado, foi Gandhi. Tem um filme que conta a história dele e, no comecinho do movimento que culminou na independência da Índia, era a Inglaterra que emitia os passaportes; o movimento de Gandhi passou a não mais lutar contra o governo nem pegar em armas, mas queimar o passaporte. Por quê? "Eu não sou dependente do país dominante, eu sou livre". Isso é ir além: a minha dignidade ninguém tira.
Nós somos todos iguais diante de Deus – e não só nós, mas os dependentes químicos também, os assassinos também... Eu não sou melhor que nenhum deles, porque todos nós somos irmãos diante de Deus. Temos uma frase que é, seguramente, da boca de Jesus, porque é um absurdo. Ela coloca dois termos contraditórios em conexão direta: "Amar os inimigos". Inimigo é o contrário de amigo; amor é contrário ao ódio. Ou seja: amor ao inimigo é contraditório, é um absurdo! Mas essa é a medida de Deus. Deus vai além! Este é o único jeito de superar a lógica do ódio – o ódio, que gera a vingança. E é o único jeito de enfiarmos uma trava e quebrarmos esta roda da vingança.
Jesus, Ele mesmo se enfiou no meio da roda. Ele foi a trava. Quando, no Evangelho de São João, chegam os soldados para prendê-Lo, Ele pergunta: "Quem vocês buscam?", e eles respondem: "Jesus de Nazaré". Jesus diz: "Eu Sou". Então, todos caem para trás, porque "Eu Sou" é o nome indizível de Deus, e faz com que a presença de Deus esteja ali. Jesus é a presença de Deus, e diante de Deus ninguém consegue subsistir. Só Deus é o vivente, nós somos sombras e vivemos por misericórdia, por graça. Quando eles caem, Jesus repete: "A quem vocês buscam?", e eles respondem: "Jesus de Nazaré". Jesus, então, diz: "Estou aqui", e aí sim eles pegam Jesus. Ele faz isso como um ato de liberdade: "Não são vocês que me pegam, sou Eu que me entrego, Eu que me faço trave no meio desta roda de vingança, de ódio, de morte. Nem que, para isso, Eu tenha que morrer". Essa é a medida de Deus, isso é ir além.
Agir assim não é fácil, mas nós rezamos justamente para pedir a Deus para sermos iguais a Ele e termos o mesmo coração que Ele. Deus se fez um de nós para que nós pudéssemos imitá-Lo. E Deus, feito homem, assumiu o nosso limite. O limite de Deus não existe, é infinito; já o nosso, tem um fim: a morte. Jesus se fez trave para quebrar a roda da violência. Mais uma vez: ser cristão não é ser bobo; ser cristão é não renunciar a própria dignidade, ir além das ofensas que as pessoas possam nos fazer e buscar ter o coração de Deus, rezar por aqueles que nos perseguem. Isso também é amar os inimigos. Reconhecer, no outro, Jesus Cristo – que pode estar desfigurado, violentado, horroroso diante de nós. Um assassino é Jesus completamente desfigurado na nossa frente, um monstro! Mas é Jesus. Por isso a justiça tem que ser correta, não pode ser corrupta, tem que corrigir, tem que educar as pessoas. É um assassino? Tem que ir preso sim. Mas ele é a imagem de Cristo, tem que ser reeducado e reinserido na comunidade. Para isso, é preciso um sistema carcerário que seja capaz de fazer isso. Olha como este mandamento muda muita coisa na nossa vida! O Estado muda, a política muda, a justiça muda.
Ser cristão tem consequências. Grandes. Vamos pedir a Jesus que nos ajude a ser, realmente, filhos e filhas de Deus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 7º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 23/02/2020 (Domingo, missa das 10h).
Seguir os mandamentos desde o coração
15/02/2020
Como eu disse semana passada, esse Evangelho chamado Sermão da Montanha, (capítulos 5, 6 e 7 de São Mateus) é a Nova Lei promulgada por Jesus. Moisés deu a Lei ao povo, e o povo hebreu esperava um profeta que fosse maior que Moisés. São Mateus está dizendo: ‘eis aqui o novo legislado, Jesus’. Muito bem, Jesus, por ação de seu Evangelho, está nessa frase: se a vossa justiça não superar a justiça dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não vão entrar no Reino dos Céus. Os doutores da Lei eram os grandes teólogos daquele tempo, eles interpretavam as escrituras. Imaginem, conhecer as escrituras de cor! Os fariseus eram gente muito, muito religiosa. Observavam todas as vírgulas e inventavam até orações para serem mais rigorosos ainda. Os dois grupos mataram Jesus. Se a nossa justiça não superar a justiça deles, com rigor na lei, mas rigor extremo... Jesus criticou duramente os fariseus e os doutores da Lei e dizia: ‘vocês são como túmulos: bonitos por fora; e por dentro? Um monte de carne podre! Vocês são exatamente iguais a esses túmulos, parecem grandes religiosos, mas dentro estão cheios de mentira, de hipocrisia, de falsidade, de morte.’ Nós temos sempre que estar muito atentos a isso. Especialmente nós que praticamos uma religião. Nós, padres, então, vocês não têm ideia de como a gente tem que estar diante disso, porque facilmente nós caímos numa rede de falsidade extrema. Você segue rituais, você até obedece a mandamentos, mas se não acontece no seu coração, fica só na superfície.
Jesus vai dar os vários mandamentos: não matarás. Quando a gente ouve ‘não matarás’, uma pessoa que é extremamente rigorosa nesse ‘não matarás’, o que essa pessoa se permite fazer? Por exemplo, torturar é matar? Falar mal é matar? Chamar uma pessoa de herege e criar ódio contra essa pessoa é matar? Pois, vamos ver, Jesus vai dizer: se você cria raiva no coração contra os teus irmãos, contra o teu irmão, você começa a criar, depois você começa a falar para os outros, você difama, até que você diz que essa pessoa é um demônio. Desse ponto para matar a pessoa é fácil. É isso que fizeram com Jesus. Primeiro disseram que ele era louco, depois que ele agia com o poder do demônio, depois disseram que ele era um herege. Então Jesus fala: ‘comece a limpar a raiz do teu coração, de dentro, a morte que você dá para essa pessoa começa no teu coração.’ Um discípulo, uma discípula de Deus tem que cuidar para que essas raízes não cresçam dentro do seu coração, porque se você deixa, você vai odiar, e há um certo momento em que você vai estar pronto para matar a pessoa. É que nós não temos a ocasião, mas nós estamos muitas vezes dispostos a matar os outros.
Jesus era muito rígido com a questão do matrimônio. Isso não é uma condenação para as pessoas de segunda união, mas é uma chamada para o matrimônio mesmo. No tempo de Jesus, a mulher, no matrimônio, era propriedade do marido. A mulher, dentro do matrimônio, não tinha direito a nada, e tinha que ser protegida pelo marido. O homem podia se desfazer da mulher e marcava o divórcio. Jesus lembra: ‘no início da criação do mundo não foi assim! Deus criou Adão e Eva com igual dignidade.’ Ninguém era dono de ninguém! Jesus está condenando o fato de colocarem a mulher como inferior ao homem dentro do casamento, olha que interessante. E Jesus vai dizer: ‘cuidado! A Lei fala não cometerás adultério’. Ah, mas até cometer adultério há tanta coisa que eu posso fazer... Mas Jesus diz: ‘quando você já olha com um olhar sedutor para alguma coisa na rua, você já está plantando adultério no teu coração, você tem que queimar essa raiz logo porque ela cresce’.
Jesus era absolutamente contra o juramento. Que coisa interessante... até na igreja, a gente faz um monte de juramento para ser padre, tem que jurar pelo céu e pela terra! E Jesus falou para não jurar, para que o 'sim' seja 'Sim', e o 'não' seja 'Não'! Sinceridade no que você fala, é isso o que Jesus quer dizer. Não faça com que as pessoas tenham dúvida do que você fala. Por que a gente obriga as pessoas a jurarem? A gente tem medo de que as pessoas falhem. Jesus diz ‘que a tua palavra seja firme’.
Por isso, Jesus diz ‘eu não vim para jogar fora a Lei, eu vim levá-la ao pleno cumprimento’. É preciso ir ao coração da Lei, e curar todos os males que nascem dentro do nosso coração. Jesus disse para os fariseus: ‘é no coração que nasce o ódio, o homicídio, os adultérios.’ No coração do homem, no coração da pessoa humana nasce tudo isso. Isso torna o ser humano impuro. Jesus não joga fora os mandamentos de Moisés, Ele nos ajuda a ir à profundidade, de modo que esses mandamentos entrem no nosso coração e façam que a nossa vida seja uma vida nova desde dentro.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 6º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 15/02/2020 (Sábado, missa das 16h).
Amar e perdoar para ser luz no mundo
09/02/2020
A cada ano, nós lemos um Evangelho. Neste ano, estamos lendo o de Mateus, que nos apresenta Jesus como o novo Moisés. O livro do Deuteronômio termina dizendo: "Até hoje, não surgiu um profeta como Moisés", e São Mateus vai nos dizer que Jesus é maior do que Moisés. Moisés subiu em uma montanha – o monte Horeb – para receber as tábuas da lei; Jesus também subiu em uma montanha para falar aos discípulos qual era a nova lei (no sermão da montanha, que começa com as bem-aventuranças), e muitas vezes Ele vai dizer: "Vocês ouviram o que foi dito: 'Olho por olho, dente por dente'. Eu, porém, vos digo: 'Amai os vossos inimigos, rezai pelos que vos perseguem'". Jesus nos dá a lei do amor, a lei do perdão.
O que destrói o ser humano é a vingança. Têm povos no mundo que brigam há milênios, e nem sabem mais o porquê da briga, pois vivem com a mentalidade da vingança. A vingança só destrói: pessoas, vidas, famílias, nações. Jesus fala para perdoar, deixar para lá e começar um caminho novo. O perdão é um modo cristão de ser sal para a Terra, para dar um gosto bom a este mundo.
Jesus fala: "Vós sois a luz do mundo". Se você vier à noite à igreja, vai encontrá-la iluminada, e nem vai olhar para os lustres, pois já tem a luz; você só percebe os lustres quando a luz se apaga. Nós, cristãos, temos que ser para o mundo como a luz: estar presente e transformar a vida das pessoas. Amar os outros como irmãos e irmãs transforma a vida das pessoas! Você não puxa o tapete, não faz fofoca, não difama, não sente inveja se começa a ver o outro como irmão e irmã. E fazendo isso, com essas atitudes, você será como uma luz para as pessoas.
Nos primeiros séculos, os cristãos incomodavam os romanos porque aceitavam todos os filhos, viessem como viessem. Já os romanos, se a criança não vinha como o pai queria, eles mandavam matá-la. Se não quisesse uma menina, por exemplo, ou se o filho tinha alguma deficiência física. O mundo romano era horrível! Então eles achavam um absurdo os cristãos aceitarem os filhos como viessem. "Mas como eles aceitam todos os filhos?". Porque é vida! É dom de Deus! Isto é uma luz: o respeito à vida.
Mas tem gente que te persegue porque você faz o bem... Tem gente que te persegue se você não entra na "rodinha" dos corruptos – alguns funcionários públicos entendem isso muito bem. O pessoal esta lá, roubando dinheiro da merenda; se você não aceita fazer parte da rodinha, eles vão te perseguir. Mas se você persevera, você vai ser uma luz para o mundo! O caminho de Jesus é esse.
E é isso que devemos ensinar para nossas crianças. Os primeiros catequistas são os pais, que devem rezar com seus filhos, falar de Jesus para eles e ter em casa algum símbolo religioso, ao menos um crucifixo. Nós não podemos renunciar a nossos símbolos cristãos.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 5º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 09/02/2020 (Domingo, missa das 10h, com apresentação das crianças da Catequese).
Acolher a Jesus é acolher a Sua Palavra
01/02/2020
Religiosos e religiosas, viemos aqui para esta celebração olhando para Jesus. É Jesus, como a própria iconografia desta igreja, o começo e o fim. Ao entrar nesta igreja, temos o ícone de Jesus – “Jesus, eu confio em vós”, e aqui [sobre o altar] o crucifixo, lembrando-nos que Jesus é o centro de nossa fé. Ele diz “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas” [Jo 8:12].
Hoje, festa da Luz, tanto assim que em sua origem em Portugal se chama festa de Nossa Senhora da Candelária. Nossa Senhora é aquela que apresenta Jesus, junto com São José, mas a festa é de Jesus. Na liturgia de hoje, a igreja coloca como Festa da Apresentação de Jesus. Jesus é apresentado naquele rito judaico no qual o primeiro filho a nascer, o primogênito, é apresentado no templo e consagrado a Deus. Jesus vai ser apresentado uma outra vez, no dia da sua Paixão, quando Ele é julgado e Pilatos apresenta “Eis o homem”, momento dramático no qual a multidão que foi beneficiada por Jesus com sua Palavra, com seu amor, com os milagres diz “crucifica-o”. E nesse relato da apresentação de Jesus, conforme o Evangelho [Lc 2,22-40], já está presente o sinal da Paixão. Simeão diz a Maria: “uma espada de dor atravessará o seu coração”.
Esta celebração de hoje é a festa da luz, porque Jesus é apresentado, mas também é a festa da acolhida de Jesus por Simeão e Ana, dois pobres, anciãos, que aguardavam a manifestação de Deus. Assim também, na Paixão de Jesus, foram poucos os que realmente acreditaram n’Ele. Esta narrativa tão bonita, tão poética: Jesus que vai ao templo com o pai e a mãe é oferecido, essas duas personagens o acolhem, José e Maria oferecem um par de rolinhas como oferta, sacrifício – e isso prova que realmente eram pobres, porque esta era a oferta dos pobres, os ricos ofereciam cordeiros, por exemplo.
Então essa festa diz o que para nós? Diz sobre nossa fé em Jesus. Nós já o encontramos na nossa vida? No íntimo do nosso coração, já encontramos Jesus? Os bispos reunidos em Aparecida dizem que tudo depende... e, também a nossa fé, tudo na vida do cristão depende desse encontro com Jesus! Deus nos apresenta, nos oferece através de Maria e José, o seu Filho Jesus, luz do mundo. Muitos olham, mas preferem viver nas trevas; outros aceitam essa luz sob condição que ela ilumine somente algumas áreas da vida e não toda a vida... Como nós estamos diante da manifestação desta luz, Jesus Cristo, na nossa existência? Nós acolhemos esta luz? Nós queremos estar iluminados por Ele? Nós aceitamos que Ele é o Filho de Deus que se fez homem em tudo semelhante a nós, menos no pecado?
Ele é o filho de Deus, como nos diz a Segunda Leitura [Hb 2,14-18]. Queridos irmãos e irmãs, a luz se manifesta. Deus se oferece, Deus está aí batendo e batendo na porta da nossa casa, do nosso coração. Simeão e Ana tiveram essa sensibilidade de acolhê-lo. Também hoje é dia de nos perguntarmos como nós acolhemos Jesus na nossa vida. O “acolher” Jesus não é uma questão do cérebro, da boca, fazer orações. É uma questão de vida, de atitude. Não é uma questão sentimental, isso é o que mostra a Segunda Leitura. Não é uma questão de sentimento só, mas é uma questão de adesão com a vida. Nós sabemos que Jesus se manifestou em nossa vida, e que nós O acolhemos quando a nossa vida muda, quando isto é determinante nos nossos atos, nas nossas atitudes, no modo de viver, no modo de agir, no modo de encarar a realidade na qual vivemos. Quem é o teu Mestre? É Jesus?
Então a Palavra de Deus hoje coloca-nos não só essa alegria imensa de ver que Deus se manifesta, na Primeira Leitura [Ml 3,1-4], o profeta diz eu vou mandar o anjo preparar o caminho para Ele. Deus já mandou muitos anjos preparando o caminho de Jesus na nossa vida, e Ele se manifesta, e como você vê essa manifestação e como você o recebe? Receber Jesus é deixar se guiar pela sua Palavra. Quem me ama, guarda a minha Palavra. Quem me recebe, dá crédito para que eu ensine a Palavra.
E nós estamos celebrando aqui os 80 anos desta paróquia que tem como padroeira Santa Teresinha. A história desta paróquia é bonita, ela existe antes da criação da nossa Diocese. Quando se criou a Diocese de Santo André, já existia esta paróquia e todo itinerário e foi consagrada a Santa Teresinha, que na época da fundação desta paróquia era a santa que estava logo após a sua canonização, o mundo inteiro falando dela – hoje se fala, mas naquela época era uma grande novidade, era uma santa do dia. Cada época tem algum santo que são mais conhecidos. Mas Santa Teresinha estava dando uma grande mensagem, que ela recebeu Jesus sim, como luz para sua vida, mas levou a sério nas pequenas coisas da vida. descobrindo que a resposta que nós damos à manifestação de Jesus, a acolhida que nós damos é o amor. Porque o amor é a síntese do que Ele nos ensinou, mas um amor não só afetivo, mas efetivo, incidente na nossa vida, nos nossos atos, na nossa realidade. E o sinal desse amor é o serviço aos irmãos, tanto que ela desejou ser missionária e é uma das padroeiras das missões, junto com São Francisco Xavier. O amor nos impele a servir o próximo, a manifestar-se como estar a serviço dos irmãos e da causa do reino de Deus. O amor, portanto, é um colocar-se nas mãos de Deus, com toda a confiança, aquela mesma confiança que a criança tem ao se colocar nas mãos do pai e da mãe. Nós confiamos em Deus? Nós acreditamos que Deus pode, na nossa existência, influir, transformar, dirigir? Existe abandono nas mãos de Deus de nossa parte? É uma boa pergunta que todo esse dia de celebrações tão significativa coloca diante de nós a partir da Palavra de Deus. E o que fez Santa Teresinha foi isso, receber Jesus, luz na sua vida, acolhê-lo, acreditar na sua Palavra e vivê-la como um amor capaz de servir e de se entregar a Jesus para que Ele transformasse sua vida e a dirigisse. E isso para nós é muito difícil. A nossa cultura é uma cultura do individualismo, do narcisismo. “Quem manda na minha vida sou eu”, “não obedeço a ninguém, nem a Deus e nem os seus representantes muito menos”, “eu é que mando na minha vida”, isso é a glória do homem da nossa época.
E nós estamos celebrando o Dia da Vida Consagrada. Não existe vida consagrada sem esta atitude de obediência para com Deus, de deixar a sua vida nas mãos de Deus, de entrega alegre nas mãos de Deus. E quem é um exemplo disso além de Santa Teresinha? Maria e José. Que estavam ali colaborando com o plano de Deus, que mudou os seus planos, colaborando com o plano de Deus que entrou na vida deles e mudou o direcionamento dos seus projetos. José e Maria jamais fizeram projeto de ser o que eles foram: Maria, mãe do Filho de Deus, e José, pai adotivo do Filho de Deus. Acolhida do projeto de Deus para nós, isto é, vida religiosa, a vida de quem se consagrada, tanto no batismo – que vale para todo mundo – como para os consagrados que sentiram o impulso, como Teresa do Menino Jesus, de se consagrar inteiramente a Deus numa vida que não mais lhe pertence. O consagrado é aquele cuja vida não lhe pertence mais. E isto você vê que é para gente corajosa. Corajosa na força do espírito. Que maravilha! Vamos bendizer a Deus pelos religiosos e religiosas que estão aqui.
Vamos continuar nossa celebração, colocando-nos diante de Deus e pedindo a graça de vivermos todos nós a consagração batismal de aceitar Jesus na nossa vida como Luz.
Homilia: Dom Pedro Carlos Cipollini – Apresentação do Senhor (Ano A) – 01/02/2020 (sábado, às 16h, missa solene pelo Aniversário de 80 Anos da Paróquia Santa Teresinha).
Ser paróquia é ser luz para os irmãos
25/01/2020
Nós temos uma frase, nos Salmos, que diz que "a nossa vida é um sofrimento, e quando alguém chega aos 80 anos, isto é um fato notável" [ref. Sl 89 (90)]. Só que eles estavam falando isso há, pelo menos, 2.500 anos... A média de vida era de, mais ou menos, 25 ou 30 anos. Era bem diferente de hoje. Chegar aos 80 anos naquele tempo era coisa rara, muito rara. Hoje não é mais assim, nós temos remédios que não existiam antes, temos dietas, fazemos tantas coisas que permitem que vivamos mais. Então nem nos assustamos mais quando ouvimos que uma pessoa tem 80 anos.
E uma paróquia? 80 anos! Quantas pessoas fizeram 80 anos nestes 80 anos... Um fato notável! E quantas outras pessoas, em todos estes anos, tiveram fatos notáveis nesta comunidade... A paróquia é um território; o bispo marca um território e diz a um padre: "Você vai cuidar das pessoas que moram aí, batizá-las, prepará-las para a primeira comunhão, para a confissão, para a Crisma, preparar os jovens para o matrimônio, convidar os jovens para a vida sacerdotal, casar as pessoas, consolá-las na hora da doença e prepará-las para a hora da morte" – isto é a vida, a nossa vida – "E mais: dar ao povo de Deus o Corpo e o Sangue do Senhor". Jesus nos disse no Evangelho: "Quem come o meu corpo e bebe o meu sangue terá a vida eterna". Então o padre tem esta missão: dar ao povo de Deus os sacramentos, anunciar o Evangelho e, com a comunidade, servir aos pobres. Porque Jesus também disse no Evangelho: "Deles é o Reino dos Céus".
Se nós olharmos a vida de uma comunidade, vamos ver o que marca o seu caminho. E a história desta comunidade aqui é muito interessante! Nós fizemos uma confraternização entre os padres e, lá, um deles estava me contando que esta paróquia de Santa Teresinha foi pioneira em uma série de coisas na Diocese de Santo André, especialmente com os padres franceses. Eles foram os primeiros padres da Diocese a arrancar o altar do fundo e colocá-lo à frente, rezando a missa olhando para o povo. A primeira paróquia na Diocese, seguindo já os ventos novos do Concílio Vaticano II. E, depois, nesta comunidade, eles também iniciaram vários grupos e movimentos que serviram de modelo para muitos outros lugares na nossa Diocese. Nós temos uma história gloriosa! E temos ainda o tempo de sofrimento durante o Golpe de 1964... Nossos padres foram perseguidos, tinham que se esconder em buracos dentro das igrejas. Quantas histórias nesta paróquia... Depois, se olharmos os quase 15 anos do Pe. Jorge aqui, quanto tempo, quanto trabalho...
Há também quem ainda lembre e chore pela demolição da antiga capelinha – até eu me emociono em pensar que aquela pequena joia foi colocada abaixo! Às vezes temos muita pressa em fazer as coisas e, depois, nos arrependemos, mas aí já não há mais o que fazer... Por outro lado, olha a grandeza desta paróquia! Poucas paróquias na Diocese são grandes deste jeito. Vejam o empenho que vocês tiveram – vossos pais, vossos avós... E vocês mesmos, porque há poucos meses terminamos de pintar a igreja. Nós estamos, sempre mais, colaborando com esta herança que é a vida da igreja, a vida da nossa comunidade. Quantas pessoas passaram por aqui, quantas pessoas se aproximaram de Deus por meio de Santa Teresinha, quantas pessoas se aproximaram de Deus por causa de uma palavra ou gesto de vocês... Isso é paróquia! É isso que nós celebramos! As pessoas que estão nela, que nela vivem o Evangelho: isso é paróquia!
Aqui no Brasil, nós só temos 500 anos de história, então a igreja mais velha do País tem mais ou menos essa idade. Se olharmos para a Europa, há igrejas de quase 2.000 anos. Portanto, 80 anos de uma paróquia ainda é um brotinho que saiu da terra... Mas que está indo bem! Do mesmo jeito que olhamos para outros países e vemos árvores grandes, nós também seremos uma árvore grande. Com o empenho de cada um, com a doação de cada um, com a oração de cada um, com o amor de cada um e com o exemplo que cada um der uns aos outros nós nos tornaremos uma grande árvore!
No Evangelho de hoje [Mt 4, 12-23], João Batista foi preso. Ele, que anunciava a conversão lá nas margens do Rio Jordão. Ele nunca saiu perambulando, nunca fez milagres. Deus mandou que ele anunciasse a conversão e foi o que ele fez. Jesus foi visitá-lo, não sabemos por quanto tempo; Ele foi batizado e, depois, foi para o deserto, e ficou lá por 40 dias. Depois, voltou para casa e ouviu que João Batista fora preso. E disse: "A missão continua, e começa agora!". Então Ele começa a anunciar: "O Reino de Deus está entre vós", e o Reino é o próprio Jesus, que dá os sinais: anuncia o Evangelho e cura todo tipo de doença. Estes são sinais de que o Reino de Deus está próximo.
O Reino de Deus tira as pessoas da paralisia. Na hora em que eu estava lendo o Evangelho, vocês devem ter pensado que eu errei uma palavrinha... No texto do folheto está escrito "vivia", e o padre disse "jazia". Jazia significa que estavam parados, como mortos, perdidos; este povo que caminhava nas trevas – e é difícil caminhar nas trevas, pois você não sabe para onde vai –, este povo viu uma luz! A luz é o anúncio do Evangelho, a luz é Jesus. Antes Dele, não havia luz. Atentos: não havia luz. Havia só vozes, que até guiavam o povo, mas agora aparece a luz, que é Jesus!
Jesus anuncia, Ele vai ao encontro. João Batista esperava que os outros viessem até ele; Jesus vai ao encontro do povo. Deus não abandona o Seu povo, Deus cuida do Seu povo, Deus salva, Deus tem carinho. Antes, o povo jazia, estava parado, como morto. Mas o tempo de ficar parado acabou! Jesus coloca o povo para caminhar. E caminhando pelas margens do lago, Ele encontra dois irmãos, Simão Pedro e André. A Palavra de Deus os chama e eles largam as redes. O mesmo acontece com outros dois irmãos, Tiago e João: estavam lá, consertando as redes; Jesus os chama, e eles largam as redes e o pai. Olha que interessante! As redes e o pai: tudo o que pode, de algum modo, impedi-los de seguir Jesus. Para andar, para seguir Jesus, nós temos que abandonar coisas velhas, coisas que nos amarram: raivas, ódio, inveja, vitimismos... Temos que largar tudo isso, abraçar Jesus e começar a seguir o caminho Dele. Amar os outros, porque amar nos coloca em movimento imediatamente. Quem ama se mexe, sai das trevas, caminha. E é isso o que Jesus quer! Isto é a vida de uma paróquia: caminhar atrás de Jesus para ser, neste mundo, neste tempo, uma luz! Luz para este bairro, para nossa rua, para o nosso vizinho, para o nosso irmão, para nossa mãe, para nosso marido ou esposa. Ser luz!
Em 1940, o povo daquele tempo aprendeu a ser luz; em 1950, 1960... Agora, é o nosso tempo! Nós temos que, neste tempo, ser luz. O tempo que passou não era melhor que o nosso, era só diferente. E o tempo que virá também será diferente. Nós temos que responder pelo hoje! Este tempo foi dado para nós, e temos que tentar fazer nosso melhor. Vamos resolver o mundo? Não. Isso é lá com Deus... Mas podemos dar nossa contribuição. É isso que Deus espera de nós. São Pedro já morreu, há quase 2.000 anos; mas ele deu a contribuição dele. São Bento morreu há mais de 1.400 anos; São Francisco, há 800 anos; Santa Tereza D'Ávila, há 500 anos; Santa Teresinha, há pouco mais de 100 anos. Eles deram a contribuição deles. Hoje, nós temos que dar a nossa contribuição. E Deus quer, no nosso meio, muitas Teresas, muitos Franciscos, muitos Bentos, muitos Pedros! Toda pessoa que ama e faz o bem, hoje, é uma outra Teresa, um outro Francisco, um outro Bento, um outro Pedro.
E outra coisa muito importante é a unidade. Na segunda leitura [1Cor 1, 10-3. 17], São Paulo puxa a orelha do pessoal. "Vocês ficam dizendo: 'Eu sou do grupo de Paulo, eu sou do grupo de Apolo, eu sou do grupo de Pedro'... E ainda tem quem diga: 'Eu sou do grupo de Cristo'. Nós temos que aprender que quem morreu por nós na cruz foi Nosso Senhor, Jesus Cristo! Só Ele!". Nós podemos ter muitas espiritualidades, muitas teologias na Igreja... Mas Jesus é o nosso ponto de partida e de chegada. Jesus! Nós temos o Apostolado da Oração, a Renovação Carismática, os Vicentinos e tantos outros grupos. Mas o que conta não é a espiritualidade de cada grupo, e sim que todos queiram seguir Jesus e caminhar junto com os outros! O meu caminho não é melhor que o teu, porque todos nós seguimos Jesus. Isto é muito importante: seguimos Jesus!
Infelizmente, um erro muito grande que está acontecendo é esta quase contraposição entre Jesus e Maria. Isso é bobagem! Jesus e Maria têm uma só vontade. O coração de Maria bate no mesmo ritmo do coração de Jesus. O que Jesus quer, Maria também quer! E não existe contraposição. Maria não é uma corrupta da graça! Tem muita gente que diz: "Se você não conseguir com Jesus, peça para Maria que ela dá um jeitinho". Isso é corrupção! A Mãe de Jesus não é corrupta! A vontade de Jesus é a vontade de Maria. E se você for até ela procurando um jeitinho, sabe o que ela vai te dizer? "Faça o que Ele vos disser!". Não há outro caminho, só o de Jesus!
Vamos pedir a Jesus, adorando à Santíssima Trindade; à Virgem Maria, que cuida de nós como mãe; e à Santa Teresinha, que é padroeira desta paróquia, que nos ensinem a seguir Jesus na humildade; que nos façam ser, para este tempo, uma luz, para que a próxima geração, que vai celebrar o centenário desta paróquia daqui a 20 anos, possa também, animada por aquilo que nós fizemos, testemunhar Jesus!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 25/01/2020 (sábado, missa das 16h, em Ação de Graças pelo Aniversário de 80 Anos da Paróquia Santa Teresinha).
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo
19/01/2020
Hoje celebramos o dia do Senhor. Vamos compartilhar um pouco aquilo que acabamos de ouvir... A Primeira Leitura [Is 49,3.5-6] apresenta um servo misterioso de Deus, que é enviado para recuperar o ânimo daqueles que se sentiam afligidos pela escravidão na Babilônia, para reconduzi-los a Israel e fazê-los permanecer firmes na aliança, por isso ele é enviado como um espírito do Senhor, mas também como luz, que mostra o caminho que leva a uma vida correta, tranquila e serena. O trecho do Evangelho de hoje [Jo 1,29-34] nos apresenta não um enviado qualquer, mas o filho de Deus, que assumiu a nossa natureza humana e quer caminhar conosco para nos conduzir, não somente ao encontro de Deus, mas também a uma vida digna, uma vida tranquila e serena como filhos de Deus. Ele é apresentado por João como o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, mas muitas vezes pensamos que Jesus veio tirar os pecados e veio, mas de um modo espacial o pecado que produz todo o desequilíbrio dentro do ser humano e estraga a vida que Deus colocou: é aquela desobediência, aquela não aceitação de Deus, lá da origem da história da humanidade. Jesus, portanto, vem nos libertar profundamente para que diz São Paulo, no Batismo, emergidos da morte com Jesus Cristo também somos ressuscitados para uma vida nova. Se Jesus é revestido pelo poder de Deus e seu Espírito, também nós fomos revestidos de Deus, não somente no dia da Crisma, mas já a partir do nosso Batismo recebemos o dom do Espírito. Então, nós somos pessoas, não somente criaturas, somos filhos muito queridos por Deus e como tal devemos viver como Jesus viveu, fazendo o bem a todos, procurando em Sua vida e Seus ensinamentos nos orientar sempre para o bem. Assim, em nome da nossa realidade de filhos de Deus revestidos pela plenitude do Espírito do Senhor, devemos viver como Ele: essa é nossa missão.
Muitas vezes me perguntam, como faço para descobrir a vontade de Deus? É vive-Lo no dia a dia, honestamente, com coragem, dedicação e doação. Ele é chamado também Cordeiro, que lembra o cordeiro que foi imolado no Egito, e, através do seu sangue, que foi colocado nas portas foi o sinal que lá tinha um que era amado por Deus e, portanto, deveria ser libertado. Aqui paira o sacrifício de Jesus, que com sua vida e não só com seus ensinamentos, mas de modo especial derramando todo o seu sangue pinga toda a maldade que está no coração do ser humano. Esse sacrifício que estamos renovando hoje, na Eucaristia, não deveria ser somente lembrança, deveria ser a atualização desse grande momento amoroso de Deus para conosco, mas também um compromisso de viver aquilo que estamos celebrando e, portanto, conduzir nossa vida com generosidade. Todos os nossos sacrifícios, todos os nossos gestos pequenos podem ser um grande momento e uma grande descoberta do que Deus faz conosco.
Portanto nos sentimos mais empenhados, a partir da Eucaristia, responsáveis pelo grande dom através do qual o Senhor nos chama, mas Ele também nos envia como Jesus para que outros descubram e vivam com alegria e paz a realidade de filhos de Deus.
Homilia: Pe. Jaime Pellin – 2° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 19/01/2020 (Domingo, missa das 10h).
Deus caminha conosco no dia a dia
12/01/2020
Na escritura, temos algumas interpretações meio confusas. Às vezes, por erro. Por exemplo, em hebraico, não escrevemos as vogais, só as consoantes. Se está escrito C e S, na tradução, completa-se com as vogais: "Ele tem uma cAsA; mas se trocarem as vogais, pode aparecer: "Ele tem um cAsO", e ficar bem diferente! Em um texto que falava de Moisés, havia uma dessas palavrinhas somente com consoantes: "Moisés, quando vai à presença de Deus, na tenda, sai com o rosto...". No erro de tradução, escreveram: " chifrudo" – e é comum encontrarmos algumas pinturas e imagens de Moisés, inclusive a famosa estátua de Michelangelo, em que ele tem chifres; mas trocando as vogais, temos a palavra certa: "luminoso". Olha que diferença!
Nesta passagem do Evangelho de hoje [Mt 3, 13-17], temos algo parecido. "O Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma de pomba". Na verdade, o Espírito Santo não virou um passarinho! O correto é "como se fosse uma pomba". Mas ficamos com essa interpretação errada, e hoje é comum vermos uma pomba representando o Espírito Santo. "Como se fosse uma pomba". E por que uma pomba? A pomba é, sobretudo, um animal pacífico. E quando ela desce do céu, vai direto para o ninho, sem ficar dando voltas. A ideia é exatamente esta: o Espírito de Deus desceu sobre Jesus como uma pomba, direto Nele, sem rodeios, e Nele permaneceu.
No Batismo, nós temos a manifestação da Santíssima Trindade: o Pai, que diz "Eis meu Filho Amado"; o Espírito Santo, que é mandado pelo Pai; e o verbo encarnado, que é Jesus. Não é que Jesus não tinha o Espírito Santo antes do Batismo, nem que Ele não era Deus. Mas esse momento marca o início da missão pública de Jesus. E antes? Jesus passou 30 anos na vida comum do dia a dia. Você já pensou nisso? Uma criança que brinca com as outras, que vai à sinagoga rezar todo sábado, um rapaz que aprende o trabalho do pai, que ajuda quando é tempo de colheita... Era Deus no meio deles! E ninguém via Jesus como Deus, viam-no como outro rapaz qualquer. Deus passa no nosso dia a dia, Deus vive no nosso dia a dia e Deus santifica nossa vida, nossa vida comum. Você não tem que ser um "supermissionário" ou o presidente da república; na sua vida cotidiana, Deus caminha contigo, e te salva aí. Dando o exemplo, anunciando a Palavra e ajudando os outros você é sinal de salvação na vida comum do dia a dia.
No Batismo, o Espírito de Deus mostra o começo da missão pública de Jesus. Ele permaneceu algum tempo com João Batista, mas os estudiosos da Bíblia não sabem ao certo quanto, pode ter sido alguns dias, algumas semanas ou até alguns meses. Depois, Jesus vai para o deserto por 40 dias. Nestes 40 dias, João é preso a mando de Herodes – a quem Jesus chamou de raposa em outra ocasião. Herodes não queria problema com Roma (que comandava a Palestina àquela época), e mandava prender e degolar os líderes de grupos que começavam a se organizar, para dispersá-los. Com João Batista não foi diferente, pois tinha muita gente indo se batizar com ele, inclusive pessoas importantes, como chefes dos sacerdotes e fariseus. Por isso, Herodes não teve dúvida: prendeu-o e, depois, cortou sua cabeça – com Herodíades ou sem Herodíades, o destino de João Batista seria o mesmo.
Com a prisão de João, Jesus volta do deserto e começa a anunciar ao povo: "Convertam-se! O Reino de Deus está próximo". Qual era a ideia de Messias que aquele povo tinha? Um Messias político, que tivesse o exército na mão, que iria subjugar todos os outros povos do mundo e colocá-los debaixo dos pés de Israel, que iria reformar todo o culto do Templo de Jerusalém e trazer de volta a glória da religião hebraica. Só que os planos de Deus são outros... E o que o Senhor tinha anunciado pelo profeta Isaías, na primeira leitura de hoje [Is 42, 1-4. 6-7]? "Nele se compraz minh'alma; pus meu espírito sobre ele; ele promoverá o julgamento das nações". A ideia que o povo tinha quando pensava nisso é que o Messias ia destruir todos que não fossem hebreus. Mas, continuando a leitura, temos um julgamento diferente: "Ele não clama nem levanta a voz, nem se faz ouvir pelas ruas". Que julgamento esquisito... "Não quebra uma cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega", ou seja, onde há esperança. Jesus, como juiz, vai procurar em cada um de nós – e procura hoje, porque nós hoje estamos sob julgamento de Jesus –, vai procurar no nosso coração um sinal de esperança. Ele não destrói o pouco de fé que nós temos, mas ampara, cuida, para que este pequeno pavio possa crescer como luz, para que esta cana torta, meio rachada, possa florescer. Esse é o julgamento de Deus, e Ele não precisa de gritaria para julgar. Os juízes do mundo às vezes têm que gritar, têm que bater o martelo. Jesus não precisa disso. Diante da cruz de Jesus não há gritaria. É lá que Ele julga o mundo, cada um de nós somos julgados a cada instante diante da cruz. E lá não tem grito. Diante da cruz do Senhor, cada um de nós aparece exatamente como é, sem máscaras, sem mentiras, sem conceitos nem preconceitos: como nós somos. E não é preciso gritar, não é preciso acusações. Cada um aparece transparente diante da cruz. Para Deus, é muito fácil julgar. Não é preciso dizer nada. Nós somos o que somos diante Dele.
E o que nos dá alegria e esperança é saber que Ele cuida de cada um de nós. Esse é o Messias que o Pai nos deu! O caminho de Deus é outro, diferente do nosso. E o que nós temos que fazer? Temos que pedir a Deus para, em primeiro lugar, ouvir Sua Palavra. Para isso, temos que ler a Bíblia todos os dias! "Ah, padre, mas é muito grande!"... A Bíblia é mais curta que a trilogia de O Senhor dos Anéis, por exemplo. "Ah, padre, mas eu não entendo nada"... Não tem problema, leia, simplesmente leia: a Palavra de Deus tem tanta força que ela vai plantar alguma semente no teu coração! Disto você tenha certeza: a Palavra de Deus é poderosa, ela vai colocar uma semente no teu coração, leia! "Ai, padre, por onde eu começo?". Pela 1ª página. "E onde eu termino?". Na última. Primeira frase da Bíblia: "No princípio, Deus criou o céu e a terra"; e a última: "Maranathá! Vem Senhor Jesus!". Leia! Escutar a Palavra é a primeira coisa. João escutou: "Este é o meu Filho Amado".
Depois, pedir ao Espírito Santo que nós estejamos com o coração aberto para Deus. Deus fala! Pode não falar com a voz, igual à nossa, mas Ele nos mostra as situações, mostra nossa vida, os nossos defeitos, os nossos sonhos, as pessoas que estão em volta de nós, as necessidades dos outros... O Espírito Santo mostra. Mas precisamos pedir: "Abre os meus olhos", porque às vezes Ele mostra mas não queremos ver... "Abre os meus olhos para que eu veja o que Você quer que eu veja". Ser dóceis ao Espírito.
E, depois, confessar Jesus como nosso Senhor. Não só da boca para fora, porque é muito fácil falar: "Jesus Cristo é o Senhor". Jesus é Senhor quando nós colocamos o Seu mandamento em prática: "Amai-vos uns aos outros. Não existe maior amor do que dar a vida por aqueles que amamos".
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Batismo do Senhor (Ano A) – 12/01/2020 (Domingo, missa das 10h).
A manifestação de Deus é a nossa esperança
05/01/2020
Vocês sabem como é que a gente calcula a Páscoa? Todo ano é uma data diferente. Por que será? Porque nós, como os hebreus, para calcular a Páscoa, calculamos através dos ciclos da lua. Jesus morreu na véspera da Páscoa dos hebreus, no sábado, conhecido para nós como “Sábado de Aleluia". Jesus foi assassinado na sexta-feira. Então, como nós calculamos? A Páscoa é no primeiro domingo depois da lua cheia do ciclo lunar que começa em março. Então a Páscoa pode ser do meio para frente de março ou até, no máximo, 25 de abril, porque pode acontecer que o ciclo lunar de março comece no dia 28 de março, por isso que vai pro meio de abril. Às vezes o ciclo lunar começa no dia 01 de março, aí a Páscoa é logo no começo de abril. Então é assim que a gente calcula. Muito bem...
Nos primeiros séculos do cristianismo, o Natal era comemorado junto com a Epifania, dia 06 de janeiro, a manifestação de Deus para os povos. Epifania significa, em grego, "manifestação", é a manifestação de Deus, porque Deus apareceu. Então, a celebração dos magos que vão até Belém, adorar a Jesus, é a grande celebração da luz. Todos os povos são chamados à salvação e não apenas o povo hebreu. O Evangelho de São Mateus vai insistir muito sobre a universalidade da salvação. Todos os povos são chamados à salvação. Os mulçumanos também? Sim! Outras seitas e religiões? Também! Todo mundo! Todos são chamados à salvação! E a partir de onde Deus chama todos à salvação? A partir de baixo! Se nós lermos o Salmo de hoje [Sl 71(72)], ele fala: "Libertará o indigente que suplica e o pobre ao qual ninguém quer ajudar". Olha que frase pesada... “Terá pena do indigente e do infeliz e a vida dos humildes salvará”. O que quer dizer isso? Que Deus vai acabar com os outros? Não! Deus vai cuidar primeiro daqueles que estão sofrendo mais, porque Deus é justo. Interessante. Como você julga se um país tem justiça e honestidade? Você olha o número de pobres e de desempregados. Quanto mais pobres e mais desempregados o país tem, mais injusto e corrupto. Sabiam disso? O que seria do Brasil? De fato, não somos os melhores do mundo, porque aqui tem bastante desemprego e pobreza e nós temos muita gente na miséria também. Miséria significa uma pessoa que vive com muito menos que um salário mínimo por mês, bem menos. Então, o índice de justiça e honestidade em um país é se tiver poucos pobres ou nenhum, pois isso significa que os governantes cuidam do bem de todos: todos têm que ter escola, casa, comida, entenderam? E você deve se preocupar primeiro com quem? Com quem não tem! Percebem? Isso é justiça. Deus nos ensina um modelo econômico e político: cuide primeiro dos pobres; se você distribuir a renda para os pobres, melhorando a vida dos pobres, todo o povo vai nivelar. Entenderam? É o contrário do que a gente pensa: "Vai ajudar os pobres, vai tirar do meu dinheiro", não, pelo contrário! Quanto mais se eleva a situação dos pobres, melhor a sociedade vive. Então, Deus salva a partir de baixo. Chama todos à salvação, Deus cuida a partir de baixo sem excluir ninguém. Quem começa por cima, exclui. A manifestação de Deus é isso: todos têm que entrar para a salvação. Nós, cristãos, temos a missão de ser uma luz e anunciar para todos o amor e a fidelidade de Deus, acolher as pessoas, respeitar as pessoas nas várias diferenças que tem. Quando as pessoas se sentirem acolhidas e respeitadas, elas louvam a Deus: esse é o caminho de Jesus.
Nós temos algumas coisas mais no Evangelho [Mt 2,1-12], uma figura interessante: o rei Herodes. E também, vocês não acham interessante esse fato: “Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe”, então perguntamos: onde estava São José? É de propósito que José não aparece nessa parte. Por quê? Eles estão procurando o rei. Em Israel, e em outros países depois de Constantinopla, o rei tem muitas esposas: tem a primeira, que vai dar o herdeiro, e as outras... E quem é a rainha? Não é nenhuma esposa, é a mãe do rei. Entenderam? Maria é a rainha. Então, se eles estão levando esses dons para o rei de Israel que nasceu, quem eles vão homenagear junto com o rei? A rainha! Lógico que Jesus não é rei do nosso modo de pensar e nem Maria é rainha do jeito nosso de pensar. O reinado de Jesus acontece na cruz. Maria é rainha perto da cruz. É a cruz que é o trono de Deus. E esses magos do Oriente, trazem três dons: ouro, porque Jesus é rei; incenso, porque reconhecem nele a divindade; e, a mirra, porque é homem e deve morrer. Então, nos três dons dos magos, nós temos a realeza que Jesus exerce no serviço, a divindade de Jesus que é a revelação do Pai, e a mirra que é a cruz. Os magos já trazem para Jesus aquilo que é sua missão. Entenderam?
Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a realmente ter a consciência de que a salvação é para todos. Nós temos que ser anunciadores dessa salvação através dos nossos atos, testemunhos e, depois, nossas palavras e não ao contrário. Hoje em dia a gente vê muita conversa e pouco atos. Precisamos dar testemunho através da vida, dos nossos gestos e depois a palavra para que sejam palavras verdadeiras, justas e que possam iluminar o coração dos outros.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Epifania do Senhor (Ano A) – 05/01/2020 (Domingo, missa às 10h).
Com Maria, aprender o discipulado e contemplar os sinais de Deus
31/12/2019
Os pastores eram pessoas amaldiçoadas, bandidos e alguns até assassinos, tinham um medo terrível de Deus, pois os grandes da religião diziam que eles seriam fulminados no dia da manifestação de Deus. Nessa passagem do Evangelho [Lc 2,16-21], quando os anjos aparecem no céu, eles pensaram que havia acabado para eles, no entanto, o anjo não os destruiu, mas anunciou que Deus os ama e que eles devem procurar esse sinal que Deus deu. Essa gente leva um susto com a manifestação da bondade de Deus. Quantas vezes nós realmente ouvimos para nossa vida essas palavras dos anjos que são dirigidas a nós? “Nasceu pra vocês o Salvador”. Jesus é Yeshua, que quer dizer “Deus salva”! Deus não pede, não julga, não condena, Ele salva. Saber contemplar a Salvação de Deus no nosso dia a dia, nas dificuldades, nos trabalhos, em tantas coisas difíceis, doença, morte, desemprego: isso é a primeira coisa que aprendemos com esses pastores que ouvem a voz do anjos, se surpreendendo, pois Deus não os destrói, mas faz deles anunciadores de uma grande alegria. Os pastores vão lá ver Jesus e voltam louvando a Deus. A vida desses homens se tornou um louvor à Deus, mas a vida deles não melhorou não, eles continuaram pastores no meio de um sofrimento louco, mas com um coração novo, com uma esperança nova, sabendo que não são malditos e sim que foram salvos.
São Paulo nos diz, na Segunda Leitura [Gl 4,4-7], que Deus mandou seu Filho para que nós fossemos adotados filhos, mais do que isso mandou o Espírito do seu Filho. Jesus chama o Pai de Abbá. Como uma criança tem confiança em seu pai, é esse o Abbá, é esse o seu Pai, e o seu Espírito mora em nós para que possamos ser o bem e a luz para os outros. Esse é o grande anúncio que Deus fez aos pastores, que era considerados malditos, e nós também somos chamados a viver dessa alegria.
A outra atitude que observamos no Evangelho de hoje é a de Maria, que via todas as coisas e contemplava tudo no silêncio do seu coração, em oração. Devemos saber contemplar a ação de Deus na nossa vida, então por que o segredo e o silêncio? Porque Deus é maior do que nós, não somos medida para Deus, Ele é maior, por isso devemos ter atitude de escuta e contemplação da ação de Deus. Maria é modelo de discípula. Maria e São José são pessoas que vivem e acreditam na salvação de Deus e contemplam constantemente as ações de Deus em sua vida, na vida da sua família, na comunidade e na vida do povo. No Brasil, perdemos muito o sentido de povo, esvaziaram esses valores do nosso coração, mas o nosso povo também é objeto da salvação de Deus e somos convidados a ver esses sinais e contemplá-los como Maria.
A Primeira Leitura [Nm 6,22-27] é a bênção dos livros dos números, com a qual São Francisco abençoava os frades – muitos a conhecem como bênção de São Francisco, mas é a bênção de Aarão, o primeiro sumo sacerdote: “O Senhor vos abençoe e vos guarde, volte para vós o seu rosto e tenha piedade de vós, faça brilhar sobre vós a sua faça e vos conceda paz”. O Trono de Deus se assenta sobre a paz, que é a abundância em todas as coisas. Alegria, serenidade, comida suficiente, saúde, tudo de bom que se pode pensar, paz com os amigos e até com os inimigos, boa colheita, bom trabalho é o Shalom de Deus nesse tempo, depois seremos mergulhados na paz de Deus.
No último dia do ano, é tempo de olhar pra trás um pouco... Quantas crianças nasceram? Isso nos dá esperança! Quantos se casaram? Mas também quantas pessoas não chegaram ao dia 31 de dezembro? Nós não sabemos, é a vida e Deus passa no meio dessa vida. Contemplar a ação de Deus na nossa vida, louvar a Deus pela sua salvação em nossa vida e fazer isso com Maria, onde celebramos a maternidade divina. Maria é o que é porque é mãe de Jesus, Deus da eternidade preparou uma mãe digna do seu filho, porque ele queria que seu filho tivesse uma mãe, uma mãe como todos nós, mas em Maria foi por uma ação que só Deus pode fazer, o filho que nasceu dela também era Deus – por isso, é uma maternidades divina, pois Jesus é Deus, existia na eternidade, se esvaziou de si mesmo e é gerado no tempo no seio da Virgem. Nasce homem como nós, em um parto que é um mistério de Deus, sem violar sua mãe, mas em um parto humano. No ventre dessa mulher, Deus fez o milagre que até os anjos adoram. Temos que pensar que o Senhor do céu e da terra foi cuidado e amamentado por mãe humana. Isso é uma coisa que deixa a gente de boca aberta, é singelo o amor de uma mãe pelo filho, e Deus quis ter também ele, esse amor de mãe. Por isso nós, cristão católicos, temos tanta veneração pela mãe de Deus. Contemplar essa maravilha que Deus fez nessa mulher e como Deus quis ser amado por essa mulher ao ponto de querer Maria perto do caminho dele. Ela que, muitas vezes, é quase a representante do povo fiel. A ação de Maria espelha aquilo que se espera do povo fiel, nas Bodas de Canaã, aos pés da cruz, e depois, na comunidade dos irmãos. Maria não se coloca acima de ninguém, ela está com os irmãos. A materialidade espiritual de Maria é um estar conosco, indicando o caminho de Jesus. A verdadeira devoção a Maria é seguir Jesus e ter a coragem de segui-lo até a cruz, sem nunca abandonar a comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus, é isso que Maria nos ensina. É a discípula que leva pelo caminho, mas sem mentiras, pode levar para cruz, mas ela estará lá conosco também, e a vida do discípulo se vive em comunidade, com todos os nossos defeitos, com todas as nossas virtudes e valores, isso faz parte do ser humano, Deus nos ama também por isso. Vamos pedir a Maria que ela nos ajude a louvar a Deus por sua ação em nossa vida e a meditar sempre a ação de Deus para seguir os passos de Jesus!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Santa Mãe de Deus (Ano A) - 31/12/2019 (Terça-feira, missa às 19h).
Família: onde se aprende o respeito, o amor e o perdão
29/12/2019
No dia de hoje, relembramos a Sagrada Família de Jesus, Maria e José. E cabe começarmos falando que São José não tinha mais do que 15 ou 16 anos quando aconteceram os fatos narrados no Evangelho [Mt 2, 13-15.19-23]. Maria não tinha mais do que 12 ou 13, que era a idade com a qual as mulheres casavam e logo tinham o primeiro filho. Primeiro, de um dia para o outro, José encontra sua mulher grávida sem ele ter feito nada que justificasse. José pensa: “o que eu vou fazer agora? Vou declarar ela ao público para que a matem a pedradas? Ou eu dou a carta de divórcio e ela pode se casar com quem ela quiser?”. Então o anjo de Deus, em sonho, vem e fala para ele: “calma, não tenha medo, pois isto é obra do Espírito de Deus. Acolha esta mulher como sua esposa e dê a esta criança a sua descendência. Você será como um pai para esta criança”. E José aceitou a vontade de Deus.
Veio o édito de Augusto, já nas últimas semanas desta gravidez e o casal teve que ir a Belém, a quilômetros de distância, indo pelas montanhas em uma grande caravana. Esta mulher chega a Belém e não consegue se hospedar em lugar algum e consegue dar à luz em um estábulo no meio de um campo, chegam os pastores – que não eram muito bem vistos naquela época – glorificando a Deus. Depois ainda chegam magos do oriente, que eram considerados meio “bruxos”.
E José agora precisava criar esta criança e começa a procurar o que fazer. Ele era carpinteiro, profissão que havia aprendido com o pai. Assim como Jesus veio a aprender com São José. E, em uma bela noite, outro sonho aconteceu. “Fuja no meio da noite pois estão querendo matar o menino”. É muito significativa esta imagem de pegar o menino e a mãe e fugir para o Egito. Imaginem nós que temos pesadelos à noite e que, por vezes, acordamos tremendo. Imagine como se sentiu este rapaz, que acorda Maria, coloca o menino no lombo de um jumentinho, junta os poucos itens que possui e, durante a noite, rumam em fuga. Viajar à noite era um perigo, uma loucura. EM uma noite sem lua, isto se tornava ainda pior.
Quando os magos vieram, seguindo a luz da estrela e a ciência que eles tinham, eles estavam procurando Deus. Porque Deus se deixa encontrar. Todos os povos adoravam divindades porque Deus deixa atrás de si um rastro para que nós possamos encontrá-lo. Para que conheçamos o verdadeiro Deus, precisamos ouvir a Sua Palavra. Mas eles chegam em Jerusalém e a estrela desaparece. Jerusalém, que deveria ser a cidade da luz, a cidade que ilumina os povos, se tornou lugar das trevas. Porém, nem as trevas deste mundo conseguem esconder a Palavra de Deus. E então os padres do templo, sacerdotes, teólogos vão falar para estes magos que a resposta está em Belém, pois a Palavra diz: “e tu, Belém, não és a menor das terras de Judá; de ti nascerá o Messias”. Então a Palavra ilumina. Eles saem daquela cidade de trevas e encontram a estrela de novo e a seguem, encontrando Maria, José e o menino e, em sonho, são advertidos pelo anjo que não voltem para a cidade das trevas. Lá só existe quem esteja maquinando a morte.
E, de fato, quando Herodes percebeu que os magos haviam ido embora e “passado a perna nele”, pediu para matarem todas as crianças que tinham menos de 2 anos. Herodes já havia mandado matar uma esposa e quatro filhos que ele havia suspeitado que planejavam dar um golpe nele. Ele morria de medo de perder o governo. Este é o poder das trevas.
É interessante ver que os caminhos de Deus são bem estranhos. Deus não dá uma ordem para os anjos Dele para que matem estes vilões. Deus não faz isso. Deus dá um sonho para São José. “Levanta e foge”. Quantas vezes em nossa vida nós não tivemos sonhos que mudaram o nosso caminho? E a gente sabe que aquele sonho está falando alguma coisa muito profunda para a gente. Por quê? Porque Deus passa no meio das panelas de nossa casa, como dizia Santa Teresa d’Ávila, a quem Santa Teresinha tinha grande devoção. E Deus também passa no meio de nossas folhas no escritório. Deus passa em nossas ferramentas na oficina. Deus passa no meio das nossas coisas, na nossa vida de todo dia. E é capaz de mudar a nossa vida. E nós devemos acreditar nisto.
Então São José pega esta criança e a mãe e passa a noite viajando, atravessando a fronteira com o Egito, onde hoje é a faixa de Gaza, cenário de vários problemas atualmente. Mas eles estavam no Egito e Herodes não poderia fazer mais nada com a criança. Agora pensavam na dificuldade que foi e no que fariam para sua subsistência. E, assim, São José acreditou na Palavra de Deus e puderam viver em paz. Puderam educar este filho. Nós sabemos que quando Jesus completou 12 anos, eles realizaram esta peregrinação para Jerusalém, o que mostra que, quando José morre, Jesus já era maior de idade, com 12 anos. Podia receber herança e testemunhar em tribunal. E se o pai morresse, a mãe se tornava propriedade do filho.
Nós não podemos querer comparar as nossas famílias com a família de Nazaré. Nós temos uma imagem romântica de família, que nasceu depois de 1850, com o chamado puritanismo Vitoriano, da rainha Vitória, na Inglaterra. É o que chamamos de família tradicional: papai, mamãe e filhos. Mas também temos situações em que temos os filhos da primeira união, da segunda união, da terceira união. A realidade atual é essa. E é para essa realidade que nós temos que dar a resposta.
Seja qual for a circunstância, quem vai nos iluminar muito sobre a dinâmica que deve haver dentro da família é essa leitura que nós fizemos de São Paulo [Cl 3,12-21]. Nós, às vezes, chamamos São Paulo de misógino, mas isso não é verdade: São Paulo é um dos homens que mais defende as mulheres. “Revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente”. Nas nossas famílias, estejam elas como estiverem, esses valores aqui nós temos que cultivar: misericórdia; bondade: será que nós somos bons uns com os outros? Dentro da família, nós somos bons uns com os outros? Ou nós só queremos e exigimos?; humildade: ‘ah, eu não dou meu braço a torcer, eu tenho que ter a última palavra custe o que custar’. Nós temos que saber escutar uns aos outros, saber nos confrontar com respeito; mansidão – a mansidão é uma forma de exercer o poder, Jesus é manso e os mansos possuirão a terra.
Poder é serviço. Você está disposto a ser um servo dentro da sua família? Servo e humilde não significa ser bobo, viu? Muita gente pensa que ser manso e humilde é ser bobo, mas não é: é servir! E como é que a gente serve, por exemplo, aos filhos? É fazer tudo o que os filhos querem? Não! Pai e mãe não pode ser amiguinho de filho. Se pai e mãe é amiguinho de filho, estraga os filhos. Pai e mãe têm que ser quem dá regras, limites e orientações: isso é ser pai e mãe. É mais fácil ser amiguinho, deixa fazer o que quer e aí cresce e se depara com muitas dificuldades na vida. Lembrem-se sempre disso.
São Paulo ainda diz “perdoai-vos”. E a família tem que ser lugar de perdão, por quê? Qual de nós é perfeito? Qual de nós não erra? Qual de nós não tem alguma coisa lá no armário? Por que eu tenho que exigir que a outra pessoa seja perfeita ou, pior ainda, que a pessoa mude do dia para a noite se eu levo 20 anos para mudar uma coisinha de nada e, às vezes, nem consigo? É complicado, não é? Perdão é recordar que eu sou limitado e que o outro é limitado também. Mas se tem humildade, se tem paciência, a gente consegue fazer um caminho juntos. Sobretudo, família é lugar de amor. E deixa-me lembrar que amor não é moleza, amor verdadeiro é exigente e nos ajuda a crescer.
Esses valores foram vividos na família de Nazaré nos modelos absolutos daquele tempo: quando mulher e filho eram propriedade do marido, quando o marido podia vender o filho de menos de 12 anos como escravo para pagar as dívidas, quando a mulher passava de propriedade do pai para o marido e, se ficasse viúva, virava propriedade do filho de 12 anos, se tinha um. Era um belo problema. Esse modelo de família hoje é impensável, mas era o modelo da família de Nazaré e eles conseguiram viver esses valores de São Paulo na família daquele jeito. Hoje nós somos desafiados a viver esses valores de São Paulo na família que nós temos porque é possível, sobretudo hoje, aprender a respeitar as pessoas.
A família tem que ser lugar do respeito. A gente assusta quase todos os dias com essa violência absurda contra as mulheres. Isso é resultado da falta de respeito dentro de casa, falta de dar valores para os filhos dentro de casa. Nos assustamos também com o pessoal que continua fazendo bullying e depois matando negros, gays, estrangeiros. Pergunte para os estrangeiros se é fácil viver aqui no Brasil. Nós somos extremamente preconceituosos e isso a gente aprende em casa. O que nós temos que fazer? Nos policiar muito e ensinar os nossos filhos a ter respeito pelos outros e pelas diferenças das pessoas. Não é porque a pessoa tem uma cor de pele diferente que ela tem que ser ridicularizada. Não é porque ela fala o português diferente porque veio do Haiti que eu tenho que achar que ela está vindo aqui roubar o emprego dos brasileiros. É possível que no Brasil ainda matem homossexuais a paulada no meio da rua? Só porque as pessoas são diferentes do que é considerado tradicional. Perguntem para uma criança gordinha o quanto ela sofre na escola. Isso é falta de respeito. E nós deixamos, por vezes, de ensinar para os nossos filhos o respeito às diferenças.
Eu lembro que meu pai falava: não pode rir de pessoas com defeito físico. Eu era pequeno, mas gravei isso. Mas não precisava meu pai falar isso pois está lá no Livro dos Provérbios. Tem uma passagem que diz “não coloque um bastão na frente de um cego” porque ele vai cair. A Bíblia já condenava qualquer tipo de discriminação das pessoas por defeito ou condições próprias.
Família é lugar de respeito, educação ao respeito. Mas aí vem a pergunta: a gente quer mesmo toda essa dor de cabeça? Porque dá dor de cabeça, não é fácil não. É mais fácil ser amiguinho e destruir os filhos. Sim, porque se você é amiguinho, eles vão ser destruídos mais tarde e você só vai ficar se lamentando pois, sem querer, você educou mal.
Olha a responsabilidade que nós temos: falar da Sagrada Família ainda é atual, não é ideia romântica de “Jesus, José e Maria, salva as famílias e a nossa também”. Na verdade, nós precisamos pedir: me ajude a ser um bom pai e uma boa mãe. E os filhos: me ajude a ser um bom filho, me ajude a escutar os meus pais. Esse é o caminho. O caminho de Deus é exigente, mas ele propicia que nos tornemos verdadeiros seres humanos. Caso contrário, vamos ser feito bichos que saem dando paulada nos outros no meio da rua, excluindo as pessoas, dizendo que determinada cor é de segunda classe ou aquela gente de não sei onde não presta. E isto é perigoso. Por isso, vamos pedir a Jesus, José e Maria que nos ajudem a crescer no amor, no respeito e no perdão.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Sagrada Família (Ano A) - 29/12/2019 (Domingo, missa às 18h30).
Deus se Revela entre os Últimos para Salvar a Todos
25/12/2019
O que tem de interessante neste texto do Evangelho? São João está nos dizendo que a revelação de Deus vem por Jesus. Jesus é a revelação do Pai. Deus ao longo da história falou para os seres humanos sobre muitos mortos, e os seres humanos intuíram muitas coisas, tanto que quase todos os povos adoravam deuses, porque intuíam uma coisa maior. Para o povo de Israel, Deus falou pelos patriarcas, pelos profetas, pelos escritores sagrados, pelos salmistas. Deus mostrou sua fidelidade, particularmente com esse povo, fez desse povo modelo, não que os outros povos não fossem importantes, mas fez desse povo modelo, porque Deus ama aquele povo, não porque ele era melhor, mas para que eles servissem como luz que guiaria os outros. Mas isso é sempre sombra: como nós podemos conhecer Deus? Nós, seres humanos, falamos de Deus sempre por analogia: "a luz brilha" e nós dizemos que Deus brilha, "o sol é quente" e nós dizemos que Deus é calor, "a vida floresce" e nós dizemos que Deus é a vida. Mas Deus lhe atingiu? Essa é a questão que São João coloca. Ninguém viu Deus. Existe uma frase, lá no livro do Êxodo, quando Moisés pede para Deus: “Deixa-me contemplar sua face", aí Deus fala para ele: "Eu vou passar diante de ti com todo meu esplendor, mas você vai ficar escondido na rocha". E diz que quando Deus passou, Ele colocou a mão na rocha, tampando a entrada da gruta onde estavam. E Deus disse: "Ninguém pode ver meu rosto e continuar vivo". Ninguém pode contemplar a intimidade de Deus. São João vai dizer: "um pode, que é aquele que é igual ao Pai, que vive na eternidade olhando para o rosto do Pai", por quê? Porque Ele é igual ao Pai. Deus fez tudo através Dele, Deus não fez nada sem Ele. Ele é a luz eterna de Deus. Este, a Palavra, que contempla o rosto do Pai, ou seja, que vê o que ninguém pode ver, que conhece realmente o Pai, desceu do céu e nos revelou quem é o Pai. Só Deus pode revelar quem é Deus. E "esse" é Jesus de Nazaré.
São João diz: "E nós vimos a sua glória, glória do filho unigênito do Pai, vindo da graça da verdade". Moisés nos deu a lei, que é uma sombra, mas a graça da verdade do rosto de Deus, só Jesus nos revela, porque Ele é a Palavra eterna que olha o rosto do Pai. Por isso nós não dizemos "Jesus é Deus", porque se não nós estamos dando qualidades para Deus, Deus é Jesus! Porque é Jesus que revela o Pai. As atitudes Dele são as atitudes do Pai, os sentimentos Dele são os sentimentos do Pai, aqueles que Jesus ama são aqueles que o Pai ama. Se nós queremos conhecer Deus, temos que olhar Jesus. Nós queremos imitar Deus? Imitemos Jesus. "Mas eu não sei a vontade de Deus", Jesus é a vontade do Pai, siga Jesus e você fará a vontade do Pai. E a Palavra eterna entrou na nossa história e, nesse momento, é o início da história. Deus olha o mundo, da eternidade, antes e depois para Deus é diferente de nós. Antes para Deus é o mais importante, não que precede no tempo. O tempo é uma criatura. Deus vive na eternidade, o princípio é o Verbo, é a Palavra, é Jesus.
E o que Deus nos revela no Natal? Simplicidade. Fragilidade. Humildade. Acolhida dos últimos da história. E a partir dele, o anúncio para todos: "Nasceu para vocês um salvador, que é o Cristo Senhor". Olha que coisa engraçada: nós podemos dizer que o mesmo anúncio foi feito para um outro homem? Esse anúncio também foi feito para o rei Herodes, o grande da Terra. "Nós viemos do Oriente para adorar o Rei que nasceu, nós vimos sua estrela". Herodes reúne todos os sacerdotes e doutores da lei e pergunta: "Onde vai nascer o Messias?" e eles respondem: "Em Belém de Judá". Herodes diz "Verdade? Manda me informar onde estará esse menino". A intenção real qual era? Matar. Que interessante, os grandes do mundo, aqueles que governam a vida e a morte das pessoas, diante do anúncio de Deus, optam pela morte. Os outros, os magos do Oriente, que eram amaldiçoados pelo povo de Israel, os pastores, que ninguém gostava daquela gente, assassinos, ladrões. Para aquela gente maldita, Deus anuncia a mesma coisa: "Nasceu para vocês o salvador, o rei, o Messias". Até para Augusto, o imperador, uma bruxa-profetisa pagã falou para o imperador Augusto: "Nasceu no Oriente, o Deus da paz". O que Augusto fez quando voltou para Roma? Construiu um altar para abates, chamado "o altar da paz", em homenagem ao Deus da Paz que nasceu no Oriente. Esse altar existe até hoje. Mas para esses pagãos, malditos pelo povo hebreu, para os pastores odiados, Deus fez o mesmo anúncio, e eles o que fizeram? Foram adorá-Lo. E conseguiram descobrir, num estábulo, um menino dormindo no cocho, a salvação de Deus.
São os pequenos, são os que estão jogados fora, inclusive por muitos de nós religiosos, que acreditam que Deus é salvação. E um Deus pequeno como este bebê recém-nascido! Nós temos que aprender que em um presépio não tem romance, nós temos mania de ver presépio como um romance: "é tão bonitinho, é tão lindinho". Mas você estava lá para ver como foi complicado? O estábulo no meio da noite, a mercê de bandidos, sozinhos, essa menina que está tendo seu primeiro filho, esse rapaz sem saber como iria ajudar a criar o filho. Só tem sofrimento, precariedade. Os "excluídos" sabem como foi o verdadeiro presépio. Uma vez uma pessoa da favela falou "Só canta samba sobre goteira de telhado de zinco quem nunca morou debaixo de uma goteira de telhado de zinco". Nós temos que sempre fazer um esforço muito grande para tirar essas cores românticas do presépio e da cruz, porque os dois são duas faces de uma mesma e única batalha: o amor sem limite de Deus, que acolhe desde baixo para que todos sejam acolhidos. Não é para excluir, mas sim para que todos sejam acolhidos. Temos que colocar isso na cabeça. As pessoas só não são excluídas, se você começa a salvação por baixo. Se você começar por cima, você exclui e Deus não faz isso. Deus acolhe a todos. Um lugar onde um pobre ou assassino entra, geralmente outras pessoas podem entrar. Onde a rainha da Inglaterra entra, muita gente no mundo não pode nem entrar. Não é? Por isso que Deus salva o mundo começando por baixo, para não excluir ninguém. Como é difícil para nós aceitar isso. Como é difícil entender as "loucuras" de Deus, mas as "loucuras" de Deus são mais sábias do que a nossa sabedoria.
Vamos pedir a Jesus, que contemplando a beleza do Natal, possamos também, tirar um pouco desse romantismo daquele momento e ir ao encontro das pessoas que podem ser os primeiros a chegarem lá, os pobres, aqueles que nós mesmos condenamos. Porque a partir dali, Deus vai salvar todos nós, mas é a partir do "lixo do mundo" e não do alto, tá certo?
Homilia: Pe. João Aroldo - Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Missa do Dia (Ano A) - 25/12/2019 (Quarta-feira, missa às 17h).
Deus nasce para iluminar todas as trevas
24/12/2019
O Natal é a festa da luz! Nós temos a tradição do Norte, onde a noite de Natal é a mais longa do ano. Estamos no hemisfério Sul, para nós é a noite mais curta... A luz de Deus chega primeiro para nós. Muito bem, tanta espera, o anúncio do Natal mostra tantas datas, séculos depois da criação do mundo – naquele tempo não conheciam astronomia ou o Big Bang que agora também já foi ultrapassado –, começam a dar datas depois do dilúvio, 1800 anos depois que Abraão saiu de Ur da Caldéia, o nosso pai na fé. Graças a fé de Abraão, nós somos um povo: povo hebreu, cristão e islâmico, nós três descendemos da fé de Abraão, esse homem que acreditou na promessa do Pai. Aproximadamente 1200 anos depois que Moisés saiu com o povo do Egito, 1000 anos depois do reino de Davi começa a chegar mais perto, as várias coordenadas daquele ano, o ano das Olimpíadas, o número do ano da fundação de Roma e o ano de reinado do Imperador, tudo isso para dizer o que? Que Jesus não é uma história da carochinha, não é invenção, não é mito!
Jesus é Deus que se fez um de nós, na nossa carne, no nosso tempo, assumiu a nossa vida, experimentou o que é ser humano, do nascimento até a morte, viveu cada instante da nossa vida, tudo, e o fez de um modo muito esquisito. Do Deus do céu e da terra, o que nós esperamos? Que nasça em um palácio? No maior palácio da Terra? Afinal ele mantém o universo no sopro da sua boca, que maior dignidade poderíamos dar para Deus? Um trono de ouro? Mas estes são os nossos pensamentos, mesquinhos, egoístas, orgulhosos. Deus não é nada disso, é tudo menos o que nós pensamos. Aquele que rege o céu e a terra vive na humildade, na total entrega de si, no esquecimento de si mesmo. E Ele nos revela isso em toda a sua vida. Primeiro, chama um povo que não valia nada. Pensem nos grandes impérios do passado, no Egito, na China, 3 mil anos de império, monumentos que sobrevivem depois de 5000 anos, o império de Alexandre, o Magno que dominou o mundo do Ocidente, mas vamos pensar também nos grandes impérios do Oriente, como a Rússia, o grande Império Romano e Deus escolheu um país pequeno no fim do mundo, menos ainda, nem mesmo o centro desse país, mas uma periferia abandonada na serra, com 50 metros de comprimento. Ele não foi falar com uma rainha, como merecia o Verbo eterno, que afinal de contas rege o universo. Deus foi dialogar com uma moça de doze anos, analfabeta, pobre, em uma sociedade que via a mulher como propriedade, primeiro do pai, e depois do marido. As mulheres não tinham voz no tribunal, carregavam o peso religioso da natureza, por causa de um fato biológico, a menstruação. Deus não foi até a mulher de Augusto, ou Quirino como fala no Evangelho, mas a essa menina pobre, que não fez nenhum estardalhaço, apenas silêncio, uma conversa que talvez tenha demorado, quem sabe, segundos, minutos? Mas, para Deus, aquilo era a eternidade, Deus ficou esperando o sim daquela moça. Alguns escritos diziam que até o Espírito Santo ficou com a respiração suspensa, esperando o sim daquela menina. Depois essa menina e seu marido vão para outra cidadezinha perto de Jerusalém e não encontram lugar na cidade, não tinham lugar para eles no albergue, provavelmente tinha muita gente e as pessoas que sobram hoje e ontem são jogadas para fora, chamamos hoje de periferias, se arranjam por aí... José tem que sair do centro de Belém e encontram uma gruta, um lugar onde se abrigavam animais. Temos que pensar que, no meio da noite, na escuridão total, que nos paralisa, ali quem sabe em quais condições, essa mulher está para dar à luz ao Senhor do Céu e da Terra. De fato, nós e nossa história de vida são trevas. Se olharmos o coração humano encontramos orgulho, egoísmo, maldade. Se escavarmos nosso coração com sinceridade, vamos achar essas trevas e são densas. Mas Deus não tem medo das trevas, Ele vem ser luz para nossas trevas, por isso escolhe as trevas da periferia do mundo, lá onde ninguém quer ir. A coisa mais engraçada é que as primeiras pessoas que ouvem o anúncio do nascimento de Jesus são os pastores que estão dormindo com o rebanho, imagine se aquele lugar já era escuro, imagina o que é estar nas colinas, dormindo a noite, cuidando das ovelhas. Mas tem uma escuridão pior, que é a da vida daqueles pastores, eram pessoas temidas, ladrões, rudes, meio bandidos, assassinos, resto do mundo, gentalha que não valia nada, um terror. Diziam que eles, quando se manifestasse a Glória de Deus, seriam pulverizados pelo esplendor da glória de Deus, castigados por seus crimes. É interessante prestar atenção ao que o Evangelho diz: “Os anjos se manifestaram, vão até lá! Glória a Deus nas alturas”, eles morreram! Temos que pensar no terror desses homens quando viram a Glória de Deus, os sacerdotes amaldiçoavam essa gente há séculos, e eles acreditavam que eram malditos. De repente aparece Deus, eles pensam que acabou, que estavam fritos. Que anúncio mais absurdo, “Nasceu para vocês o Salvador” – para vocês, os malditos da história, condenados pelos bons religiosos, vistos como restos humano, gente que não vale nada – para vocês, nasceu o Salvador, pois é lá, no meio das trevas, que a luz brilha mais forte. As pessoas que estão completamente desorientadas, sabem para onde ir quando uma luz se acende na escuridão. Esses homens, sabem lá com o que na cabeça vão atrás desse sinal, uma criança em uma manjedoura, envolvida em panos pobres, não mantos de reis, panos que uma mulher pobre arrumou para seu filho, lá na escuridão. Lá está o Salvador e os anjos dizem: “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens que Ele ama’’. Deus não quer a perdição de ninguém, Deus ama aqueles homens. “Não tem que ter medo”, os anjos disseram para aqueles homens, e dizem para cada um de nós também: “Não tenham medo!” Não se deixem ser enganados! Nem pelos padres, nem por ideologias políticas e nem pelas conversas moles de mamães e vovós, Deus vos ama! E ama a cada um de nós, com nome e sobrenome.
Quantas vezes estivemos perto de uma criança recém-nascida, e não conseguimos sentir medo e nem raiva. Diante de um recém-nascido, estamos completamento desarmados, como a criança, que precisa de nós e dos nossos cuidados. Esse é o nosso Deus. Não devemos ter medo de um Deus assim, e assim deixo imediatamente de ter medo de mim mesmo porque Deus me ama, Ele conhece meu coração, minhas misérias e as minhas trevas e Ele me ama por tudo isso, e quer ser luz na minha vida. Eu perco o medo de Deus, perco o medo de mim mesmo, mas também perco o medo do outro, então o outro pode ser meu irmão e minha irmã, pode acreditar de novo no ser humano, pois Deus é luz de vida, de esperança e salvação. São Paulo nos diz na Segunda Leitura: “Então nós podemos fazer o bem”. Olha que interessante... O orgulho, o egoísmo, a maldade nos levam a praticar o mal e a injustiça, pois temos medo de Deus, de nós e dos outros. Deus descendo do céu como uma criança pequena faz com que possamos fazer o bem, pois todas as pessoas nas suas próprias trevas são iluminadas pelo amor de Deus, então é possível começar a construir paz e estar sereno com as pessoas, viver bem com as pessoas, Esse é anuncio de Natal: é possível viver na luz de Deus, é possível crer em um Deus bom, é possível ser feliz nessa terra. Feliz Natal!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Missa da Noite (Ano A) – 24/12/2019 (Terça-feira, missa às 20h).
Deus está conosco até o fim dos tempos
22/12/2019
A Primeira Leitura [Is 7, 10-14] se passa, mais ou menos, no ano 700 antes de Cristo. O rei de Israel era o rei Acaz, um homem covarde, falso piedoso. Desceu o exército da Síria e fez um cerco em volta de Jerusalém. Nesses dias, Deus falou com o profeta Isaías: “vai lá e diz para o rei Acaz que o exército não vai entrar nessa cidade”.
O profeta foi, mas como esse rei era covarde, ele mandou para a embaixada, para o rei da Síria, uma grande quantia dinheiro, pagando um tributo para ver se o rei da Síria pegava o dinheiro e ia embora. O rei da Síria falou: “vou entrar na sua cidade do mesmo jeito”. O profeta ficou sabendo disso, foi na frente do rei e fez uma profecia. Mas aqui temos que abrir um parênteses, porque senão a gente não entende a profecia.
Eu já falei que Acaz era um falso piedoso. Mas por quê? Existia um rito no país, naquela região, em que eles ofereciam o filho primogênito para os deuses. De que jeito? Botavam fogo embaixo de um objeto de bronze, e quando o bronze estava vermelho, colocavam o primogênito e ofereciam o cheiro da carne para os deuses. Ou de um outro jeito: pegavam o bebê e levavam para perto das montanhas e, onde as pedras eram rachadas, eles enfiavam a cabeça da criança na pedra e matavam a criança, oferecendo-a para os deuses. E ele tinha feito isso: ofereceu o primogênito do rei.
Agora vocês imaginem: ele cercado pelo exército, já tinha mandado um tributo e o inimigo não tinha aceitado. Um rei covarde, sem herdeiros, que está perdido. Aí o profeta veio: “Deus não falou para você que o exército não vai entrar nessa cidade?”. Então ele desafia o rei: “pede um sinal do alto do céu, ou do fundo do inferno, para acreditar no que o Senhor falou. Pede um sinal!”. Então o falso piedoso disse: “eu não vou tentar o Senhor”. E o profeta: “pois então eu vou te dar o sinal”. E desmascara o rei.
Ele tinha matado o primogênito, o herdeiro do trono. “Pois fique sabendo que a jovem, a rainha, vai dar à luz um filho, e ele vai ser o sinal de que Deus está conosco. Deus está nessa cidade, e a Palavra é Emanuel. Deus conosco, Emanuel”.
Qual o problema dessa profecia? O problema é que se nove meses depois não nasce a criança, a palavra do profeta é falsa. E havia uma segunda profecia embutida: ‘Deus está conosco, os inimigos não entrarão nessa cidade’. O exército faz as trincheiras em volta de Jerusalém. Os historiadores e os arqueólogos não conseguem explicar até hoje. E o que se sabe é que, durante a noite, o exército levantou acampamento e foi embora, sumiu. Voltaram para a Síria e não retornaram mais. A profecia era: eles não vão pôr o pé nessa cidade. E nove meses depois nasce o filho do rei, o Ezequias, filho dele, que foi um rei muito piedoso, muito religioso, muito verdadeiro. Então, duas vezes a profecia de Isaías foi confirmada com sinais realmente potentes.
Então, aquilo que era uma maldição que o profeta Isaías falou, quando eles viram que se cumpriu tudo, aquilo começou a ser interpretado como uma bênção. E, assim, ela foi transmitida para nós nas escrituras – como uma bênção: Deus está conosco. Só que Deus não é escravo. Anos depois, o povo de Israel não se converteu, continuou na bagunça. E achavam que, porque lá atrás Deus protegeu aquela cidade, nada aconteceria. E faziam o que bem queriam, se afundaram na injustiça.
E depois veio o profeta Jeremias que vai dizer: “não vai sobrar pedra sobre pedra nesse lugar, tudo vai ser destruído porque vocês não reconheceram Deus”. A maior crise de fé do povo de Israel. Foi terrível. Porque não se converteram. A mesma coisa nós vamos ver quando Jesus, lá do Monte das Oliveiras, olha para a cidade. Dá para ver a cidade de Jerusalém toda. E chora sobre Jerusalém. “Deus te visitou e você não reconheceu. Você vai ser destruída.”
Quarenta anos depois da morte e ressurreição de Jesus, Jerusalém foi destruída pelas tropas do general Tito. Cem anos depois da morte e ressurreição de Jesus, o imperador Adriano acabou com tudo. Terrível. Deus protegeu aquela gente e eles não mudaram de vida. Continuaram praticando a injustiça. Deus nos dá muitas graças. Graça em cima de graça, esperando, com muita paciência, que nós tomemos o caminho certo. A gente tem que pedir realmente um coração que saiba reconhecer os símbolos de Deus.
Depois vamos para São José. No tempo de São José, os hebreus tinham um costume: eles se casavam e só um ano depois iam viver juntos. Durante esse ano, viviam com os pais e não tinham contato físico. Se a moça tivesse um namoro com outro, ela era apedrejada em praça pública até a morte. Onde é que a gente tem uma passagem dessa no Evangelho? A adúltera de Jerusalém. Aquela menina tinha 12 anos. Maria tinha 12 anos quando ficou grávida. As mulheres casavam-se com 12 anos. São José não tinha mais que 16. São José, num belo dia, nesse período de um ano, encontra Maria grávida e diz: “o filho não é meu”. Só que São José, Maria e um grande grupo dos pobres daquele tempo, tinham perdido a esperança de que os poderes religiosos do templo, ou dos reis de Israel, fossem salvar o povo. Perderam a esperança em um governo que faz justiça que não é justiça. E nos perguntamos: onde está a fé e a esperança do povo? Na honestidade do povo.
Se os governantes são corruptos, o povo tem que ser honesto. Não se pode renunciar à honestidade. Só desse jeito que nós vamos mudar algo. Assim pensavam os pobres de Javé, que é o movimento religioso do qual Maria e José faziam parte. Eles acreditavam que sendo pessoas religiosas e honestas na religião, eles iriam encontrar a salvação de Deus. Eram pessoas boas que esperavam só da graça de Deus.
Então São José, guiado por essa espiritualidade, teria que denunciar Maria. Mas isso seria morte. Então decide fazer uma carta de divórcio. Ele estava pensando nisso quando o anjo apareceu em sonho e disse: “não temas receber tua mulher como esposa. O que foi feito nela é obra do Espírito. Você vai dar nome para o menino”. Por quê? O pai da criança era quem transmitia a descendência. José era descendente de Davi. É descendente colateral, mas é descendente de Davi. Então, ele dando nome para Jesus, faz dele legalmente descendente de Davi.
Maria era hebreia. É hebreu todo aquele que nasce de mãe hebreia. Então Jesus é judeu porque nasceu de uma mulher judia, e é descendente de Davi porque quem deu nome para ele foi São José, o que permite passar a descendência para o filho. E São José acreditou que Deus está conosco. A esperança do povo, a promessa que Deus fez lá atrás, está acontecendo. Deus está no nosso meio, nessa criança. Deus está no nosso meio, no deserto. Deus está no nosso meio quando Ele nos ensina andando pela Palestina. Deus está no nosso meio quando morre crucificado. Deus permanece no nosso meio até o fim dos tempos.
O Evangelho de São Mateus [Mt 1,18-24] termina exatamente com essa frase: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim dos tempos”. Deus está conosco. O que lá no passado foi uma bronca para o rei, que logo depois apareceu como uma bênção, foi bênção e realização em Jesus. É bênção e realização na nossa vida hoje, e será também no último dia. Essa é a espera do Natal, é a nossa fé.
Deus está conosco. Deus não nos abandonará, apesar de todas as dificuldades e das revezes da história. Deus não nos abandona se nós somos fiéis. Mesmo se todos os governantes fossem corruptos, o povo tem que ser honesto. É o único jeito de, um dia, termos gente honesta: se nós nos mantermos fiéis à honestidade. Como cristãos, se nós perseverarmos na fé. Deus está conosco e, mesmo nas dificuldades mais absurdas, creia na presença Dele.
E se vier a morte? Nós cremos na ressurreição. A morte foi vencida pela vida. Para o cristão que tem fé, não existe derrota, nem a morte, nem o pecado porque Deus é perdão. Não existe derrota! A última palavra é uma palavra de misericórdia e Salvação, e essa palavra é Jesus Cristo.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo do Advento (Ano A) – 22/12/2019 (Domingo, missa das 18h30).
Mais que palavras, ações!
15/12/2019
João Batista tinha uma missão: anunciar e preparar o povo para a vinda do Senhor. Fazia mais de 600 anos que o povo de Israel não tinha um profeta; e, de repente, aparecem dois: João Batista e Jesus – que, para o povo, também era um profeta. Dois homens potentes! João Batista ficava nas margens do Rio Jordão, vivendo na austeridade dos profetas do Antigo Testamento, especialmente de Elias, o maior dos profetas. Ele vestia roupas de couro de camelo, comia insetos do deserto e mel silvestre, ou seja, uma vida muito rude, muito áspera. E ele anunciava a imediata vinda de Deus: "Preparem-se! Convertam-se! Mudem de vida! Porque já está às portas, o Messias vai limpar toda esta sujeira".
A imagem do Messias de João Batista é de alguém intervencionista – Ele fará, Ele irá arrancar tudo e jogar fora; é uma imagem muito forte. Quando João Batista é preso, Jesus inicia Seu ministério, que é diferente do de João. Jesus também chama as pessoas à conversão, só que Ele não fica parado na beira do rio. Jesus vai ao encontro das pessoas. E olha que engraçado: Ele não só chama as pessoas à conversão como se aproxima dos pecadores. João Batista chamava as pessoas à conversão; Jesus vai até os pecadores, as pessoas que o povo de Israel tinha como lixo. Jesus vai, itinerante, de cidade em cidade. E há ainda outra diferença: Jesus é um grande taumaturgo, uma pessoa capaz de fazer milagres. João Batista não fez nenhum milagre, Jesus fez muitos!
Na prisão, João começa a ouvir falar de Jesus. E se pergunta: "Que Messias é este? Eu pensei que Ele viria para limpar esta sujeira toda... Será que é Ele mesmo?". João, então, manda seus discípulos até Jesus, e olha o que Ele diz: "Os mudos falam, os cegos veem, os coxos andam, os mortos ressuscitam e, aos pobres, é anunciado o Reino de Deus..."; e esta frase enigmática: "Feliz aquele que não se escandaliza de mim". O que isso quer dizer? "Eu sou o Messias. Não sou do jeito que você esperava, mas feliz de você se aceitar este modo de ser". Jesus faz um desafio para João Batista! Só que nós não sabemos se ele chegou a receber esta resposta que Jesus mandou por seus discípulos, porque, logo depois, o Evangelho conta a morte de João Batista...
Jesus, em Sua ação, não faz simples milagres. Os milagres de Jesus são cheios de significado para nós até hoje! Em um deles, Jesus cura uma idosa que, há 18 anos, vivia curvada. Ele estava na sinagoga, a igreja dos judeus; os homens ficavam no corpo da igreja e as mulheres, separadas, em outro ambiente. Por quê? Porque as mulheres eram consideradas impuras por causa da menstruação. E são até hoje. Para uma mulher ofender um hebreu, basta tocá-lo. Ele ficará furioso, porque acha que a mulher transmite a impureza para ele. Esta senhora estava lá na sinagoga, sofrendo com aquele peso insuportável já há 18 anos. Jesus traz a mulher para o meio, impõe-lhe as mãos, e ela fica curada! Será que nós também não temos nossas corcundas religiosas? Temos que nos perguntar isso pois, muitas vezes, a religião nos impõe coisas que não são de Deus. Ao curar aquela mulher no meio da sinagoga, Jesus estava dizendo: "Esta religião de vocês não é de Deus! Vocês oprimem as pessoas, colocam-nas sob pesos insuportáveis". Uma religião que coloca pesos insuportáveis nas costas dos outros não é de Deus, porque Deus quer que as pessoas sejam livres.
Jesus também cura os cegos. A cegueira não está só nos olhos, existem muitas cegueiras. Hoje, vivemos um tempo cheio de notícias falsas – fake news! Isso faz com que nos tornemos cegos, pois não sabemos mais onde está a verdade, não dá para acreditar em mais nada... Ficamos completamente perdidos, sem guia. Nosso guia tem que ser sempre Jesus, e o que Ele nos diz é: escute o outro, quem está perto de você; ame as pessoas; não escute notícias de ódio; não se deixe enganar; olhe à sua volta, abra os olhos, veja o que está acontecendo, não vá atrás apenas do que lhe dizem... Jesus também cura os mudos, e é interessante que, depois de curar um surdo-mudo, ele diz àquele homem: "Não entre na cidade, vá para casa por outro caminho". Por quê? Geralmente, o aglomerado é um lugar de muita falação, opiniões tortas, difamações, fofocas. Jesus diz para ele: "Deixe isso de lado, pare de escutar essas bobagens. Volte para casa por outro caminho. Não dê ouvidos a tantas opiniões loucas".
Ouçamos o Evangelho! O Evangelho do respeito, da acolhida, o Evangelho que não faz distinção de pessoas, que acolhe os pecadores. Olha que engraçado, nós tínhamos que pensar muito nisto: João Batista acolhe os pecadores para a conversão; Jesus vai para o meio dos pecadores. Que interessante! É muito diferente. Nós, pessoalmente e como comunidade, acolhemos os pecadores? Nós acolhemos os pobres? Acolhemos aqueles que são chamados de lixo, de vagabundos? Para Jesus, eles são iguais a nós. E mais: Deus tem uma preferência por eles! Isso dói; e nos desmascara. Mas é esse o caminho da salvação, da cura da nossa vida, do início do Reino do Céu. Este é o caminho: nos aproximarmos do outro, respeitar o outro. É fácil um Messias que vem, arranca o mal pela raiz e joga fora; podemos dizer que o Messias de João Batista era fácil demais... Jesus exige empenho, empenho de cada pessoa – é por isso que Ele chama os apóstolos um a um, nome por nome. Jesus chama a cada um de nós pelo nome para podermos seguir os Seus passos. E do mesmo jeito que Ele nos chama, Ele chama a todos pelo nome, todos.
Descobrir a dignidade e o respeito pelas pessoas é um caminho que exige empenho, exige trabalhando contínuo. Nós não somos robôs, computadores, que basta apertar um botão para mudarem de ação. Se não tivermos disposição e constância, não teremos as mesmas atitudes. Conversão é dia após dia. É esse o caminho que Jesus nos indica. Não um Messias intervencionista, não um salvador da pátria, não um salvador da religião.
Viver o caminho de Jesus todos os dias: esse é o Reino do Céu, esse é o nosso caminho.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo do Advento (Ano A) – 15/12/2019 (Domingo, missa das 10h).
Deus olhou para a humildade de Sua serva
08/12/2019
Celebramos hoje a Solenidade da Imaculada Conceição! E o que significa "Imaculada Conceição"? Significa "concebida sem pecado" – o pecado em que nós nascemos. Nós somos gerados dentro dele – não por culpa própria; culpa própria só quando cometemos um pecado por vontade nossa. Nós nascemos dentro de um mundo que já tem uma mentalidade pervertida. Por exemplo, você já pensou em quanto dinheiro nós gastamos no nascimento de uma criança? E precisa mesmo de tudo isso? Roupa de tal marca, sapato de outra... Isso sem contar a mentalidade torta de que só se pode ter um ou dois filhos, porque "filho é caro". Antes, quando a mulher ficava grávida, nós a felicitávamos pela vinda de mais um filho; hoje, muitas mulheres grávidas ouvem: "Vai continuar com a gravidez ou não?". É uma pergunta diabólica! Isso é para vermos a mentalidade de morte e de pecado que há no mundo de hoje... Nós nascemos em uma sociedade cheia de ódio, de raiva, de exploração, divisões... Este mundo está todo torto! E nós somos gerados dentro deste mundo.
Adão e Eva não são pessoas reais; os 11 primeiros capítulos do livro da Gênesis são mitos, que falam profundamente da realidade humana, mais profundamente do que um nome ou número na carteira de identidade. Eva somos todos nós; Adão somos todos nós. Todos nós que somos amados por Deus, que somos chamados a viver no Paraíso e que, por culpa nossa, queremos ser iguais a Deus: donos do bem e do mal, capazes de dar vida e morte para os outros – olha que coisa horrorosa! Esse é o pecado das origens, esse mal que nos enrola, como enrolou aquela menina. Eva não era mulher feita, era uma criança. Deus disse: "Crescei", pois ela era uma criança, e foi literalmente enrolada pelo inimigo. Maldade; aproveitar-se da inocência, da ingenuidade. Quanto isso não fala de nós, não é? Quando falamos mal dos outros, quando damos nossas opiniões sobre os outros... Nós, às vezes, estamos usando da ingenuidade do outro, da ignorância do outro; nós estamos sendo exatamente como o inimigo! Também quando temos medo de Deus – "Será que tem realmente alguma coisa depois da morte?", "Será que Deus vai mandar todo mundo para o inferno?"... No fim das contas, colocamos em Deus uma imagem terrível, da qual nós temos medo. Deus viu que Adão e Eva O tinham desobedecido exatamente porque estavam com medo! "Eu ouvi os Teus passos no deserto e tive medo". Medo de Deus, desconfiar de Deus, achar que Deus está mentindo para nós: este é o pecado original.
Jesus, muitas vezes, no Evangelho nos fala: "Não tenham medo!". No Evangelho de João, Ele repete muitas vezes: "Tenham confiança!". Nós estamos no Tempo do Advento; o povo de Israel esperou 1800 anos pelo cumprimento da promessa: "Eu vou mandar o Salvador". E Deus mandou o Salvador, porque Deus não mente! Deus é fiel! São Paulo vai dizer: "Se nós somos infiéis, Deus permanece fiel, porque Ele não pode negar a si mesmo". Deus é bondade e misericórdia, e a misericórdia de Deus é mais justa do que a nossa justiça. É com a nossa mesquinhez, com nosso coração pequeno, com nossas vinganças que queremos condenar os outros, nos colocar no lugar de Deus. Por isso que, ainda no mito da criação, Deus diz a Adão: "Você é pó e para o pó vai voltar. Você não é dono da vida e da morte. Você não é Deus".
Outro dia, eu fiz a exumação de três parentes meus. Abriram um caixão e, no fundo, estava cheio de terra. O coveiro falou: "Padre, nós não colocamos terra aqui. O que é esta terra?". Somos nós. Nós somos terra! Nós não somos nada mais do que isso... E é exatamente olhando para este nada que somos, que teríamos que ser mais bondosos com os outros, mais justos, mais honestos, mais caridosos. Porque a mão que se estende pedindo um pedaço de pão para mim é exatamente igual à minha: terra pedindo um pedaço de pão para outro monte de terra. Nós teríamos que ter sempre viva em nossa cabeça essa humildade, e é essa humildade que brilha na Virgem Maria, na Imaculada Conceição.
Nós vivemos dando títulos para Nossa Senhora: rainha disso, rainha daquilo, manto coberto com diamantes, a coroa de Nossa Senhora Aparecida miniatura da coroa imperial que a princesa Isabel usaria se fosse imperatriz... E qual é a primeira joia da Virgem Maria? A humildade. "O Senhor olhou para a humildade de Sua serva". Deus é humilde; Maria vive e nos mostra a humildade de Deus. Jesus vai dizer: "Eu sou manso e humilde de coração". A humildade é característica de Deus. Humildade e transparência. Maria canta e louva a Deus pelo que Ele fez por misericórdia dela. ELE teve misericórdia, ELE olhou com bondade, ELE fez prodígios, ELE fez maravilhas... Desde a eternidade, Deus quis uma mãe que fosse digna do Seu Filho. O Seu Filho é manso e humilde; a mãe desse Filho, humilíssima Virgem Maria.
Vou contar uma história para vocês.... Havia uma menina de 16 anos, chamada Bernadete. Era uma menina pobre, que vivia num porão, em uma cidadezinha da França chamada Lurdes. Certo dia, no inverno, a mãe de Bernadete mandou que ela fosse buscar lenha perto do rio. Como tinha asma, não podia entrar na água; então foram, com ela, sua irmã e uma amiga. As duas outras, que não eram doentes, foram mais rápidas e atravessaram o rio. E Bernadete ficou por ali, perto de uma gruta onde jogavam e queimavam todo o lixo do hospital da cidade. De repente, Bernadete escutou um barulho forte de vento. Ela achou estranho, pois as árvores não estavam se mexendo... Ao ouvir novamente o barulho, ela voltou-se para a gruta. Lá dentro, viu que havia um buraco do tamanho de uma pessoa. Ela se aproximou e viu uma menina de 12 anos, vestida de branco, com uma faixa azul na cintura e duas rosas de ouro nos pés. Bernadete fez uma reverência e pegou o terço que trazia no bolso para começou a rezar, mas não conseguia iniciar sua oração. Até que a moça pegou seu terço e fez o sinal da cruz com a cruz do terço; então ela conseguiu rezar. Enquanto rezava o Pai-Nosso e as Ave-Marias, a moça ficava parada; quando dizia "Glória ao Pai", a moça fazia uma reverência – reverenciava a Santíssima Trindade. Quando Bernardete terminou de rezar, a moça perguntou: "Você não quer vir aqui nos próximos dias? Eu tenho algumas coisas para lhe dizer...". E Bernardete foi mais 15 vezes ao seu encontro. E essa moça nunca dizia o nome dela! Até que, um dia, finalmente, disse: eu sou a Imaculada Conceição. Bernadete foi correndo falar com o padre da cidade, que queria mesmo saber o nome dessa pessoa que aparecia para ela. Quando Bernadete disse "Imaculada Conceição", o padre tentou explicar o significado para ela. No fim da explicação, perguntou: "Você entendeu agora?", e ela respondeu que não. O padre então, falou: "Minha filha, nem os teólogos entendem... Este é um mistério de Deus".
Essa menina era Santa Bernadete, e a moça era Nossa Senhora, que aparecia para ela. Foram 15 aparições. Depois, só voltou a aparecer na hora de sua morte, aos 36 anos. Bernadete foi para o convento, tornou-se freira, e morreu de tuberculose óssea, que hoje chamamos de câncer nos ossos. O corpo de Santa Bernadete está intacto até hoje, incorrupto, é um mistério para a ciência. E Lurdes se tornou um lugar de peregrinação, com pessoas do mundo inteiro. A fonte que Nossa Senhora mandou Santa Bernadete cavar é lugar onde muitas pessoas doentes vão se banhar, e existem mais de 1200 relatos de cura. A Igreja, muito rigorosa, reconhece como milagre apenas 49 deles, mas as curas na gruta de Lurdes foram mais de mil!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Imaculada Conceição (Ano A) – 08/12/2019 (Domingo, missa das 10h).
Nós esperamos no Senhor: se Ele prometeu, Ele faz!
30/11/2019
Novamente, nós iniciamos um novo Ano Litúrgico. O Ano Litúrgico é levemente diferente do ano civil. O Ano Litúrgico começa com a preparação para o Natal e vai terminar no 34º domingo do Tempo Comum. Nós teremos a celebração do Natal, depois o breve Tempo Comum, três meses de Quaresma e Tempo da Páscoa e, depois, retomamos o Tempo Comum até o fim de novembro. Neste ano, quem vai nos guiar no seguimento de Jesus é São Mateus. No ano passado, foi São Lucas; até domingo passado, nós ouvimos o Evangelho de São Lucas. No Ano que vem, será o Evangelho de São Marcos. E São João é lido nas grandes solenidades e, especialmente, no ano de São Marcos.
E o que é Advento? Advento é a vinda. Na antiguidade, os pagãos celebravam o dia dos deuses: um dia de Júpiter, um dia de Vênus, um dia de Ísis... Cada dia desses era chamado de Advento do santo, do deus. Também o dia do aniversário do imperador era chamado o Advento do Imperador. E, ainda, quando o imperador visitava as cidades sem avisar – ele chegava com sua corte, chamava o chefe do lugar e fazia julgamentos. Esta ação dele era chamada de Apoteose, uma palavra grega que estamos acostumados a ouvir no Carnaval, que significa essa grande manifestação.
No mundo cristão, o Advento tem três propósitos. Primeiro, nós celebramos a fidelidade de Deus ao longo dos séculos. O povo de Deus esperou 1800 anos pelo cumprimento da promessa: "Deus vai mandar o Salvador". 1800 anos! Não dois dias, não dez anos. 1800 anos! Os tempos pertencem a Deus, não a nós. Deus faz o que Ele quer e leva o tempo que Ele quiser. Não somos nós que dizemos quando será, Deus faz no tempo Dele. Nós somos sombra, somos como um sonho da noite que passou... Deus tem o Seu tempo. E Ele é fiel! O que Deus promete, Deus faz! Ele mandou o Salvador – que não seguia as expectativas do povo. O povo queria um grande rei, um grande juiz, um grande sacerdote, que desse ao povo de Israel poder sobre todas as nações da terra, que reformasse o culto de Jerusalém e que exercesse a justiça. Só que Deus tinha outros planos na cabeça... A realeza de Deus é outra. Deus reina no presépio e na cruz; o poder de Deus é a misericórdia; e a bondade de Deus é a acolhida, começando de baixo. Deus não começa a salvar pelos grandes da Terra, mas nos porões da humanidade, os malditos da humanidade. Deus começa de baixo para salvar a todos!
Depois, nós celebramos Deus presente no meio de nós. Advento: veio, vem! Ele veio há 2 mil anos, mas está presente hoje em nossas vidas, na Eucaristia, na Palavra, nos pobres e sofredores e na comunidade que reza junta. Jesus quer que seus discípulos vivam em comunidade de fé. Uma pessoa que quer ser cristã mas não quer ir à igreja é como um Saci Pererê, falta-lhe uma perna. Jesus quer que nós estejamos em comunidade de irmãos e irmãs.
O Advento também é espera. Espera da última revelação de Deus. Nós ainda esperamos uma revelação – nós, os hebreus e os muçulmanos, as três religiões abraâmicas. Nós esperamos a última revelação de Deus, que virá no dia do juízo. E Deus vai cumprir a Sua promessa! Ele foi fiel ontem, é fiel hoje e será fiel sempre. Ele vai cumprir a Sua promessa! Ele vai ser Senhor do céu e da Terra! Ele vai transformar a realidade humana, a realidade de sofrimento, de dor, de morte, de luto... Vai transformar a nossa realidade em uma realidade de vida, e vida eterna! Essa é a promessa Dele. Prometeu que vai nos arrancar dos nossos túmulos. No dia do juízo, nós saberemos do fundo dos nossos túmulos, porque até os mortos ouvirão a voz de Deus e voltarão à vida. Como vai ser isso? Isso é problema de Deus. Mas que Ele fará, não há dúvidas.
Por isso, nos próximos dois domingos nós vamos ver o chamado pulsante de Deus à conversão. Vamos preparar os caminhos do Senhor, vamos endireitar os nossos caminhos, os nossos passos tortos, vamos fortalecer as nossas pernas para seguir os passos de Deus. E que Ele nos encontre fiéis quando voltar! A volta de Deus, o dia do julgamento, para Deus, é um momento só: é o dia da nossa morte e o dia do juízo universal. Para Deus, é um mesmo momento; para nós, existe um tempo. Então, enquanto estamos neste mundo, endireitemos os nossos passos para seguir os caminhos de Jesus.
E agora, um último ponto: o Ano Vocacional Diocesano. Não é do mundo inteiro. O nosso bispo, como apóstolo da Diocese de Santo André, convocou o Ano Vocacional. Nós vamos rezar, refletir, convocar nossos jovens para o sacerdócio. A nossa Diocese necessita de sacerdotes, necessita! Somos poucos padres, daqui a pouco teremos muitos padres idosos, e quem ficará no nosso lugar depois? Por que Deus chama e os jovens não respondem? Por que os que respondem não perseveram? Por que nós nos preocupamos pouco com as vocações? O que nós estamos fazendo para promover as vocações? Na nossa família, nós temos coragem de falar para nossos filhos: "Você já pensou em ser padre?"? Às vezes, Deus está chamando e nós somos os primeiros a colocar obstáculos, pedras no caminho das pessoas.
Então, este ano, nós vamos rezar para que aqui, em Santa Teresinha, dentre vossos filhos e netos, Deus suscite vocações. A comunidade cristã é responsável pelas vocações sacerdotais; se não rezamos, se não pedimos, se não ajudamos de algum modo, Deus não manda mais vocações. E aí, como fica a Eucaristia? Como fica o perdão dos pecados? Vamos rezar! Vamos pedir! Jovens, perguntem-se ao menos uma vez na vida: "Será que Deus me chama?". E tenha coragem: se Deus chama, Ele garante, Ele sustenta, Ele leva!
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 1º Domingo do Advento (Ano A) – 30/11/2019 (Sábado, Missa das 16h).
Permaneçam fazendo o bem
17/11/2019
Estamos no fim do Ano Litúrgico. Ele termina domingo que vem, com a Festa de Cristo Rei do Universo. Depois, começa o novo Ano Litúrgico, com o Tempo do Advento, a preparação para o Natal. Neste ano, nós fomos guiados por São Lucas; o ano que vem será São Mateus; depois, em 2021, será São Marcos; e em 2022 nós voltaremos para São Lucas. E São João? São João é lido nas grandes Solenidades e, especialmente, no ano em que lemos São Marcos, porque é um Evangelho mais curto. Assim, em três anos, se a pessoa vem à missa todo domingo, ela escuta 90% dos quatro Evangelhos. Isso não quer dizer que não precisamos ler o Evangelho em casa! Temos que ler sim, viu? Eu aconselho a começar pelo Evangelho de São Marcos, que é o mais curtinho – dá para ler em 2h, sabia? Depois de São Marcos, siga por Mateus, Lucas, João; depois, Atos dos Apóstolos, as cartas de São João e o Apocalipse. E, então, passe para São Paulo. É todo um caminho que dá para fazer lendo o Novo Testamento.
Voltando para a liturgia de hoje, nos dois últimos domingos do Tempo Comum nós falamos do fim do mundo. Semana passada, já começamos a falar, e hoje nós tratamos em cheio desse tema. Quantas vezes nós ouvimos a expressão "Isto parece o fim do mundo"? Na história, nada dura para sempre. No ano 586 a.C., o rei da Babilônia, Nabucodonosor, invadiu Israel e destruiu o templo de Jerusalém, que tinha sido construído pelo Rei Salomão. Aquilo colocou o povo em uma grande crise. Todas as seguranças do povo foram por água abaixo. Depois, o reino da Babilônia foi conquistado pelo reino Persa, do rei Dário, que mandou reconstruir o templo. Este templo durou até o ano 72 d.C., e Jesus profetizou sua destruição. No fim dos anos 60, começo dos anos 70, teve início uma revolta dos hebreus contra o domínio romano. Mas pense em um elefante e em uma barata; se a barata corre na frente do elefante, o que ele faz? Ele a esmaga! Foi exatamente o que o Império Romano fez, e matou toda a família sacerdotal, toda a descendência de Aarão. Muitos fariseus também foram mortos, mas sobraram muitos outros. Uma comunidade religiosa do deserto, chamada Qumran, foi totalmente dizimada. Nós temos histórias de atos heroicos nesse período... E, então, acabou-se o sacrifício no templo de Jerusalém, porque a família sacerdotal não existia mais. Para os hebreus, o sacerdócio não era transmitido como para nós, cristãos, com a imposição das mãos do bispo; para eles, a linha sacerdotal era transmitida de pai para filho. Logo, se você mata a família toda, acabou, não tem mais sacerdócio. E isso, para eles, foi o fim de um mundo! Eles nunca mais se recuperaram... Como se não bastasse, 40 anos depois, sob o poder do Imperador Adriano, começaram outra revolta! E o imperador não teve nenhuma piedade: "Destruam tudo!". A única coisa que sobrou do templo é o que, hoje, nós conhecemos como Muro das Lamentações. Depois, após o ano 600 d.C., os muçulmanos que conquistaram a Terra Santa construíram duas mesquitas em cima de onde era o templo.
Ou seja, nada permanece igual! Tudo muda, acaba. Os tempos mudam, as ideias mudam. Se olharmos um pouco mais para perto de nós, no fim dos anos 1700, a monarquia era modelo de governo no mundo. Mas alguns reis abusavam muito do poder, especialmente na França. E aí se deu a Revolução Francesa: os pobres, profissionais liberais e agentes do povo não aguentaram mais; em um acontecimento quase inédito, o rei e a rainha foram decapitados. Isso mudou o mundo! Era uma coisa que, antes, não dava nem para imaginar. Olhando ainda mais para perto de nós, depois da Revolução Francesa, esse mundo, que foi reorganizado ainda com o modelo velho, em novos reinos, veio a I Guerra Mundial e destruiu. Nós dizemos que ela acabou com o que chamamos de "antigo regime", que era o regime das monarquias. E vieram as novas repúblicas. A I Guerra Mundial foi algo tão absurdo para a cabeça do povo que as pessoas ficaram completamente perdidas. Foi nessa guerra que se usou pela primeira vez o avião para bombardear adversários. Com isso, até a guerra ficou diferente! Usaram também os primeiros tanques de guerra. Aquilo foi um absurdo, mexeu com a cabeça da Europa, mudou o mundo! Pouco tempo depois, as crises levaram à II Guerra Mundial, aos horrores do holocausto e da bomba atômica. De tudo isso, nasce uma consciência nova: a dos direitos humanos, com a ONU, que procura defender esses direitos.
Tudo isso é para vermos como as coisas mudam, como o mundo muda! A Igreja – que é guiada pelo Espírito Santo e por isso não morre –, também vai se atualizando com os tempos, senão ficaria obsoleta e não atingiria mais o coração de ninguém. Por quê? Cada tempo, cada cultura, cada lugar tem de receber o Evangelho, e eu não posso anunciar o Evangelho no século XXI como anunciava no século VI, nos anos 1000 ou nos anos 1950, com um padre que rezava a missa de costas para o povo e falando em uma língua que ninguém entendia! Não dá para ir contra o tempo. Nós temos que caminhar com os tempos. É a mesma Igreja de Jesus, que muda, ao longo dos tempos, para poder anunciar novamente o mesmo Evangelho. Por isso a Igreja não acaba! É o Espírito Santo que guia a Igreja nessas renovações. E uma grande mudança que tivemos foi o Concílio Vaticano II.
Ao longo dessas mudanças, muitos cristãos, seguidores de Jesus, morreram. Na Revolução Francesa, muitos cristãos foram guilhotinados pelo simples fato de serem cristãos. Conventos inteiros de freiras, de padres... Pais e mães de família foram levados para a guilhotina com julgamentos sumários, sem nenhuma justiça, simplesmente porque eram cristãos. Na Revolução Espanhola, no começo do século passado, milhares e milhares de cristãos, assim como você, que participa da igreja e vai à missa, foram queimados, metralhados. Nós temos milhares de mártires cristãos católicos da Revolução Espanhola! E quantos cristãos morreram – e morrem até hoje – por causa do Evangelho... Aí nós começamos a entender o que Jesus está dizendo: "Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos" (Lc 21, 16).
Nesses dois últimos anos, quem fala que temos que cuidar do direito dos pobres? Que temos que cuidar do direito dos pequenos? Quantas pessoas já não nos chamaram de comunistas... Isso não é comunismo, isso é o Evangelho! Atualmente, muita gente se acha no direito de matar, de envenenar os sofredores de rua... Que monstruosidade! Mas isso nasce da ideia de que "pobre é vagabundo", então "tem que matar". Isso é diabólico! Certas ideias não podem ser faladas, muito menos pela boca de alguém que tem alto cargo dentro do país. Porque você sempre vai encontrar loucos que vão matar os pobres. Como cristãos, nós não podemos dar ouvidos e justificar monstruosidades desse gênero, mesmo que sejamos perseguidos, mesmo que falem que somos de esquerda, que somos comunistas porque defendemos os pobres. Nós defendemos os pobres porque somos cristãos! Porque Deus disse: "O meu olhar está sobre os pobres". E eu quero estar onde os olhos de Deus estão! Podemos pensar que não, mas trazer 1 kg de arroz na missa para doar aos pobres é chamar o olhar de Deus para você. Você não tem ideia das bênçãos que Deus nos dá quando um pobre que recebe 1 kg de arroz diz: "Deus te abençoe"...
Essa é a ação cristã que caminha em meio às mudanças do mundo. O mundo muda; mas o amor e o serviço aos que sofrem, estes permanecem! Em alguns tempos, isso é mais compreendido; têm momentos em que precisamos ajudar menos, porque os pobres estão ganhando um pouquinho mais e estão conseguindo se virar. Em outros períodos, porém, temos que ajudar mais, porque a miséria está se agravando; e porque fazemos isso, muitas vezes somos perseguidos e mortos. Mas Jesus nos diz: "Perseverem fazendo o bem! Nisso está a vida, nisso está o Reino de Deus". Esse amor não acaba! Pode vir terremoto, guerra, o que for – isso sempre existiu e sempre existirá; faça e continue fazendo o bem. Esse é o caminho de Jesus, isso dura para além do fim do mundo.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 33º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 17/11/2019 (Domingo, missa das 10h).
Manter sempre viva a esperança da vida eterna
10/11/2019
O Evangelho de hoje nos fala sobre os saduceus. E eles eram um pessoal muito rico. Eles tinham bastante dinheiro. Só que eles não acreditavam na vida eterna. Eles achavam que a gente morria e virava pó, não havia mais nada. Então eles fizeram uma armadilha para pegar Jesus e de uma forma bem feia pois foi com uma espécie de piada. Mas Jesus, em sua sabedoria, mostrou que eles estavam bem errados, porque existe a vida eterna e a ressurreição dos mortos e, depois que a gente morre, viveremos todos juntos, perto de Deus, lá no céu.
Os saduceus eram ricos e ricos raramente são religiosos. E, se são religiosos, são extremamente rigoristas nas observâncias religiosas porque, no fim das contas, eles não podem deixar de comer pela consciência. Porque eles sabem que o dinheiro deles deveria, de algum modo, servir também para ajudar os outros. Quanto mais você tem, geralmente, menos você quer dividir. Estes eram os saduceus: não acreditavam na ressurreição dos mortos, eram riquíssimos, donos do poder em Jerusalém e, por mais absurdo que possa parecer, eram a família dos sumos-sacerdotes. Imagina que absurdo: o sumo-sacerdote, do templo de Jerusalém, não acreditava na ressurreição dos mortos. É como se o Papa não acreditasse na ressurreição dos mortos.
E, neste contexto, eles se sentem no direito de fazer estas piadas com Jesus. E dizem: afinal de contas, existe esta lei de Moisés que diz que se alguém é casado e não tem um filho homem e morre, o irmão dele tem que se casar com a viúva. E se ele tiver um filho homem com ela, o menino é considerado filho do primeiro. E isto por quê? Para ele receber a herança e o dinheiro ficar sempre dentro da mesma família. Era a chamada lei do levirato. Então ia passando de irmão para irmão e, por isso, eles fizeram essa piada... Por isso, perguntaram a Jesus deste caso em que a mulher se casou com os sete irmãos pois nenhum tinha filho com ela. E queriam saber se, quando eles falecessem e ela também, com quem ela seria casada na ressurreição. Primeiro, eles não acreditavam na ressurreição. Segundo, quando falavam disso, falavam da ressurreição como se fosse nesse mundo, com as leis deste mundo. E Jesus puxa o tapete: a ressurreição supera as leis biológicas. Essas leis não existem mais, nós não nos casamos e nem nos damos em casamento. Somos como os anjos de Deus, filhos de Deus. Nos reconhecemos, nos amamos, mas não somos mais como neste mundo.
E Jesus, no Evangelho de Mateus, vai dizer, nesta mesma passagem: “vocês erram muito”. Este pessoal, realmente, era terrível e será parte daqueles que condenarão Jesus à morte.
Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a ter sempre firme, em nosso coração, a fé na ressurreição dos mortos. Na vida plena em Deus que ocorre depois da morte. Porque aquele é o nosso destino. E, se aquele é o nosso destino, nós podemos gastar essa vida terrena fazemos o bem, melhorando este mundo. Porque lá está o nosso coração. Crer na vida eterna não é uma alienação. Ter o coração na vida eterna não é viver mentindo para nós mesmos. Crer na vida eterna é trabalhar e gastar a vida nesse mundo para fazer que ele seja mais parecido com a fraternidade do Reino de Deus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 32º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 10/11/2019 (Domingo, missa das 10h).
A misericórdia de Deus salva a todos
03/11/2019
O livro do Apocalipse de São João é um livro de encorajamento. Encorajamento para quem? Para os cristãos que estão sendo perseguidos. Ele foi escrito por volta do ano 100, e muitos cristãos já havia sido mortos e tinha uma perseguição terrível do Imperador daquele tempo. Então, João estava na ilha de Patmos e teve estas revelações de Jesus.
Todas as imagens que nós vemos no livro do Apocalipse têm sempre essa mensagem: o mundo pode perseguir, tudo pode parecer perdido, mas a última palavra pertence ao Cordeiro de Deus e àquele que está sentado no trono, que é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Então não tenham medo! Deus tem o controle da história. Nós podemos ser perseguidos agora, podemos ter medo, mas Deus é fiel. A última palavra é d’Ele.
Então, acontece essa visão e o anjo diz “vamos exterminar o mundo”, mas antes vamos marcar a fronte dos eleitos. A Primeira Leitura [Ap 7,2-4.9-14] fala 144 mil das 12 tribos de Israel – é o povo hebraico, o povo da antiga aliança. Na Antiguidade, os números eram muito estudados e até venerados como divindades. Temos dois números perfeitos 3 e 4, e os números que derivam deles. Três mais quatro é igual a sete: número perfeito. Três vezes quatro é doze: outro número perfeito. Doze vezes doze é igual cento e quarenta e quatro: outro número perfeito. Mil: outro número perfeito. Por isso, 144 mil é um número simbólico, que significa todos. É um número de totalidade, significa que todo o povo da antiga aliança será salvo por misericórdia de Deus, porque Deus é fiel e prometeu que iria salvar o povo da antiga aliança, o povo hebreu.
Mas logo depois, temos uma outra imagem, João vê uma multidão que ninguém pode contar – nem os anjos podem – uma multidão infinita de todas as raças, línguas e nações. Todos vestidos de brancos, todos carregam palmas, que é o significado da vitória. Um dos Anciãos pergunta a João: “quem são estes?”, e ele responde “são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro”. O sangue de Jesus nos purifica, o sangue de Jesus nos salva – este é o sentido de lavar as vestes no sangue do Cordeiro: Jesus é Salvação. Eles são os primeiros mártires, as pessoas que morreram e derramaram sangue por causa de Jesus, mas são todas as pessoas que fizeram o bem.
Será que nós também estamos entre esta multidão que não pode ser contada? Todos nós estamos lá. São Paulo nos diz que todos os batizados são santos. Olha que consolação Deus nos dá: ser salvos por misericórdia, porque Deus é bom. E alegria da salvação nos deve levar a viver isto o que Jesus nos ensinou no Evangelho. Jesus ele subiu a montanha e fez um longo sermão, o chamado Sermão da Montanha. Vocês se lembram de uma outra pessoa que subiu a montanha e trouxe algumas leis? Moisés. Pois então, Jesus é o novo Moisés que traz agora a lei do Pai, a lei da vida. Jesus estava para revelar o segredo do coração dele. Então, nós temos as bem-aventuranças, nós temos o mandamento do amor ao próximo, nós vamos ter o Pai Nosso neste sermão. Estes três capítulos do Evangelho de São Mateus (Mt 5-7) são a nova a lei, que supera a lei de Moisés, é a Lei do Reino. Então, Jesus nos ensina, nós batizados, a viver deste modo, na pobreza, nunca colocar no dinheiro a nossa esperança. “Bem-aventurados os pobres, porque deles é o Reino do Céus”, os pobres de espírito são todos os pobres, que não tem dinheiro, que passam fome e todos aqueles também que usam do que tem para o bem dos outros, estes são os pobres em espírito. Deles é o Reino dos Céus. No céu, não existe acúmulo, eu não posso acumular coisas para mim mesmo, cada um terá sua parte. “Bem-aventurados os aflitos”, quantas dificuldades neste mundo, quantas dores... Jesus nos convida a colocar nossa esperança n’Ele, porque nossas aflições têm o tempo que acaba: o tempo de Deus. “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” – possuir a terra, isso é poder, mas o poder no Reino de Deus é o contrário do deste mundo, o poder no reino de Deus é serviço, não é mandar nas outras pessoas, mas é servir. “Bem-aventurados os que lutam pela justiça” – é pela justiça que nós lutamos neste mundo, para construir a paz, nós construímos este mundo. Nós temos que construir a justiça e a paz aqui. E toda vez que fazemos isso, estamos plantando sementes do Reino de Deus em nosso meio, para as pessoas que estão ao nosso lado.
Hoje uma bem-aventurança que é muito importante, mas que para nós está sendo muito difícil: “Felizes os puros de coração, pois verão a Deus”. A pureza de coração é a capacidade de não ser enganado pelas mentiras do mundo. Hoje existem as mentiras do sucesso, do enriquecimento, da beleza… A pureza de coração é ter sempre diante dos olhos em Jesus e seu Evangelho, esta Palavra que estamos ouvindo hoje, e não deixarmos enganar por estas mentiras do mundo, porque se deixarmos nos enganar, nos desviamos do caminho, nós mentimos para nós mesmos, entramos por uma estrada que não é o caminho de Jesus.
Jesus nunca mente, quem procura viver os valores do Reino de Deus vai encontrar perseguição. Vai encontrar em casa, ou no trabalho, ou nos vizinhos. Por isso Jesus diz: perseverem, porque a última resposta é d’Ele. É na perseverança que vocês se salvarão. Por isso, não podemos ter medo de seguir o Evangelho, mesmo que custe caro – e, em alguns casos, isso pode custar a própria vida – mas Jesus nos garante um lugar na casa do Pai. Essa é a nossa esperança, lá está nosso coração. Podemos até arriscar a nossa vida aqui, porque a nossa esperança está em Jesus.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Todos os Santos (Ano C) – 03/11/2019 (Domingo, missa das 10h).
A morte não é a última palavra
02/11/2019
A morte sempre nos alcança: essa é a única certeza que temos. Os povos antigos, de três ou quatro mil anos atrás, acreditavam até que todos estavam mortos. Jesus, porém, pede para nós confiança: “eu vou para junto do Pai e vou preparar-vos um lugar. Depois eu voltarei e vos levarei comigo, para que vocês estejam onde estou: na minha glória, a glória que existe desde antes da criação do mundo”.
Então, por que a morte é um drama para o ser humano? No Gênesis, o que o maligno colocou no coração do ser humano? Qual foi o veneno? A desconfiança de Deus. Deus está dizendo para você a verdade. Mas a serpente disse: “no dia em que comeres dessa planta, seus olhos serão abertos e vocês serão como Deus”. Mas isto é mentira. E essa é a arma do maligno: o engano, a mentira e a desconfiança. Ele quer que tenhamos medo até de que Deus nos fale a verdade.
Jesus repete algumas vezes no Evangelho de João: “tenham confiança; não tenham medo, pois o medo é o inimigo”. Diante da morte, Jesus nos diz a mesma coisa: “não tenham medo, não é esta a última palavra da nossa vida”. A ressureição de Jesus, para nós, é garantida. E é, justamente, o que nos faz seguir adiante, na história, com esperança. No tempo de Jesus, existia um grupo poderoso que não acreditava em ressureição, não acreditava nos anjos, em nada. Este povo era os saduceus. Tentaram até fazer uma piada com Jesus. Disseram que uma viúva havia se casado com sete irmãos e perguntaram de quem ela seria esposa no céu. Jesus responde que eles estavam errados e que ela não seria de nenhum, pois no céu seremos como os anjos de Deus: não nos casaremos; no céu teremos a plena comunhão com Deus.
E a coisa mais assustadora era que estes homens – os saduceus – eram os sumos sacerdotes, e não acreditavam em nada. E quantas vezes ouvimos de cristãos católicos a dúvida se existe mesmo alguma coisa depois da morte, duvidando da própria fé! A nossa esperança está na ressureição de Jesus, uma promessa que já havia sido feita no Antigo Testamento. Deus disse através dos profetas: “meu povo, Eu vos tirarei dos vossos túmulos e, nesse dia, vocês vão saber que eu sou o Deus fiel, digo e faço”.
Deus faz a promessa porque Ele é fiel. Nós somos infiéis, duvidamos e temos medo. Mas devemos confiar, apostando na justiça, no direito e na fraternidade das pessoas. Se a gente não acredita na ressureição, esses valores não são nada. Se a gente morre e não tem mais nada, por que acreditar em Deus? Se a gente morre e não tem mais nada, não terei escrúpulo nenhum e eu farei para os outros tudo que eu quiser.
Jesus disse: “irmãos, fraternidade e solidariedade são sementes do Reino; nossa esperança está lá diante do Pai e nós compareceremos diante Dele”. Os judeus acreditam que vivemos apenas na memória e no coração daqueles que nos amavam depois que morremos. Os cristãos acreditam que a morte nos coloca diante de Deus. Não é a memória humana que garante nossa sobrevivência, mas sim o fato de estarmos na presença de Deus, que cuida de nós, nos incentiva, nos dá coragem.
Não vamos desistir! A morte não é a última palavra! A morte dói, mas a última palavra está na boca de Jesus Cristo, que é a ressurreição. Sendo assim, vamos pedir ao Senhor que aumente, a cada dia mais, a nossa fé.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Comemoração dos fiéis defuntos (Ano C) – 02/11/2019 (Sábado, missa das 16h).
O Espírito Santo habita no coração dos humildes
26/10/2019
Querido povo de Deus, de maneira especial, estes jovens que receberão o Sacramento da Crisma nesta Santa Missa. O Sacramento da Crisma é a unção do Espírito Santo. No Pentecostes, Deus nos deixou um grande sinal, para a Igreja se tornar viva, alegre. O Papa Francisco nos convida, em sua primeira carta, a evangelizarmos por meio da alegria; e, para isso, nada melhor do que os jovens. É próprio do jovem ser alegre. A Igreja precisa dos jovens! Jesus quer precisar da juventude, Jesus quer precisar do povo de Deus.
Sendo ungidos pelo Espírito Santo, vocês não devem agir como aquela história – vocês já ouviram? Certa vez, tinham muitos pombos em uma igreja. O padre, nervoso, foi falar com o bispo. E a resposta foi: "Você quer que eles vão embora? É só crismá-los!". Que triste conclusão: muitos jovens, depois de crismados, vão embora da igreja... O que deveria ser ao contrário! Porque um sacramento deve gerar vida pastoral; o jovem deve assumir o trabalho na igreja e no mundo, para ser luz. Não para ser uma luz arrogante – e aqui nós vamos entrando no tema da Liturgia da Palavra de hoje –, mas para serem evangelizadores que partam da humildade. É preciso ser pequeno; e nós, quando estamos na juventude, geralmente, queremos ser grandes rápido. Jesus vai ensinar para nós o caminho contrário: quando vamos nos tornando pequenos, humildes, aí sim Ele vai nos tornando pessoas grandes.
Vamos acompanhar as leituras de hoje? Olha o que Deus vai nos dizer e quantas comparações o Senhor nos deixa para nos ensinar sobre a humildade. E a coisa mais bonita é vermos, trabalhando na igreja, jovens que ouvem, que são humildes, que se colocam a serviço, que não vivem na arrogância. A arrogância nos leva para longe da salvação; a humildade nos leva para dentro do coração do Senhor, nos faz viver a salvação.
A primeira leitura de hoje [Eclo 35, 15b-17. 20-22a] vai nos falar do valor da oferta; que a oferta feita não depende da quantidade, mas da qualidade, da disposição do coração. O livro do Eclesiástico está falando para nós que o louvor do pobre – não só financeiramente, mas pobre em espírito, aquele que não tem nada, só tem o Senhor Deus – pode penetrar as nuvens e tem mais valor do que o dinheiro e o rico. Ou seja, Deus se deixa abrir para quem é humilde e fecha o Seu coração para o arrogante. O clamor do pobre, do pequeno, atravessa as nuvens mais do que ter muitos bens materiais. E nós estamos falando de um texto do Antigo Testamento, o que significa que não foi Jesus o primeiro a nos ensinar isso, já no Antigo Testamento Deus vai nos apresentando alguns pontos. O livro do Eclesiástico faz parte do conjunto dos textos da Sabedoria de Israel: Eclesiástico, Eclesiastes, Sabedoria e outros.
Vamos pular para o Evangelho de hoje [Lc 18, 9-14], que é a continuação do texto do domingo passado. Jesus nos falava sobre a oração e ensinava que temos que rezar sempre. Hoje, Jesus nos diz, por meio da boca do evangelista Lucas, como temos que rezar. E é tão interessante, querido povo de Deus, pois Jesus vai nos apresentar uma parábola de dois homens rezando. Primeiro, Ele nos apresenta os fariseus, um grupo da época de Jesus que era fiel à lei. O erro dos fariseus estava na arrogância. Eles estavam certos de que eram os justos e agradáveis a Deus. Já o publicano, que era o cobrador de impostos, era um pecador público, um homem impuro, sujo, que ninguém podia ficar perto. Mas ele se apresentou a Deus com humildade. A palavra "humildade" vem de húmus, terra; é ser pequeno, mas, ao mesmo tempo, ser alimento – o que faz a plantinha crescer? A terra. E a humildade que Cristo ensina é não ser arrogante e colocar seus dons, seus talentos a serviço da Igreja. Se você é um bom cantor, você tem que cantar para Jesus; se você é um bom pregador, você deve pregar a Palavra, ser catequista. Mas tudo com humildade.
O publicano, na parábola, espera que Deus aceite seu coração contrito; seu clamor se parece muito com o Salmo 50. O cobrador de impostos não é arrogante, ele se apresenta a Deus com a cabeça baixa, porque sabe que é pecador e precisa da misericórdia. Olha a diferença entre ele e o fariseu... Jesus vai dizer no Evangelho que este último, que é o cobrador de impostos, saiu justificado da sua oração, o outro não. Por quê? Queridos filhos e filhas, o publicano sai justificado porque crê que a salvação é um presente de Deus, é dom de Deus. O fariseu não sai justificado pois ele acha que tem direito à salvação; ele não recebe a salvação porque pensa que merece a salvação, já que ele vive a lei. E, às vezes, nós parecemos fariseus...
Amarrando o Evangelho à segunda leitura [2Tm 4, 6-8. 16-18], temos Paulo, que escreve a Timóteo dando algumas ordens a ele. Este trecho se chama "O adeus do Apóstolo" ou, também, "Testamento do Apóstolo". E olha que coisa maravilhosa: Paulo teve que aprender a ser humilde; teve que cair e ficar cego, lá no caminho de Damasco, pois era muito cheio de si. Jesus o encontrou e disse: "Por que você persegue a minha Igreja?". E ele, da arrogância, aprendeu a ser humilde. E, no fim da sua vida, vai dizer, neste trecho de hoje: "Timóteo, eu combati o bom combate. Agora, está guardada para mim a coroa da justiça, que o Justo Juiz dará àqueles que merecem". Que felicidade, meus irmãos, se no fim da nossa vida, a exemplo de Santa Teresinha, a exemplo de Irmã Dulce – que acabou de ser canonizada –, nós recebermos, do Justo Juiz, a coroa da humildade, a coroa que vem de ser pequeno.
O Espírito Santo só quer morar no coração de quem é humilde. No coração arrogante, o Espírito Santo não tem espaço. O Espírito Santo quer fazer coisas maravilhosas através de nós, batizados e crismados, mas, para isso, é preciso que sejamos pequenos. Como anda o seu caminho de humildade? Como anda sua pequenez diante do Senhor? Pergunte isso ao seu coração. "O pobre clama a Deus e Ele escuta" [Salmo 33 (34)]. O clamor do pobre atravessa as nuvens e alcança o coração de Deus; o clamor do orgulhoso, do arrogante, não pode chegar a Deus... Como anda sua vida nesta caminhada? A partir de hoje, você precisa decidir viver no caminho da humildade, no caminho da Igreja, no caminho de Cristo, a exemplo de Santa Teresinha, de Irmã Dulce, de tantos outros irmãos que entregaram sua vida a Deus.
Oremos: "Espírito Santo de Deus, dai-me o dom da humildade. Eu quero ser pequeno, para que o Senhor cresça na minha vida. Que eu diminua, Espírito Santo, e que Jesus apareça. Dai-me essa graça, essa dádiva do céu, de ser humilde, pequeno, para servir o Reino de Deus. Amém".
O sacramento da Crisma marca nossa fronte com o sinal espiritual e nos marca com o bom odor de Cristo. Que este óleo do Crisma penetre em sua alma. E que, ao sair daqui, você se sinta muito motivado a servir a Cristo, cheio de humildade, de coragem, de alegria e decisão para seguir o amado Jesus!
Homilia: Pe. Renato Fernandez – 30º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 26/10/2019 (Sábado, Missa da Crisma às 16h).
Perseverar na oração
20/10/2019
O Evangelho de hoje [Lc 18, 1-8] não é um elogio para um juiz corrupto. É estranho que Jesus colocar a imagem de uma mulher, é estranho para nós... Jesus está falando com os discípulos sobre a necessidade de rezar, mas rezar sempre, perseverar na oração. Uma viúva que vai procurar o seu direito. Há dois mil anos atrás na Palestina, as mulheres não tinham direito algum: as mulheres não era alfabetizadas, elas não podiam servir como testemunha num julgamento e elas eram propriedades do pai, depois do marido e se ficasse viúva com o filho mais de doze anos de idade, ela seria propriedade do filho. E quem iria defender os direitos dessa mulher? O pai ou o marido ou o filho. Quem nós encontramos aqui? Uma viúva que vai pedir a um juiz pelos seus direitos, ou seja, ela não tem ninguém, nenhum homem que possa reclamar e proteger os seus direitos. Olha a situação horrorosa dessa mulher, uma situação terrível! E Jesus coloca bem essa imagem para dizer o quê? Nós, diante de Deus, não temos direito algum. O simples fato de existir já é de uma bondade infinita de Deus, então devemos nos colocar diante de Deus como alguém que não tem direitos. Essa é a primeira atitude da oração: nós não temos direitos.
Depois esta mulher faz o que ela pode e o que ela pode é insistir. Ela não tem ninguém que pode defendê-la, ela não tem voz nenhuma no tribunal. A única pessoa que pode defender ela é um juiz ladrão, um corrupto. Então essa mulher, todos os dias, procura o juiz na praça que o juiz faz na casa de justiça e não faz nada, ela encontra o juiz fazendo feira com a esposa e esta mulher não deixava o juiz em paz. Já hoje em dia, tem que dar entrada no processo, aí traga esse documento, depois traga este outro, depois daqui dois meses, mas trocou de juiz, agora está em recesso e passa um, dois, vinte anos e não anda... Naquele tempo também era assim e juiz corrupto quer o quê? Dinheiro! A causa dos ricos é lógico que ele faz rápido, tem grana. Mas esta viúva que não tem direito nenhum, que não tem nem homem para defender a causa dela, por que perder tempo com essa mulher? Mas de tanto esta mulher ficar no pé desse juiz, ele falou ‘quer saber de uma coisa? Eu vou dar um despacho nesse processo e vou me livrar dessa mulher de uma vez se não ela vai chegar aqui um dia e vai acabar me jogando pedra’. Então Jesus fala: se um juiz corrupto, que não se importa com ninguém nem com Deus, fez justiça de tanto essa mulher insistir, quem dirá Deus que nos ama como um Pai! Deus que nos ama como o coração de mãe! Esta imagem nós temos também em outra passagem do Evangelho [Lc 11, 11-13]: qual de vós que são maus, se o filho pede um peixe ou um ovo, vão dar um escorpião para o filho? Nem vocês são capazes de fazer mal para seus próprios filhos, quem dirá Deus, que é bom, que ama... Ele faz as coisas boas para quem pedir. Não temos direitos, mas devemos insistir na oração, perseverar na oração, acreditar sempre na bondade de Deus. Isso não quer dizer que não vamos ter dificuldade na vida: dificuldade, doença, dor e morte todos teremos, porque faz parte da vida, mas a injustiça não faz parte da vida. As injustiças temos que combater, mas estas questões – doenças, sofrimento, dor e morte – todos vamos passar, nós somos criaturas frágeis. Então Deus nos pede, Jesus insiste: rezem constantemente, rezem a todo o tempo.
São Lucas terminou de escrever este Evangelho por volta do ano 90, isto é, 60 anos depois da morte e ressureição de Jesus. A primeira geração, as pessoas que conheceram Jesus pessoalmente, já tinham quase todos morrido, todos os apóstolos já tinham sidos assassinados – sobrou São João por um milagre, jogaram ele no óleo quente e ele não morreu, mas era para ter morrido. Mas quantas outras pessoas, 60 anos depois, conheceram pessoalmente Jesus? É difícil, então já tinham morridos todos. Muitos da segunda geração logo do primeiro anúncio do Evangelho também muitos já tinham morrido, e o povo ficava esperando Jesus vai voltar, “nós estamos aqui numa dificuldade danada e quando Jesus vai voltar?”. Já São Paulo começou a falar “Calma, a volta vai ser não vai ser por aqui”. E aí o que acontece? A porca começou a torcer e começaram as perseguições, então muitos cristões começaram a abandonar o caminho de Jesus Cristo. Aí São Lucas, no meio dos documentos para escrever o Evangelho, encontrou esta frase: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”. Isso quer dizer o quê? Que quando Ele for voltar, Ele quer ver a fé de vocês. Como vocês acham que Ele quer nos ver? Anunciando o Evangelho com a própria vida, sendo boas pessoas, pessoas honestas, pessoas que fazem o bem para os outros por amor a Deus e não para tirar alguma vantagem; sendo capazes de acolher todos os filhos que Deus nos manda. Isso que Deus quer de nós: perseverar na oração, insistir.
São Paulo diz, muitas vezes nós não somos ouvidos nas nossas orações porque rezamos mal e de forma interessada. Nós queremos ganhar na loteria para ficar rico. Rezamos para não ter sofrimento nenhum na vida, mas o sofrimento faz parte da vida. Nós rezamos às vezes pedindo um milagre desesperados, mas para quem crê em Deus, a morte é um consolo. Nem deveria nos assustar, porque nós acreditamos na vida eterna. A nossa esperança está lá, por isso nos temos que fazer o bem aqui, porque o nosso coração está lá e Jesus Cristo está lá. Por isso vale a pena aqui viver os valores do Evangelho. Persevere, não jogue fora o caminho e acredite sempre que Deus escuta as vossas orações. Mas lembre-se de que Deus tem os tempos dele, Deus sabe o que é melhor para nós. Deus conhece o sentido da nossa história.
Na Primeira Leitura [Ex 17, 8-13], vemos Moisés subindo no monte para rezar. Vocês sabiam que Moisés era assassino? Lá no Livro do Êxodo, Moisés matou um egípcio. ‘Ah, mas ele estava atacando um hebreu’, isso não justifica. Vocês sabiam que Moisés era gago? Por isso ele precisava do Aarão para conversar com o faraó por conta da sua gagueira. Deus fez de Moisés o maior líder do seu povo e maior que Moisés, só Jesus.
Quem é a única pessoa, fora Maria, que nós sabemos que está no céu, que é santo com certeza? São Dimas, e quem é São Dimas? Ele era assassino que depois se converte. Ele estava envolvido em um homicídio e foi contra um romano, porque se não fosse, não morria como Jesus, e nem se fosse ladrão de galinha, porque ladrão não morria como Jesus. Então se Deus salva e chama para grandes missões até assassinos, a gente tem que duvidar do amor de Deus? Por que nos vamos duvidar? Essa é a prova do amor de Deus! Para Ele, as nossas misérias, os nossos pecados, não são um problema. Mas temos que seguir o Evangelho e perseverar no caminho. E Deus nos mantem na fé e nos encontra na fé. Este é o Evangelho de hoje.
Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 29º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 20/10/2019 (Domingo, missa das 10h).
A nossa esperança está em Jesus
13/10/2019
Caríssimos irmãos e irmãs da fé, o profeta Oséias [Os 2,16] diz: “vem comigo num lugar a parte e falar-te-ei ao coração”. Este lugar a parte hoje é a Paróquia Santa Teresinha, onde Deus fala-nos uma palavra de esperança, de ânimo, de conforto para continuarmos a nossa vida não do nosso jeito, mas do jeito de Deus. O bom filho e a boa filha são aqueles que ouvem a voz do Senhor. Sendo assim, São Tiago fala assim “não sedes meros ouvintes da Palavra de Deus, mas praticantes”. Então aqui nós nos encontramos para rezar – primeiramente para nós ouvirmos a voz de Deus, como ouvimos nas leituras da Santa Missa, que é Deus falando para cada um de nós. O Salmo 94 vai dizer “não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor”, nós ouvimos como bons filhos que ouvem a voz de Deus, assim como Nossa Senhora que ouviu a Palavra, a guardou em seu coração e essa Palavra tornou-se vida em seu ventre. Assim, todos nós, onde quer que nós estejamos, somos chamados, convocados por Deus para ser sinais de esperança em um mundo marcado por tantas coisas contrárias ao projeto Deus para cada um de nós, seus filhos e filhas.
Hoje, de modo especial, vimos dois relatos. Na Primeira Leitura [2Rs 5,14-17], Naamã, o sírio, que quis ser purificado da doença que estava com ele, então ele primeiramente não acreditou que se ele se jogasse no rio seria curado daquela doença. E assim também, quantos de nós não somos alcançados e temos como companheira do dia a dia a insegurança, a dúvida, a incerteza, a incredulidade na Palavra de Deus e duvidamos de Jesus? São Francisco nos diz “aonde houver dúvida, que eu leve a fé”. Então, este homem, Naamã, depois de muita insistência, resolveu banhar-se na água e, a partir do momento que ele entra na água, ele se torna uma criatura nova, ou seja, restaurou a sua pele e também restaurou a sua fé e a sua dignidade. Então ele volta para agradecer ao profeta Eliseu, que disse a ele “não, não é a mim que você deve agradecer, mas ao Pai que está no céu”. Assim também toda vez que nós nos encontramos na Santa Missa, nós recebemos esse banho da regeneração do amor de Deus para cada um de nós. A diferença é com que disposição nós estamos ouvindo e acolhendo a Palavra? Nós acreditamos realmente que toda missa é missa de cura e libertação? Acreditamos na Palavra de Deus? Acreditamos que Jesus realmente está caminhando no meio de nós? Ou nós ainda estamos na dúvida? Não podemos ser igual aos discípulos de Emaús que diziam que a esperança do povo morreu, mas, assim que Jesus ressuscitado passa a ser companheiro deles na viagem, eles disseram assim um ao outro “não ardiam os nossos corações quando Ele nos falava no caminho e nos explica as Escrituras?”. Então, a Palavra de Deus é bálsamo para a nossa ferida interior. A Palavra de Deus restaura a nossa fé e a nossa confiança no Senhor Jesus Cristo.
E o segundo relato é o Evangelho [Lc 17,11-19] que nos diz bem claro que para seguir Jesus, existem dois caminhos. Ali havia dez pessoas que falaram no coletivo “nós queremos ser curados”, então eles foram curados por Jesus no coletivo, mas apenas um voltou para glorificar a Deus, ou seja, apenas um se tornou discípulo de Jesus. Então às vezes, nós temos essas duas dimensões dentro de nós: a dimensão de quem acredita na Palavra e segue Jesus e a dimensão de quem ouve, mas não acredita, acha que não é com ele ou faz diferença da Palavra do Senhor. Mas Deus na sua infinita misericórdia e bondade deseja curar a todos nós da nossa indiferença, da nossa insegurança, da nossa dúvida. Hoje a lepra tem nome diferente, é a nossa incredulidade na Palavra de Deus, a nossa falta de fé, a nossa falta de perspectiva, a nossa forma de isolar e rotular as pessoas. Então Deus hoje quer curar o nosso interior. O Apocalipse de São João [Ap 18] nos diz que é preciso que nós peçamos o colírio do amor e da misericórdia de Deus para nós enxergarmos as pessoas da mesma forma que Deus nos olha, pois Deus nos vê com olhos de ternura e misericórdia e espera que nós também assim o procedamos e possamos ver os outros com olhos de ternura e misericórdia.
Por último, São Paulo [2Tm 2,8-13] vai nos dizer que é preciso que nós confirmemos a nossa participação, a nossa fé em Jesus. Não podemos negar Jesus. Se nós o rejeitarmos, quando passarmos deste mundo para o outro, vamos bater na porta do céu e dizer “oi, Jesus” e Jesus vai dizer para nós “não os conheço”, porque aqui na terra nós vivemos como se ele não existisse. Mas enquanto estamos peregrinando, todo tempo é tempo da graça de Deus, é tempo de conversão, é tempo de voltarmos para Deus.
Peçamos, pela intercessão de nossa padroeira, Santa Teresinha, missionária, que nós também, onde quer que nós estivermos, possamos ser sinais de esperança, sinais de união, sinais de solidariedade e, acima de tudo em um mundo marcado por tanta violência, que sejamos sinais de paciência e sinais de perdão.
Homilia: Pe. Alessandre Marcos Benedito – 28º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 13/10/2019 (Domingo, missa das 10h).
Nossa Senhora: mulher que é sinal de Deus
12/10/2019
Esse é o momento de nós acolhermos a palavra de Deus. Podemos ouvir Deus toda vez que estamos na missa no momento chamado liturgia da palavra, em que Deus fala aos seus filhos, o povo. Deus nos fala através da Bíblia, nos fala através da leitura que nós ouvimos, do livro da vida. E hoje o livro da vida nos fala de Nossa Senhora Aparecida. O que será que Deus quer nos falar? Se alguém perguntasse para você quem é Nossa Senhora Aparecida, o que você responderia? Que é a mãe de Jesus. Tem gente que faz até confusão: ‘quantas mães Jesus têm? Tem Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora de Lourdes...’. O que você responde? É a mesma mãe de Jesus que tem vários apelidos.
Agora tem outra questão que se coloca: ‘mas você está adorando uma imagem!’. Nós a acolhemos com muita festa, com muita alegria, colocamos o manto e coroamos Nossa Senhora, e há pessoas que dizem: ‘isso está errado, porque isso não é de Deus, não se deve adorar imagem!’. O que você responde? Estamos adorando imagem? Claro que não. Nós somos uma grande família, e toda família tem fotografias em casa, não tem? Dos filhos, das pessoas queridas... e é muito bonito quando você pega uma fotografia para mostrar a uma criança e diz: ‘veja aí o seu avô, você não conheceu o seu avô, mas olha aqui a foto’ e isso te faz ficar contando as histórias: ‘esse é seu tio, essa é sua tia; ele fez isso, ela fez aquilo...’, pois eles deixaram um exemplo para nós, sabe? É muito bonito ficar lembrando. É isso que você deveria dizer para quem questiona essa história de imagem. Nós vemos várias imagens aqui, nas igrejas católicas... são só fotografias, só um álbum dessa grande família. E todas as fotografias que vejo são imagens que me lembram alguma coisa: vejo o Coração de Jesus, me lembra alguma coisa; vejo Santo Antônio, me lembra alguma coisa. Mas todas essas imagens me levam a Jesus: Santo Antônio, que está segurando Jesus; todos os santos também; Santa Teresinha, que é padroeira dessa comunidade... Santa Teresinha do Menino Jesus, não é assim? São todos exemplos que nos levam pelo mesmo caminho: Jesus de Nazaré. Ele é o caminho, Ele é a vida, Ele é tudo para nós. E assim também é Nossa Senhora Aparecida, essa imagem de Nossa Senhora Aparecida, a mãe de Jesus.
Aqui no Brasil, Nossa Senhora se manifestou através dessa pequena imagem, uma imagem misteriosa, que tem um significado muito profundo. Por isso, quando nós olhamos a imagem de Nossa Senhora Aparecida, nós vemos o rosto de Deus. Nós devemos aprender a olhar para Maria, mãe de Jesus, para descobrirmos o rosto de Deus, de modo especial o rosto de Jesus. Um dia, conversando com uma pessoa evangélica, muito amiga minha, eu disse assim: ‘vocês não sabem o quanto vocês perdem por não ter Maria, mãe de Jesus, de modo especial Nossa Senhora Aparecida’. Ele perguntou o porquê. Primeira coisa: a imagem de Maria, mãe de Jesus, diz o seguinte: a presença da mulher na comunidade cristã. A presença da mulher! Como Deus valoriza a mulher. Deus escolheu uma mulher para enviar o seu filho aqui. Se Maria não tivesse aceitado, Jesus não teria vindo. Isso é sinal da presença da mulher, o valor que a presença dessa mulher tem. Uma pena que a mulher não seja valorizada como deveria ser na própria Igreja. E a dificuldade que o Papa Francisco está tendo nesse Sínodo da Amazônia que falamos no começo da missa. Como ele quer a presença da mulher lá na Amazônia, não apenas uma mulher que limpa a igreja, que prepara as coisas, que fica servindo os padres, os bispos... ele quer dar valor, valorizar a mulher. O Papa Francisco quer porque Deus quer. E por que Deus quer? Primeiro, Ele escolheu uma mulher, a mãe de Jesus. Olha o que Deus fala: ‘você será uma mulher importante, não quero que abaixe a cab